terça-feira, 24 de abril de 2012

Fundamentalismo: que a lei de meu Deus valha para todos


Da coluna de Contardo Calligaris na Folha de S. Paulo em 05/04/12, comentando a escolha do candidato republicano à presidência dos EUA nas próximas eleições:

"(...) Mas o sucesso da campanha do maior concorrente de Romney, o senador Rick Santorum, mostra que a tentação extremista republicana é forte. De que se trata?

Santorum, por exemplo, declarou que ele teve vontade de vomitar quando ouviu o presidente Kennedy defender a separação da igreja e do Estado. É óbvio que a união de Estado e igreja leva qualquer governo a atropelar a liberdade privada de seus cidadãos, ou seja, é óbvio que a frase de Santorum é oposta aos ideais libertários do centro americano.

Por que ele se engajou neste caminho? De onde lhe veio essa ideia? Costuma-se pensar (e dizer) que o sonho americano começa com os puritanos, que saíram da Inglaterra a procura de liberdade religiosa. Mas os puritanos estavam interessados só na sua própria liberdade religiosa, não na dos outros.
 
Como projetava John Winthrop em 1630, ainda no barco que o levava para a nova terra, eles construiriam "uma cidade que brilharia nas alturas", exemplo para mundo, mas uma cidade fechada (na qual quem não concordasse seria enforcado como as bruxas de Salem e a mulher que pecasse por adultério seria marcada com uma letra escarlate).

Por sorte, em 1631, Roger Williams começou a pregar a separação de Estado e igreja e o direito de qualquer um de venerar o deus que bem entendesse.

Williams foi expulso e fundou Providence, outra cidade "nas alturas", mas aberta, onde ele inventou a liberdade de professar sua fé sem impô-la aos outros -ao contrário, com a ideia de que defender a liberdade dos outros é a melhor maneira de proteger a nossa própria liberdade.

Pois bem, o centro moderado norte-americano acredita em Roger Williams. Mas é preciso constatar que Rick Santorum e os republicanos extremistas não são uma invenção recente: como John Winthrop, eles sonham com a paz simplória de um vilarejo onde não se leia nada além da Bíblia e onde sempre seja possível dizer o que é certo e errado - e, claro, proibir o que seria 'errado'.

É curioso que ninguém repare no óbvio: os sonhos deles não são diferentes dos sonhos do Talibã de qualquer vilarejo do Afeganistão.

Os fundamentalistas são todos iguais: 'apenas' querem que a lei de seu deus seja mandatória para todos os demais.

Por sorte nossa, não é esse o sonho daquele centro moderado norte-americano que, em geral, escolhe os presidentes."

(Reproduzido via Conteúdo Livre)

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