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Sabemos que a origem da Páscoa cristã remonta a tradições religiosas anteriores ao mundo da Bíblia. Inicialmente era uma festa para celebrar a chegada da primavera no hemisfério norte. Depois ela passou a ser também um momento cultual de agricultores, no qual se oferecia às divindades os primeiros frutos da terra. Quando as populações mediterrâneas se tornaram nômades e pastoris, a festa da Páscoa passou a ser um ritual para oferecer aos deuses os primogênitos dos animais. Uma espécie de culto de gratidão e ao mesmo tempo de súplica pela prosperidade e fertilidade da terra e dos rebanhos. Mais tarde, quando tribos nômades da então Canaã se juntam para formar o povo de Israel, a Páscoa passou a ser a festa da libertação, vista como a passagem de Javé pelo Egito para tirar o povo da escravidão.
Com a chegada do cristianismo, a Páscoa judaica, aos poucos, foi se convertendo em Páscoa de Jesus. Passou-se a celebrar a ressurreição de Cristo, evento central da fé cristã. Um dos primeiros escritos cristãos, datado entre os anos 54 a 57 d. C., assim se expressava: "Se Cristo não ressuscitou, a nossa pregação é vazia e também é vazia a fé que vocês têm” (1Cor 15,14). A fé na ressurreição de Jesus é a crença na vitória de Cristo sobre a morte. Ele morreu, mas está vivo e caminha conosco. Assim sendo, a celebração da Páscoa cristã é a celebração da vida: "A morte foi engolida pela vitória. Morte, onde está a sua vitória? Morte, onde está o seu ferrão?” (1Cor 15,54-55).
Portanto, celebrar a Páscoa é celebrar a vida, com toda a sua beleza e riqueza. Não teria, pois, sentido celebrar a Páscoa aceitando passivamente todas aquelas formas de violência e de ódio que ceifam vidas humanas e destroem o nosso planeta, única casa que temos para viver. Neste sentido, a Páscoa cristã, recuperando a simbologia da Páscoa judaica, é a festa do compromisso e do engajamento, da luta pela liberdade e contra todas as formas de escravidão.
A Páscoa é a festa da disponibilidade, a festa da audácia, do convite para ir à luta, na busca da terra prometida, ou seja, da justiça que gera igualdade e equidade. A Páscoa não pode ser celebrada por quem cruza os braços e aceita tudo resignadamente. Segundo a tradição judaica, durante a Páscoa Deus passa para libertar, mas as pessoas precisam acolher essa passagem lutando e conquistando o espaço da liberdade. Por essa razão, diz a narrativa simbólica da Páscoa judaica, é preciso celebrá-la "com cintos na cintura, sandálias aos pés e cajado na mão” (Êx 12,11). Assim sendo, a celebração da Páscoa é convite à prontidão. Sem sair do próprio lugar, sem ir à procura, sem enfrentar os desafios, a liberdade e a libertação não virão.
As primeiras comunidades cristãs entenderam isso muito bem e desde cedo falaram da Páscoa como imolação de Jesus: "Cristo, nossa páscoa, foi imolado” (1Cor 5,7). Não se trata de um elogio fúnebre ao sacrifício de Jesus, à sua morte brutal, uma vez que essas comunidades tinham consciência de que Jesus não fora mandado por Deus para morrer de modo violento. Jesus fora enviado para anunciar uma Boa Notícia aos pobres: a libertação de toda forma de opressão (Lc 4,18-19). A sua morte brutal foi o resultado de um pacto entre o poder político romano e o poder religioso do templo. Ambos se uniram para eliminar um profeta incômodo que, anunciando a libertação dos cativos, ameaçava esfacelar um sistema construído sobre a opressão política e religiosa do povo (Jo 19,9-12).
Sendo celebração da vida, a Páscoa cristã, recuperando a simbologia judaica (Êx 12,1-20), foi vista desde o início como a festa da imolação. Imolação entendida como coragem para romper com sistemas e situações que impedem a vida de desabrochar. Os sistemas religiosos e políticos, corruptos e violentos, que geram morte e destroem a vida são, de acordo com os primeiros cristãos, o "fermento velho” que faz a vida apodrecer. Por essa razão é preciso celebrar a Páscoa "sem fermento”, ou seja, sem corrupção, sem adesão a tais sistemas (1Cor 5,6-8). Sem isso, diz esse texto do cristianismo nascente, haverá só malícia e perversidade.
Portanto, celebrar a Páscoa não é comer ovo de chocolate e sair por aí distribuindo figurinhas de coelhinho e nem "santinhos” de Jesus ressuscitado. Precisamos retornar às origens e entender a Páscoa como festa da vida e como compromisso para que a vida seja sempre uma festa. Sem engajamento e sem participação da nossa parte, sem compromisso com a justiça e sem luta, a Páscoa se transforma numa celebração consumista, voltada para o superficial e para o medíocre. Não será a festa da libertação e da ressurreição de Jesus.
Nós cristãos muitas vezes agimos como aquelas primeiras pessoas que na madrugada do domingo de Páscoa foram procurar Jesus no túmulo. Mais de dois mil anos depois nós nos comportamos como se Cristo estivesse apodrecido no sepulcro. Não temos esperança, não acreditamos na vida, não nos comprometemos com nada. Vivemos com medo e só pensando em nós mesmos. É hora de agirmos como anjos da ressurreição, gritando para todos os que fazem parte do cristianismo: "Por que vocês estão procurando entre os mortos aquele que está vivo? Ele não está aqui! Ressuscitou!” (Lc 24,5-6).
É hora de dizermos que o encontro com a vida plena, com o Ressuscitado, não se dá na escuridão dos túmulos do egoísmo, mas na claridade, na luz da abertura para o outro, na solidariedade. Mas para que tal encontro aconteça é indispensável o deslocamento para a Galileia, ou seja, para as periferias do mundo. Por mais contraditório que possa parecer, é na periferia que se dá a verdadeira Páscoa. Ali todos nós podemos encontrar aquele que é a Vida e o sentido para as nossas vidas: "Vão anunciar aos meus irmãos que se dirijam para a Galileia. Lá eles me verão” (Mt 28,10). Oxalá, nesta Páscoa, tenhamos a coragem de realizar este deslocamento, que, às vezes, é mais mental e cultural do que físico e geográfico. Isso nos permitirá um verdadeiro encontro com o Ressuscitado!
- José Lisboa Moreira de Oliveira
Reproduzido via Amai-vos Tweet
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