A reflexão a seguir de Raymond Gravel, sacerdote de Quebec, Canadá, publicada no sítio Culture et Foi, comentando as leituras do 5º Domingo de Páscoa (6 de maio de 2012). A tradução é de Susana Rocca.
Eis o texto, aqui reproduzido via IHU.
Referências bíblicas:
1ª leitura: At 9,26-31
2ª leitura: 1Jo 3,18-24
Evangelho: Jo 15,1-8
Justo antes da Ascensão, estamos agora por dois domingos com o evangelista João, no discurso de despedida de Jesus de seus discípulos. Na noite da Quinta-Feira Santa, na Ceia, Jesus dá recomendações a eles. É uma forma de testamento espiritual dado por aquele que, no dia seguinte, seria preso, julgado, condenado e crucificado. Mas, de fato, será verdadeiramente um discurso pronunciado por Jesus de Nazaré, nas vésperas de sua morte? A resposta é evidentemente que não! Este discurso foi escrito vários anos depois da morte de Jesus, no seio de uma comunidade para a ele nunca foi um grande desaparecido. É por isso que esse discurso de despedida que o evangelista João coloca na boca do Nazareno, antes da sua morte, é, de fato, a Palavra que o Cristo sempre vivo dirige aos discípulos da primeira hora e àqueles dos dias de hoje. É um discurso que se dirige aos cristãos de todos os tempos. Hoje, o que podemos resgatar de tudo isso?
1. A Igreja que nós somos: Escrutando os textos bíblicos deste domingo, lendo os comentários dos últimos anos, a pergunta que eu me faço é a seguinte: Onde está a Igreja em tudo isso? A Igreja que nós conhecemos e a qual nós pertencemos, a Igreja que nós somos se terá tornado estéril como a vinha do Antigo Testamento, que correspondia ao povo de Israel? Quando olhamos para a Igreja de hoje que, nos seus dirigentes, se distancia cada vez mais do verdadeiro mundo e se distancia frequentemente da mensagem de amor dos evangelhos (o amor que é feito de abertura, acolhida incondicional, de tolerância, de misericórdia, de perdão e de esperança), impondo regras e doutrinas que não estão mais vinculadas às realidades do mundo atual, nós temos o direito de perguntar se a nossa Igreja pode estar ainda podada ou se ela está completamente desmembrada do tronco, isto é, desconectada do Cristo da Páscoa... este Cristo sempre vivo através dos homens e das mulheres de hoje. Os ramos da nossa Igreja estão todos secos? Será que a Igreja permite ainda a seus membros, a seus ramos, dar frutos?
Às vezes, tenho a impressão que a Igreja atual se considera, ao mesmo tempo, a videira e o agricultor... E, portanto, o evangelho nos lembra, e é Cristo Ressuscitado que fala: “Eu sou a verdadeira videira, e meu Pai é o agricultor” (Jo 15,1). Isso significa que todos os que estão unidos à videira, a Cristo, dão frutos, e esses frutos provêm de lugares diferentes, de ambientes diversos e múltiplos. Até existem alguns que não possuem nenhuma pertença religiosa. O teólogo Charles Wackenheim escreveu em 1994: “Todos nós conhecemos homens e mulheres que não se valem de Cristo e que se dedicam de corpo e de alma aos mais pobres, aos oprimidos e aos abandonados. Até acontece que essas pessoas recusam toda referência religiosa que lhes aparece com álibi tão inútil quanto suspeito. Mas o evangelho de João não mede os comportamentos de uns e de outros. Ele se dirige aos crentes que o foram enxertados em Cristo pelo batismo. Tanto melhor se os não cristãos dão frutos comparáveis!
2. “Fiquem unidos a mim, e eu ficarei unido a vocês” (Jo 15,4): O verbo ficar aparece sete vezes no texto do evangelho que nós temos hoje. Que dizer? O verbo ficar no evangelho de João tem um sentido teológico forte: ele serve para descrever não somente a permanência divina em relação à precariedade humana, mas também a intimidade de Deus e do homem que se expressa através da intimidade do Pai e do Filho. Jesus disse a Felipe: “Você não acredita que eu estou no Pai, e que o Pai está em mim?” (Jo 14,10). Da mesma forma, nós devemos crer que Cristo fica em nós se nós somos enxertados nele, se nós ficamos com ele: “Fiquem unidos a mim, e eu ficarei unido a vocês. O ramo que não fica unido à videira não pode dar fruto. Vocês também não poderão dar fruto, se não ficarem unidos a mim” (Jo 15,4).
A pergunta totalmente legítima que podemos nos fazer: Quem fica em Cristo e em quem fica Cristo? A resposta é simples: aquele e aquela que produz frutos em abundância: “Eu sou a videira, e vocês são os ramos. Quem fica unido a mim, e eu a ele, dará muito fruto, porque sem mim vocês não podem fazer nada” (Jo 15,5). E para ficarmos em Cristo, precisamos amar como ele. O trecho da primeira carta de São João, que nós temos na segunda leitura de hoje, nos diz o seguinte: “Filhinhos, não amemos com palavras nem com a língua, mas com obras e de verdade” (1Jo 3,18). É por nossa fidelidade aos seus mandamentos que nós permanecemos em Deus e Deus em nós (1Jo 3,24). Por outro lado, esses mandamentos se resumem em um só: “E o seu mandamento é este: que tenhamos fé no nome do seu Filho Jesus Cristo e nos amemos uns aos outros, conforme ele nos mandou” (1Jo 3,23). Não esqueçamos, sobretudo, que o Amor nunca condena, não rejeita nunca e não nega o perdão a ninguém. O Amor de Cristo é incondicional; ele dá a vida e produz frutos em abundância.
Concluindo, na primeira leitura de hoje, nesse trecho do livro dos Atos dos Apóstolos, o autor nos narra a dificuldade que São Paulo teve para integrar-se na comunidade de Jerusalém após sua conversão. Esse trecho nos faz tomar consciência de que não é fácil mudar a opinião das pessoas sobre nós, principalmente quando éramos o contrário do que nós nos tornamos agora. Os preconceitos se mantêm, mas a fé – que é também confiança – deveria ter mais força. Para São Paulo, deveria ter existido um Barnabé para introduzi-lo junto dos apóstolos, mas ele teve que fugir para Tarso, sua cidade natal, para se salvar da morte. Um pouco mais tarde, o mesmo Barnabé vai julgar as opções apostólicas de Paulo muito aventureiras. Ele vai preferir seguir a Pedro, e Paulo vai escolher outros companheiros de grupo. Isso significa que sempre é preciso a coragem de um Barnabé (filho da consolação) para lançar um Paulo assim como a sabedoria desse mesmo Barnabé de se saber ultrapassado por aquele que ele fez conhecer. Se foi verdadeiro no século I da Igreja, deve também sê-lo no século XXI de nossa Igreja. Quando haverá um Barnabé corajoso e sábio que saiba impulsionar um novo Paulo e retirar-se logo, reconhecendo-o mais importante do que ele? Tweet
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