sexta-feira, 11 de maio de 2012

"Por uma nova linguagem: teológica e erótica"

Foto: Herb Ritts

Compartilhamos aqui, há alguns dias, um belo texto publicado por Isaac Palma em seu blog, Ide por toda a Web. Nele, Isaac conclamava os cristãos a uma "espiritualidade cheia de Tesão". Seu apelo era dirigido aos evangélicos, meio a que pertence, mas aplica-se perfeitamente aos católicos, por que não? :-) O autor conseguiu expressar em palavras simples e diretas um anseio ardente e sincero por encontrar a Deus no seu tempo, no seu mundo, no seu coração – não em algum lugar distante e imaterial que pouco tem a ver com a realidade dos homens e mulheres de hoje. E, no entanto, foi aqui que Ele nos mandou buscá-lo, não foi? No pobre, no faminto, no sedento, no ferido, no exilado que estão do nosso lado, aqui e agora – é aí que Ele está. E não só no pobre de dinheiro, no faminto de comida, no sedento de água, no exilado de sua pátria, mas no pobre de alma, no faminto e no sedento de Deus, no exilado do Amor. Concordamos com Isaac: para tocar esse próximo é preciso que falemos palavras de hoje.

Em vista disso, reproduzimos hoje a continuação daquele primeiro texto, escrito a partir do debate por ele suscitado. De novo, embora ele dirija suas observações e comentários à realidade das Igrejas Evangélicas, em muitos (ainda que não em todos) segmentos católicos, em meios tanto religiosos quanto leigos, não encontramos situação muito diferente com relação à sexualidade humana e à expressão e vivência do desejo. Está mais que na hora de redimir Eros, como vimos recentemente no apelo do Bispo G. Robinson



Segue o texto, com grifos nossos.

A moral evangélica é casta, e seu objetivo é manter o “cabaço” alheio. E isso não apenas sexualmente, mas o status evangélico nos deixa bem longe de sermos fecundos na prática do Reino de Deus. Meu último texto, Por uma espiritualidade cheia de Tesão, pipocou na internet não pela profundidade daquilo que falei, mas principalmente pelas palavras que usei, ao fazer um paralelo entre a sexualidade e a vida cristã. Utilizei uma linguagem “profana” que não é sacralizada e nem muito comum nos corredores das igrejas. O mais interessante é o espanto que isso causa, porque toca na ferida. A igreja é mal resolvida sexualmente, prova disso é o medo de falar sobre sexo; só se fala disso quando sob o controle dos lideres. Somos levados a acreditar em qualquer baboseira “espiritual” para justificar uma opressão com desculpa de (pseudo)Santidade. Negamos o sexo porque negamos o corpo, na dicotomia grega que não conseguimos largar, porque se o corpo é mau, os seus desejos são ruins; portanto, o sexo, expressão máxima do corpo, só pode ser ruim. Se falar de sexo fora desses moldes é ruim, imagine falar de Deus a partir dessa linguagem.

Deus está para além do que os nossos discursos possam captar ou expressar; tudo o que conseguimos é, a partir de nossas experiências, dar significado a elas e interpretá-las à luz daquilo que chamamos de Deus. As nossas linguagens partem, ou deveriam partir, da nossa experiência humana; soa no mínimo estranho expressarmos Deus a partir de uma linguagem que não seja nossa. E é isso que fazemos pegamos emprestado de outras culturas e tradições uma determinada linguagem de espiritualidade, de determinado período histórico, que fazia sentido para aquele povo específico, e tornamos universal e eterno algo que é local e passageiro.

O mais estranho é que santificamos aquela cultura e forma de falar de Deus, e impedimos as novas linguagens e novas formas de falar de Deus. Assim, negamos o corpo, o sexo e as novas linguagens. Alguns devem se perguntar : “Mas por que a linguagem erótica?” e eu devolvo a pergunta : “Mas por que não a linguagem erótica?”. Já que é uma linguagem legítima e humana, por que não usá-la?

É muito comum vermos nas igrejas referências à vida cristã a partir do imaginário da guerra; usamos palavras como ‘batalha, guerra, vitória, inimigo, General etc”, fazemos diversas referências na nossa linguagem à experiência da guerra. Dentro disso, duas coisas me chamam a atenção: primeiro, nós não vivemos a experiência da guerra, o imaginário construído em torno dessa linguagem não faz parte do nosso cotidiano, falamos dessa experiência mas a mesma está distante de nós, copiamos isso das páginas da Bíblia, que é um texto cultural e temporal. Segundo, a mensagem de Jesus é uma mensagem de paz, e não de guerra. Na verdade Cristo vai contra a violência e a guerra, basta ler o sermão da montanha pra perceber isso. A ética da não-violência, que depois foi propagada por homens como Gandhi, Martin Luther King e Tolstoi, é uma proposta que nasceu em Jesus. Tal ética é totalmente anti-guerra; como então é mais cristão usar a linguagem de guerra do que a erótica? Já que, além de não fazer parte do nosso cotidiano, remete a um imaginário contrario à mensagem do Mestre a quem dizemos seguir? Ou Cristo era contra o sexo? Ou o prazer é algo “mundano”?

É preciso repensar e recriar as maneiras de falar; por isso proponho novas linguagens, mas que sejam nossas, que falem dos nossos anseios, que sejam humanas e por isso divinas. É preciso ainda ir além e ler as entrelinhas. É preciso sentir na carne antes de sistematizar, e que nossa sistematizações sejam, assim como nós, frágeis e passageiras, só assim poderemos anunciar o que é Eterno.

Que nossa expectativa pelo inaudito, pelo inédito e por tudo aquilo que ainda não foi feito esteja sempre direcionada pelo Espirito de Deus, que é Aquele que faz o que quer e onde quer, em detrimento das nossas vãs expectativas religiosas; afinal, sopra como vento, e quem saberá de onde vem ou para onde vai? Que nossa linguagem denuncie e renuncie aos males da religião, nos excite, e nos encha de Tesão. Que nossa virgindade espiritual e existencial fique pra trás. Que possamos entrar de cabeça em tudo aquilo que acreditamos. Que tudo o que falarmos seja sentido na carne; esse é o apelo de Jesus - e que seja o nosso, constantemente.

- Isaac Palma, no Ide por toda a Web (via PavaBlog)

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