Foto: Rodney Smith
Há cinquenta anos a Igreja Católica vivia um dos períodos mais importantes de sua história. Convocado pelo Papa João XXIII na festa de Natal de 1961, o Concílio Vaticano II era inaugurado no dia 11 de outubro de 1962. Realizado em quatro sessões, foi encerrado em 8 de dezembro de 1965, já sob o pontificado de Paulo VI.
O que pretendia o adorável e bondoso Papa João ao convocar em tempo recorde um Concílio Ecumênico com mais de 2000 participantes? Que necessidade pulsava nas entranhas da comunidade eclesial, fazendo sentir como necessária esta convocação? Por que a tradicional e respeitada Igreja Católica assumia o risco de abrir suas portas e situar-se sob os holofotes da opinião pública do mundo inteiro?
Desde Leão XIII, que em 1891 confessara com dor o distanciamento do catolicismo para com a classe operária, tornava-se sempre mais claro para o governo da Igreja que esse distanciamento se dava em relação ao mundo como um todo. No pontificado do Papa Pio XII (1939-1958) já aconteciam dentro mesmo das fronteiras católicas movimentos de renovação fortes e influentes.
Os mais importantes diziam respeito ao estudo da Bíblia e à liturgia. Brilhante intelectual e agudo observador, Pio XII teve que viver um período conturbado em termos políticos, enfrentando a subida do Nazismo e uma guerra mundial que esfacelou a Europa.
Ali se sentiu ainda mais claramente a necessidade imperiosa para a Igreja de reaprender a dialogar com um mundo passado pelo crivo da modernidade, que não se regia mais pelos ditames da religião, mas avançava a passos largos pelos caminhos da secularidade e da autonomia da ciência e da técnica.
Eleito em1958, João XXIII surpreendeu o mundo ao recolher todos esses desejos e expectativas e torná-los realidade com a convocação do Concílio. Seu objetivo era repensar e renovar os costumes do povo cristão e adaptar a disciplina eclesiástica às condições do mundo moderno.
A palavra italiana aggiornamento (atualização) foi cunhada para expressar o que o Concílio pretendia e os frutos que desejava e perseguia.
Na visão profética de João XXIII, o Concílio seria como “um novo Pentecostes”, ou seja, uma profunda e ampla experiência espiritual que reconstituiria a Igreja Católica não somente como instituição, mas como movimento evangélico dinâmico, feito de abertura e renovação. Assim começou o processo que resultou no Concílio Vaticano II e que foi como um divisor de águas para a Igreja. “Sopro de inesperada primavera”, em palavras do próprio Papa, foi marcado pela abertura e pelo olhar reconciliado para o mundo e sua complexa realidade.
Enquanto Concílios anteriores na Igreja tinham como preocupação principal condenar heresias, definir verdades de fé e costumes e corrigir erros que nublavam a clareza da plena verdade, o Vaticano II teve desde o princípio como orientação fundamental a procura de um papel mais positivo e participativo para a fé católica na sociedade, discutindo não apenas definições dogmáticas e teológicas, mas voltando sua atenção igualmente para problemas sociais e econômicos, vendo-os não como ameaças, mas como autênticos desafios pastorais que pediam uma resposta por parte da Igreja.
Ao definir a especificidade do Concílio que convocava, João XXIII declarou enfaticamente, com força e audácia pastoral, não pretender uma vez mais fazer listas de erros e condenações, como tantas vezes havia acontecido no passado. Desejava, sim, a Igreja abrir diante do mundo a beleza e o valor de sua doutrina, usando mais de misericórdia e menos de severidade. Isto, no seu entender, ia mais ao encontro das necessidades dos tempos atuais e dava à mesma Igreja um rosto mais maternal e acolhedor.
João XXIII não pretendia revogar nada do depósito da fé que lhe cabia guardar com zelo de pastor. Mas tampouco desejava corrigir formulações ou proclamar novos dogmas. Sua intenção ao convocar o Concílio era que Igreja e Mundo pudessem finalmente dialogar abertamente, para que a mensagem cristã pudesse ser vivida em toda a sua profundidade e vigor. Hoje, o Vaticano II continua sendo uma referência não apenas para os católicos, e sim para todos aqueles e aquelas que desejam entender melhor o tempo em que vivem.
- Maria Clara Bingemer
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