Interessante notar que o livro aqui apresentado por Jônatas foi cassado na Argentina, enquanto no Brasil não houve nada. Essa diferença de tratamento pode ter sido motivada, em primeiro lugar, pela capa escolhida para a edição de lá - no Brasil, é Adão e Eva nus; na Argentina, era um casal vestido, mas gay - o que pode ter chamado mais a atenção. Além disso, a censura lá ocorreu logo depois da proibição de um outro livro (este aqui), e pode ter sido influenciada pela necessidade política de apaziguar os ânimos conservadores mais exaltados por lá.
De todo modo, é um livro riquíssimo, que merece ser lido e discutido - jamais silenciado.
O livro Sexualidade e Condição Homossexual na Moral Cristã está na terceira edição brasileira publicada pela Editora Santuário. Trata-se de uma obra escrita por um influente catedrático de Teologia Moral da Universidade Pontifícia Comillas (Madrid) que revela por meio de repasses bibliográficos as interferências culturais nas revelações bíblicas, como a influência estoica, doutrina patrística, pensamento agostiniano, neoplatonismo, movimentos extremistas e teologia escolástica. Esses pontos de partida resultaram numa compreensão antropológica pessimista, construções míticas, travas tabuísticas e/ou tabus sexuais de uma moral ascética e abstencionista.
Preciso no método científico, o acadêmico é, por consequência, rigoroso ao evitar o “pecado” do anacronismo, embora não se detenha sobre todos os recortes bíblicos que denotem alguma brecha para interpretações fundamentalistas. Ainda assim, ao fazer uma abordagem sistêmica sobre a moral sexual, o teólogo expõe posições críticas de outros teólogos que apontam a necessidade de renová-la de forma que o modelo moral para o comportamento afetivo-sexual possa ser efetivamente inclusivo sem, contudo, comprometer a vivência segundo o Evangelho. A compreensão sobre essa renovação não deixa margens para a consagração do hedonismo, justificativa usada por aqueles que são contrários à afirmação da totalidade da pessoa, pois a união permanente com outro ser humano impede a clausura no próprio eu, favorece a capacidade de amor e a oblatividade do espírito, assim como o desnarcizamento das alegrias da carne. Os repasses incluem a conclusão de que a maturidade pessoal e a personalidade sadia devem estar integradas a uma sociedade aberta e pluralista.
Marciano Vidal acompanha a evolução teológica-moral da doutrina católica oficial relativa à ação pastoral e compreensão da homossexualidade. As reformulações deixam latentes uma notável crise de credibilidade de publicações precedentes face ao avanço metodológico acerca da compreensão da condição sexual que considera, entre outras, a concepção holística da complementariedade humana, o diálogo, os dados antropológicos, as urgências pastorais e dados da psicologia. Assim, face à cosmovisão cristã sobre a dignidade de toda pessoa e da indissolubilidade do selo pessoal, vários teólogos propõem um novo alcance dos afetos relacional e agápico, a fim de ampliar a fecundidade no Senhor e a vivência eclesial. Não deixa de ser menos importante que bispos americanos considerem que a extensão de direitos civis aos homossexuais contempla a dignidade intrínseca de toda pessoa.
A linguagem acadêmica utilizada com sensibilidade é uma particular surpresa deste livro atualizado e bem fundamentado.
- Jônatas de Davi, leitor do blog Tweet
9 comentários:
Na minha redescoberta da religião, me importava muito pouco o que se ensina sobre a homossexualidade, quer dizer, se eu sinto que não há nada de errado e não conseguem me convencer do contrário, não há o que temer, se a igreja não entende, são as coisas da vida. Fazer o que? A existência é a realidade do mundo humano. Mas é muito bom saber que há uma reflexão profunda sobre o assunto, como vejo no blog, ajuda a manter a tranquilidade, quando a Fé fraqueja. Vou ficar atento a essas leituras, como a do livro.
Agora, tenho alguma dificuldade pra entender a moral. Pelo que vejo entre os leigos ou religiosos, existe uma certa ideia "mágica", do que é errado em si, profano... que não passa de mistificação e de instrumento de controle. Eu tenho uma ideia de atitude diante do mundo, não se trata de recusar o "mal" como uma coisa ou de querer agradar Deus como uma entidade exterior ou de adequação diante daqueles que dizem respresentá-lo, por culpa, medo ou qualquer pulsão negativa, mas de vontade, uma certa vontade de buscar a "Paz" (não sei qual seria a palavra, é algo muito grande), mas agradando a Deus encontraríamos paz conosco, como se fosse uma coisa apenas. Então não seria o consumo da pornografia um pecado por ele próprio, ele não seria "mau" pela "impureza", o que está em jogo é uma atitude em relação ao outro, de objetificar e mercantilizar e a ilusão de contato e de intimidade, o isolamento. Não é muito a culpa, mas a vontade de compreender a si próprio, de contemplar a Verdade e de viver de acordo com isso. Ainda nessa ideia eu tenho certa inquietação com que se possa ter uma receita moral para todos. Quer dizer, naturalmente as coisas e as experiências não são significadas sempre da mesma maneira, por diferentes subjetividades, culturas, momentos históricos... então quem me diz que, não sei, a poligamia é algo errado? Se os sujeitos vivem isso com honestidade, sentimentos sinceros e em paz... o que há de necessariamente ruim? Quem autoridade tenho e em nome de que julgaria a experiência alheia e pretender a verdade, acima da complexidade e da consciência do outro? Mas então eu me pego pensando se isso não é uma postura eclética, como é que se vive uma religião, uma experiência com a Verdade, sem querer falar sobre isso, defender de alguma maneira? Ao mesmo tempo em que não acredito na colonização, na vontade de poder sobre o outro... pulsões humanas eu vivo muitas, o Caminho com certeza não deve ser submeter-me a uma outra.
É muita coisa pra pensar, pra traduzir da experiência com Ele.
Saudações fraternas.
*A luta é a realidade da existência humana.
Querido Navorski,
que rica e bela a sua reflexão, e que honesta e corajosa a sua busca de encontrar a verdade da sua consciência, aquilo que você efetivamente sente como sendo verdade, em vez de procurar a resposta aparentemente mais "fácil" das fórmulas externas de certo e errado, que com tanta frequência acabam servindo de instrumentos de poder e de exclusão, em lugar da misericórdia e do amor inclusivo e incondicional do Pai.
Obrigado por compartilhar com a gente.
Um grande e afetuoso abraço.
:-)
É um prazer tentar colaborar com este espaço que muito tem feito por tantas pessoas. Parabenizo pelas atualizações frequentes, escolhas das pautas e respostas cuidadosas a todos. Um abraço!
Nós é que temos a agradecer pela sua participação e pela riqueza da troca, Jônatas. E obrigado também por suas palavras, que nos dão grande ânimo na nossa caminhada... todo feedback é precioso para sabermos se estamos indo na direção certa! :-)
Um abraço carinhoso!
Navorski, a religião não está imune às influências culturais. Quando São Paulo escreve aos coríntios, é necessário compreender o ambiente cultural em Corinto. E uma dessas cartas, por exemplo, passa a impressão de condenação à prática homossexual. Frequentemente, religiosos fundamentalistas usam-na, a grosso modo, para nos mandar para o inferno. Os dramas pessoais podem ser universais, atemporais e isso ajuda a justificar a adoção da Bíblia como um "manual", mas o texto encontra especial referência a eventos e particularidades que não podem ser negligenciados, pois, do contrário, esvaziam a precisão textual. Este livro de Marciano Vidal, em especial, ajuda a compreender o texto tal como deve ser lido. Note que Jesus nunca fez qualquer condenação sobre o ato sexual, e os tabus sexuais já vinham sendo enraizados pelas antigas escrituras. Essas, somadas a uma noção pessimista sobre a "carne", ajudaram a elaborar muitos tabus. Como a religião foi a base de formação de vários Estados, a conjugalidade (im)perfeita passou a ser regulada pelas leis. Importante, caso não conheça, deixar a recomendação de um capítulo dos Ensaios de Michel de Montaigne intitulado "Dos costumes e da inconveniência de mudar sem maiores cuidados as leis em vigor" que exemplifica como a conjugalidade encontrou formatações diferentes em diversas culturas.
Belo comentário e ótima dica, Jônatas! Vamos procurar. Obrigado!
Um abraço carinhoso.
É um prazer! Vamos aprendendo juntos. Tenho aprendido muito aqui. É só uma contrapartida. :) Um abraço afetuoso também!
Estimados amigos, eu pude ler o livro ora referido e posso dizer com toda certeza e uma Obra impar, principalmente pela sua linguagem ao menos tempo teórica e contudo pratica. E um livro atual e o recomendo a todos que estudam sociologia, filosofia, psicologia, direito e principalmente recomendo a todos que tem a pretensão em ser sacerdote. A Igreja fundada por Cristo sob a figura de Pedro "pedra", e para que esta aberta a todos sem exceção. O Cristo Senhor destacou incontestavelmente que ele esta com os que estão marginalizados, excluídos e os que são julgados sem direito a defesa. Fico triste em ver a Igreja que deveria ser casa de irmãos tornar-se casa de desunião. Por fim parabenizo o Jônatas, autor de tal artigo e também ao grande sacerdote Marçal Vidal. Meu grande abraço e minhas orações a todos.
Postar um comentário