terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Carta de Católicos LGBT para os Bispos - e petição para assinar


É com imensa alegria que compartilhamos a carta elaborada por nossos amigos da Pastoral da Diversidade, em São Paulo, em resposta à consulta pública às paróquias solicitada pelo Vaticano em preparação para o Sínodo dos bispos em 2014 (saiba mais aqui). A carta está disponibilizada também sob a forma de uma "petição on-line", um abaixo-assinado para recolhermos as assinaturas de quem quiser apoiar e subscrever o texto abaixo, aqui. Esta carta será enviada esta semana para nossos bispos e para o núncio apostólico (o representante diplomático da Santa Sé) no Brasil, assinada por representantes de diversos grupos de LGBTs católicos existentes no Brasil - nós, do RJ, a Pastoral da Diversidade, em SP, e nossos irmãos organizados em Belo Horizonte, Brasília, Recife, Curitiba, entre outros. 

Segue a carta, na íntegra.

Estimados Senhores Bispos,

É a primeira vez na história, tanto quanto se saiba, que todos os fiéis, inclusive nós Católicos LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais), fomos convidados a nos expressar como sujeitos sobre temas tão importantes para o futuro da nossa Igreja. Aqueles que escrevemos esta carta estamos longe de nos sentirmos no direito de responder por tantas pessoas diferentes, contudo sentimo-nos honrados pelo convite e queremos pelo menos tentar responder à altura.

É evidente que nos faltam conhecimentos para responder à maioria das perguntas do questionário, por isso vamos nos ater somente às que nos dizem respeito diretamente. Antes, porém, gostaríamos de comentar brevemente quatro pontos que fluem de temas fundamentais da consulta.

O primeiro ponto é sobre o próprio termo Família. Gostaríamos de expressar que todos nós, como pessoas LGBT, filhas e filhos de Deus, nascemos no seio de famílias, das mais diversificadas, e todos nós buscamos viver em família, seja ela eletiva ou biológica. Como Católicos, sabemos que Nosso Senhor Jesus Cristo sempre promoveu e promove mais a família eletiva que a biológica. Ou seja, consideramos que o discurso Católico sobre a família nos toca profundamente, sobretudo porque estas palavras de Jesus nos ressoam: "A minha mãe e os meus irmãos são os que ouvem a palavra de Deus e a põem em prática” (Lucas 8, 21). Temos as mais variadas experiências de vida familiar: para alguns de nós, o fato de sermos LGBT foi aceito com tranquilidade pelos nossos irmãos, pais, primos e outros. Para outros, o fato provocou – e continua provocando – muito sofrimento, seja em nossos parentes mais próximos, seja em nós mesmos. Em suma, queremos dizer que os dramas da vivência da fé em família não nos são alheios. Por isto, não podemos deixar de notar que, até agora, o discurso eclesiástico sobre a família nos trata como se fôssemos os inimigos da família, hostis de alguma forma à sobrevivência da mesma. Porém, nenhuma dinâmica familiar pode ser considerada saudável se alguém nela é tratado como ovelha negra (ou rosa). E isto nos leva a pedir que os Senhores não insistam em “defender” a família contrapondo-a aos direitos e à estabilidade psíquica e espiritual das pessoas LGBT. Estas “defesas” soam como forma de se imiscuir de maneira pouco evangélica em vivências familiares complexas em que todos sairiam ganhando se o assunto fosse tratado com honestidade, escuta, paciência e carinho.

O segundo ponto envolve a noção de Lei Natural. Mesmo que a terminologia não seja muito comum no nosso meio, a realidade visada nos é muito presente. Grande parte dos avanços no trato digno e humano das pessoas LGBT tem sido fruto da crescente consciência tanto em nível científico quanto em nível popular de que nós, LGBT, somos assim não por qualquer defeito ou deficiência, mas simplesmente como algo que é. Sendo assim, como é o caso com todas as pessoas, o nosso comportamento digno é fruto daquilo que somos. Ou seja, é a partir de ser, e não apesar de ser, LGBT que entramos, imbuídos com a força do Espírito Santo, naquela participação consciente e ativa em nos tornarmos aquilo que Deus quer para nós, que caracteriza a Lei Natural. Aprender aquilo que é, na prática, ser filha ou filho de Deus tendo como um dos aspectos – um elemento pequeno, mas não desprezível – de sua identidade o ser LGBT, é uma grande tarefa de humanização para todos nós. Nesta tarefa não ficamos isentos de todas as possibilidades, tanto de pecado quanto de santidade, que desafiam qualquer pessoa. Contudo, observamos que quando a autoridade eclesiástica fala da Lei Natural, ela assume - aparentemente, sem se questionar - que somos de alguma maneira marginais ao tema, somos julgados de maneira sempre negativa, por causa de nossas inclinações que se supõem serem “objetivamente desordenadas”. Ora, fica cada vez mais claro que a versão eclesiástica atual da Lei Natural carece de evidência na realidade. Por isso, exortamos os Senhores Bispos a não utilizar a Lei Natural como arma eclesiástica contra as pessoas LGBT e que deem mais espaço à dimensão da Lei Natural que consiste em aprender por observação aquilo que realmente é, pois só assim serão conhecidos e respeitados os desígnios do nosso Pai, Criador de todas as coisas, nas nossas vidas. Só assim nos ajudarão a caminhar segundo a vontade d’Ele.

O terceiro ponto trata do termo Pastoral. Desejamos ardentemente a existência de uma verdadeira Pastoral LGBT no Brasil. Sabemos que nenhuma pastoral que não esteja fundamentada na Verdade pode produzir bons frutos. E, de fato, há um grave problema aqui, um dilema: ou somos pessoas heterossexuais consideradas defeituosas, ou somos pessoas LGBT normais. No primeiro caso, a Pastoral consistiria em nos ensinar a viver uma estrita continência sexual, lutaria contra qualquer forma de reconhecimento da nossa vida em comum, seja no civil seja no religioso, e talvez até propusesse métodos para nos “curar” da desordem profunda que nos é atribuída. No outro caso, a Pastoral teria a missão de nos ajudar a florescer e crescer na fé a partir daquilo que somos; seu interesse se voltaria, entre outras coisas, para a formação e estabilidade da nossa vida conjugal e familiar, inclusive através da adoção de filhos, e para fortalecer nosso compromisso com os mais sofridos através de projetos sociais; e sobretudo, se empenharia em melhorar a vida de tantas pessoas, especialmente das camadas mais empobrecidas e marginalizadas de nossa sociedade, que sofrem todo tipo de discriminação no trabalho, na educação, na saúde e outros âmbitos, por sua condição de LGBT, chegando até o ponto de serem jogadas na rua pelas suas famílias, e a se prostituírem para sobreviver.

A situação real na Igreja, no entanto, é que as autoridades eclesiásticas não conseguem reconhecer publicamente sequer que existe uma questão sobre a verdade a ser confrontada, embora no íntimo, tantos o saibam muito bem. O resultado, que vemos no dia a dia, é um mundo onde os leigos vão se dando conta cada vez mais facilmente de que não há nenhuma desordem objetiva intrínseca ao fato de alguém ser LGBT. Mas o clero, mesmo sabendo que muitos pertencem à nossa tribo, não consegue tratar deste assunto honestamente. E ainda menos os Senhores, cuja fala nesta esfera costuma ficar semelhante (com desculpas pela comparação) aos discursos de outrora: “Nós fingimos ensinar, e o povo finge aprender”. O resultado é que uma verdadeira e oficial pastoral católica LGBT fica impossível! Os esforços pastorais hoje existentes, a partir dos quais escrevemos esta carta, sobrevivem na clandestinidade, sem acolhimento sincero, aberto e fraterno, em espaços eclesiais não reconhecidos como tais. Pedimos, então, não como mera questão acadêmica, mas como urgente exercício de responsabilidade pastoral, que os Senhores busquem a maneira de entrar pública e honestamente no processo de elucidar conosco aquilo que realmente é neste campo. Sem medo da verdade, pois sem ela, nenhuma Pastoral Católica é possível. O medo da verdade, além de pouco eficaz para a ação pastoral, também é inútil, pois, como lemos na Declaração Dignitatis Humanae, n.1, do Concílio Vaticano II, "A verdade não se impõe de outro modo senão pela força da própria verdade."

O quarto e último termo é a Evangelização. Observamos com grande alegria a maneira como o Papa Francisco tem abordado este tema na Evangelii Gaudium e sentimo-nos plenamente convocados a participar desta nova evangelização. De fato, muitos de nós já estamos fazendo isto de diferentes maneiras, exatamente como pessoas LGBT que vivenciam profundamente a fé - infelizmente, sem qualquer apoio da Igreja institucional. Mas nos sentimos animados pelo Papa quando ele nos disse na JMJ 2013 que assim tem de ser, e que, mais cedo ou mais tarde, os Senhores irão descobrir que nós estávamos fazendo aquilo que devíamos, levando o conhecimento e a presença de Jesus Cristo a diferentes periferias existenciais. Gostaríamos de ressaltar que, para nós, descobrir que somos pessoas LGBT amadas como tal por Deus, convidadas à irmandade de Jesus e à nova família eletiva da Igreja, é parte da Boa Nova de Cristo. Na medida em que os Senhores insistem em tratar todo movimento em prol da dignidade e veracidade das pessoas LGBT como contrário ao Evangelho, em vez de discernir os elementos de Kairós que nos chegam por meio deste movimento, da mesma forma se condena a evangelização a ser uma repetição estéril, uma mera ideologia moralista. A nossa experiência no Brasil, amplamente partilhada pelos nossos amigos e irmãos LGBT em outros países, tanto católicos quanto cristãos de outras Igrejas, aponta para a seguinte observação: as gerações mais jovens não conseguem entender porque conhecer a Jesus implica numa caracterização, que sabem que é falsa, das pessoas LGBT com quem convivem como amigos, irmãos, filhos, vizinhos e colegas de escola ou trabalho. Para a nova e verdadeira evangelização, feita com aquele espírito de que fala o Papa Francisco na sua exortação apostólica, é imprescindível descobrir qual é o elemento de “Boa Nova” no assunto LGBT. Caso contrário, as gerações mais jovens não irão vos escutar.

Feitas estas observações gerais, passamos a responder às perguntas da seção 5 do questionário.

5 - Sobre as uniões de pessoas do mesmo sexo

1. Existe no vosso país uma lei civil de reconhecimento das uniões de pessoas do mesmo sexo, equiparadas de alguma forma ao matrimônio?

Não existe uma lei propriamente dita, mas, graças a Deus, o Supremo Tribunal Federal equiparou a união civil entre pessoas do mesmo sexo ao matrimônio civil. Após a decisão do STF, o Conselho Nacional de Justiça expediu resolução, com caráter normativo e vinculante aos cartórios, que obriga os tabeliães a registrar uniões estáveis e casamentos entre pessoas do mesmo sexo.

2. Qual é a atitude das Igrejas particulares e locais, quer diante do Estado civil promotor de uniões civis entre pessoas do mesmo sexo, quer perante as pessoas envolvidas neste tipo de união?

Na nossa experiência, tanto a CNBB como as Igrejas particulares eram obedientemente hostis à introdução destas realidades no nosso meio, se bem que em tom menos agressivo e grosseiro que os grupos evangélicos neopentecostais que protagonizaram a luta contra nossos direitos. Em nível mais local, não causou tanto problema a nova realidade legal, e como pessoas, algumas das quais envolvidas neste tipo de união, temos poucas noticias de maus-tratos por pessoas ligadas às paróquias, mas também poucas notícias de um acolhimento com júbilo. Evidentemente há uma dificuldade em obter informações mais exatas já que, oficialmente, toda atitude acolhedora neste tema tem sido clandestina.

3. Que atenção pastoral é possível prestar às pessoas que escolheram viver em conformidade com este tipo de união?

Retomamos nosso terceiro parágrafo acima, sobre o termo Pastoral. Prestamos todo o atendimento que nos é possível, em meio à clandestinidade eclesial, e aguardamos o dia em que poderemos pensar, em diálogo franco e aberto com nossos Bispos, os tipos adequados de liturgia pública de bênção para estes casos, como também o acompanhamento apropriado às diferentes etapas da vida das pessoas LGBT.

4. No caso de uniões de pessoas do mesmo sexo que adotaram crianças, como é necessário comportar-se pastoralmente, em vista da transmissão da fé?

Há pouco a fazer enquanto as autoridades eclesiásticas ainda se sentirem na obrigação de convencer as crianças adotadas por nós, pessoas LGBT, que as suas famílias não são verdadeiras famílias, e que suas mães ou seus pais são pessoas objetivamente desordenadas que contrariam o plano de Deus ao formar uniões caracterizadas por atos intrinsecamente maus. Se ultrapassarmos esta posição, não haverá grande diferença quanto à transmissão da fé, sendo as mesmas as facilidades e dificuldades de catequese para filhos adotados por casais do mesmo sexo ou de sexos opostos. Ajudar a superar o sentido do abandono na criança, sendo que muitas delas passam por situações abomináveis antes de serem adotadas, vai muito além da mera orientação sexual seja dos próprios filhos adotados, seja dos pais adotivos.

2 comentários:

Unknown disse...

Somos pertencentes ao GRUPO HUMANIZAR-SE DE ALAGOINHAS- GHA, entidade que lida em prol dos direitos humanos e dos animais. Estamos agora num trabalho voltado para as religiões em que pretendemos dialogar com todas, inclusive aqueles que são Ateus numa perspectiva inclusiva visando o Ecumenismo. Fomos recomendados a vocês pelo grande Dr. Luiz Mott. Chamo-me Domingos Sousa e sou diretor do GRUPO que idealizou, com o aval dos companheiros do Grupo, o projeto. O meu e-mail é doda99@bol.com.br. Grato pela atenção, Domingos Apostolo de Sousa.

Equipe Diversidade Católica disse...

Oi, Domingos, obrigado pelo seu contato! Você pode entrar em contato conosco pelo e-mail contato@diversidadecatolica.com.br.

Estamos à sua disposição! :-)

Um forte abraço!

Equipe Diversidade Católica

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