domingo, 8 de abril de 2012

Uma palavra de amor e libertação




Só para lembrar: a leitura literal da Bíblia está longe de ser um enfoque cristão clássico. Na verdade, é bem moderno: teve início na primeira metade do século XX. Portanto, são quase 2 mil anos de cristianismo sem uma leitura literal da Bíblia. O literalismo é uma invenção moderna. E, sob a aparência de "fidelidade", não passa de uma leitura seletiva do texto sagrado; afinal, quantas pessoas você conhece que seguem à risca o preceito de que devemos dar tudo o que temos aos pobres? ;-)

O mais importante disso tudo para nós, hoje, e o interesse de postarmos aqui esses trechos do documentário "Assim me diz a Bíblia" (de que já falamos aqui, com link para o filme completo aqui - se você ainda não viu, não deixe de ver :-)), é reiterar algo que não nos cansamos de enfatizar: a Bíblia, ou a igreja, ou qualquer religião baseada nela, não são intrinsecamente más per se. Toda religião existe em um contexto cultural, social, histórico, e é por ele moldada. A homofobia da nossa época usa mais a Bíblia, as igrejas e as religiões para se impor do que o contrário. As Escrituras não são inerentemente homofóbicas, ou sexistas, ou escravagistas. Elas foram produzidas, ao longo do tempo, em contextos culturais e momentos históricos específicos, e a leitura que delas fazemos também é localizada em termos culturais e históricos, conforme os interesses de cada tempo.

* * *

Um aspecto de grande interesse nos cristianismos é que o texto sagrado não é uma mensagem enviada diretamente por Deus para nós. Não foi escrita pelas mãos divinas, ou por um anjo. Foi escrita por seres humanos, pessoas, ao longo do tempo. É, portanto, a história de como, com o tempo, fomos sendo capazes de compreender a mensagem de Deus para nós. Porque o Deus aí retratado é um Deus que dialoga, que fala conosco, para que entendamos conforme os nossos parcos recursos e nossa escassa capacidade.

Abominação, na verdade, é deturpar a mensagem de amor e misericórdia do Criador e colocá-la a serviço do ódio, da opressão, da exclusão e da desumanização - quando ela é, em essência, eminentemente libertadora e humanizadora. E esse sempre foi o grande drama das relações entre Deus e o homem: Ele tentando nos transmitir sua mensagem de amor e libertação, e nós a distorcendo a serviço dos nossos ídolos e miragens mundanas. E Ele insistindo. Por isso, a história contada nas Escrituras é, na verdade, a história da nossa contínua conversão.

Cristo foi um revolucionário, cuja mensagem veio subverter toda a lógica dos poderes humanos. A história do povo de Deus é a história de uma caminhada rumo à liberdade, pela construção de relações verdadeiramente fraternas, em que, colocando-nos como irmãos, colocamo-nos como iguais. O grande escândalo de Cristo foi virar de ponta-cabeça as estruturas humanas de poder ao arrogar-se o direito de entender a Lei com o seu coração, lendo-a sob a luz do amor e da misericórdia, pondo-a a serviço do ser humano, em vez de usá-la para subjugá-lo. Por isso ele foi morto.

E o grande escândalo de um Deus infinito que se reduz ao nosso tamanho para falar-nos e, como homem, leva sua missão de serviço até o final, respeitando as nossas escolhas e submetendo-se ao fim que decidimos lhe dar, é que esse não é o Deus glorioso e coberto de ouro que interessa aos poderosos - mas um Deus humilde dos pequeninos, que nos convida a, com ele, em tudo amar e servir. O perigo de se dar demasiada ênfase à Cruz e à morte de Cristo é acabar caindo na tentação de ver sua morte como um sacrifício que cria uma dívida que temos de saldar: se Ele se sacrificou por nós, cabe a nós nos sacrificarmos por Ele. Só que a história não pára aí. Ao ressuscitar, ele vence a morte. Fizemos o pior que podíamos fazer-lhe, dentro do alcance de todo o poder que temos: nós o matamos de uma maneira horrível. Mas essa não é a palavra final. Ele volta para nós, e recria a vida na Terra. Para que, a cada queda, possamos nos levantar. Para que, a cada tropeço, possamos recomeçar. Para que, a cada erro, tenhamos a certeza de seu perdão amoroso e gratuito. Para que, a cada morte, possamos renascer e continuar.

É loucura, mas é um Deus louco. Louco de amor por nós, e todo, inteiro gratuidade e doação - Ele que se entrega e desabrocha em beleza e amor por cada um de nós a cada instante. Basta termos olhos para ver, e um coração disposto a receber.

Que esta Páscoa seja mais um passo em nossa contínua caminhada de conversão e reconciliação com o Pai amoroso que vive e fala em nosso coração. Feliz Páscoa! :-)

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