Mandala: autor desconhecido
Deus pôs Abraão à prova e lhe disse: 'Abraão', ele respondeu: 'Eis-me aqui!' Deus disse: 'Toma teu filho, teu único, que amas, Isaac, e vai à terra de Moriá, e lá o oferecerás em holocausto sobre uma montanha que eu te indicarei.' (Gênesis 22, 1-2)
Sentimos que não é estória agradável. Um Deus que preferiríamos jogar no monte de lixo de refugo antropológico. Contudo a terra de Moriá constitui uma realidade nos domínios mais profundos e interiores de nosso ser. É onde, como nos lembram os místicos de todas as tradições, temos de entregar ('sacrificar') tudo aquilo a que estamos ligados. E qual o ser humano que não é afeiçoado aos que ama? Como podemos não ser? Sabemos que a terra de Moriá existe, mas não sabemos em qual montanha – em que circunstâncias ou qual hora, ou de que forma – seremos forçados a largar tudo. Entretanto não existe amor sem sacrifício, porque o amor só pode crescer através do desapego, de um contínuo deixar ir. E se não existe amor em nossa vida, ainda assim temos de nos desfazer disso.
A meditação torna mais fácil de entender essa estória desagradável. John Main disse que 'ao entrarmos em nosso silêncio interior, estamos entrando em um vazio no qual somos desfeitos. Não podemos continuar a ser a pessoa que fomos ou pensamos que fomos. Contudo, na verdade, não estamos sendo destruídos, mas despertados para a fonte eternamente natural de nosso ser.' ( A Palavra que Leva ao Silêncio).
Mesmo assim, podemos não estar muito interessados em enfrentar este fundo de realidade. É provável que, no começo, façamos só breves visitas antes de retornar depressa à superfície para respirar o ar de familiaridade e conforto. O deserto diz respeito à aprendizagem para aumentar nossa capacidade no real, para suportar as exigências que ele faz.
O mais importante de tudo, entretanto, é que possamos entender o sentido da leitura do evangelho de hoje, que a Igreja, com sabedoria, justapõe à estória de Abraão e Isaac. Hoje lemos sobre a transfiguração de Jesus na 'montanha sagrada', junto àqueles que ele amava e compartilhavam de sua presença.
Jesus tomou consigo Pedro, Tiago e João e os levou sozinhos para um lugar retirado sobre uma alta montanha. Lá foi transfigurado diante deles. Suas vestes tornaram-se resplandecentes, extremamente brancas, de alvura tal como nenhum lavadeiro na terra as poderia alvejar. (Mc 9, 2-3).
A transfiguração veio daqueles profundos domínios interiores em que ele viveu. Ela tocou e mudou até mesmo suas roupas: a começar da profundidade em que não há nenhum pormenor sem importância, só exatidão, até a superfície em que as coisas que fazemos na vida diária são realizadas.
- Laurence Freeman, OSB
Mensagem para o Segundo Domingo da Quaresma à Comunidade Mundial de Meditação Cristã no Brasil Tweet
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