terça-feira, 11 de outubro de 2011

Eu, religioso sem fé

Ilustração: Adriana Komura

Depois de ter perdido toda uma série de práticas e de tradições que os ateus consideravam insuportáveis por causa daquilo que Nietzsche definia de "o mau cheiro da religião". a sociedade secular se empobreceu injustamente. Enquanto buscávamos nos libertar de ideias impraticáveis, também renunciamos erroneamente a alguns dos aspectos mais úteis e fascinantes da religião.

A opinião é do escritor e filósofo suíço Alain De Botton (fundador da School of Life, em Londres), em artigo publicado no jornal Il Sole 24 Ore, 04-09-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto, aqui reproduzida via IHU, com grifos nossos.

Eis o texto.


Cresci em uma família de ateus convictos, filho de judeus não observantes que colocam a fé religiosa no mesmo plano da fé no Papai Noel. Meu pai tinha conseguido fazer a minha irmã chorar quando havia tentado extirpar da sua mente a ideia, nem tão enraizada, de que, em algum lugar do universo, se escondia um deus solitário.

Eu tinha oito anos, na época. Se os meus familiares descobrissem que alguém, no seu círculo de conhecidos, nutria secretamente um sentimento religioso, começavam a tratá-lo com a comiseração que, em geral, se reserva a quem sofre de uma doença degenerativa. A partir desse momento, para eles, era impensável recomeçar a levá-lo a sério. Embora eu tenha sido fortemente influenciado pela atitude dos meus pais, passados os 20 anos, o meu ateísmo me pôs em crise. As dúvidas surgiram quando eu ouvi pela primeira vez as cantatas de Bach; se desenvolveram enquanto eu observava algumas Madonnas de Bellini; e se tornaram um tormento quando eu me aproximei pela arquitetura zen.

No entanto, foi apenas muitos anos depois da morte de meu pai – enterrado sob uma lápide gravada em hebraico em um cemitério judeu de Willesden, zona noroeste de Londres, porque, detalhe interessante, ele tinha se esquecido de deixar instruções mais seculares – que eu comecei a aceitar o peso da minha ambivalência com relação aos princípios indiscutíveis que me haviam sido incutidos durante a infância.

A minha certeza de que Deus não existe permanecia intacta. Eu me sentia simplesmente mais livre para a ideia de que havia um modo de se aproximar da religião sem ter que aceitar também, por força, o lado sobrenatural; um modo, em termos mais abstratos, de pensar nos Padres sem ofuscar a memória do meu pai. Dei-me conta de que a minha prolongada resistência às teorias sobre o além ou sobre os habitantes do paraíso não era uma justificação suficiente para descartar a música, os edifícios, as orações, os rituais, as celebrações, os santuários, as peregrinações, as refeições em comum e os manuscritos iluminados.

Depois de ter perdido toda uma série de práticas e de tradições que os ateus consideravam insuportáveis por causa daquilo que Nietzsche definia de "o mau cheiro da religião", a sociedade secular se empobreceu injustamente. Agora, o termo "moralidade" nos causa medo, e, ao pensamento de ouvir um sermão, preferimos dar no pé.

Evitamos a ideia de que a arte pode nos elevar ou ter uma missão ética. Não vamos em peregrinação. Não sabemos mais construir templos. Não temos instrumentos para expressar gratidão. A ideia de ler um manual de autoajuda nos parece estar em contraste com os nossos nobres princípios. Rejeitamos o exercício mental. Raramente vemos desconhecidos cantando juntos. Infelizmente, estamos diante de uma escolha: abraçar a estranha ideia de que existem divindades imateriais, ou abandonar em bloco uma série de rituais reconfortantes, refinados ou simplesmente fascinantes dos quais custamos para encontrar um equivalente na sociedade secular. Talvez tenha chegado o momento de liberar as nossas necessidades espirituais do verniz religioso que os recobre, embora, paradoxalmente, muitas vezes, seja o estudo das religiões que nos fornece a chave para redescobrir e reformular essas necessidades.

A minha tentativa é a de ler as fés, principalmente a cristã, e, em menor medida, a judaica e a budista, em busca de intuições que possam ser úteis na vida secular, sobretudo com relação aos problemas levantados pela convivência dentro de uma comunidade e dos sofrimentos mentais e físicos.

Longe de negar os valores do secularismo, a minha tese é de que, muitas vezes, secularizamos mal, isto é, enquanto buscávamos nos libertar de ideias impraticáveis, também renunciamos erroneamente a alguns dos aspectos mais úteis e fascinantes da religião.

11 comentários:

Equipe Diversidade Católica disse...

Caro Anônimo,

Obrigado por sua visita e seu comentário. Pelo visto, nós e você temos visões e vivências distintas da relação e pertença à Igreja. Acreditamos que, conforme o Concílio Vaticano II e como frisou recentemente o papa Bento XVI em sua viagem à Alemanha, "a Igreja não são apenas os outros, não é apenas a hierarquia, o Papa e os Bispos; a Igreja somos nós todos, os batizados". Contudo, respeitamos sua posição e acreditamos que o diálogo honesto entre pessoas de pontos de vista distintos é sempre enriquecedor.

Para nós, o mais importante é comungarmos da essência da Boa Nova de Cristo, a Boa Nova de que Deus é um Pai misericordioso que a todos ama incondicionalmente e acolhe amorosamente, e com base nela construamos a ética pela qual se pautam nossos atos. Que nossa ação no mundo possa ser sempre pela construção do Reino que Cristo anunciou para cada um de nós. A paz de Nosso Senhor Jesus Cristo esteja sempre com você!

Um abraço fraterno e carinhoso.

:-)

Anônimo disse...

Sempre podemos crer somente em ‘nós mesmos’. Às vezes digo que São Paulo escreveu: ‘A fé vem da escuta’, e não do ler. Também se necessita ler, porém a fé vem da escuta, quer dizer, da palavra viva, das palavras que os outros me dirigem e que posso ouvir; das palavras da Igreja através de todos os tempos, da palavra atual que ela dirige mediante os sacerdotes, os Bispos e os irmãos e irmãs.

Bento XVI na mesma viagem á Alemanha (discurso improvisado ante os seminaristas de Friburgo)

Anônimo disse...

A paz de Nosso Senhor Jesus Cristo esteja sempre com você!

Um abraço fraterno e carinhoso.

:-)

Idem

Cristo reina e nada o pode derrotar nem a morte :D

Equipe Diversidade Católica disse...

Quando falamos em diálogo estávamos pensando em pessoas interessadas em ouvir o que o outro tem a dizer... O encontro entre Eva e a serpente foi baseado numa mentira, não se encaixa exatamente na nossa ideia de diálogo. Aliás, gostamos mto da sua citação do Papa sobre a escuta.

Bom, se você acha que a homossexualidade é uma das corrupções deste mundo, não somos nós que faremos você mudar de ideia, não é? Nem é essa a nossa intenção. Apenas temos uma visão diferente da sua: para nós, muitos gays, pelo fato de serem condenados por serem o que são, estão mais perto dos órfãos e viúvas que precisam de ajuda por sua condição de marginais na sociedade de seu tempo, vilipendiados que eram mesmo pelos supostos guardiães da Lei.

Aliás, caso você se interesse pelo tema, recentemente publicamos um ótimo artigo sobre o Vaticano II, aqui.

Esperamos que você encontre e viva com a paz do Senhor no seu coração, e que Ele sempre te cubra com as Suas bênçãos.

Um grande abraço.

Anônimo disse...

o q o mundo diz acerca do homosexualismo ?
q cada um faz o q quer q o importante ser feliz !!!!

ISTO É MENTIRA ????

Equipe Diversidade Católica disse...

Desculpe, não dissemos "todos" os gays, falamos "muitos". :-) Na verdade, não concordamos muito com generalizações e demonizações mútuas, nem por parte de religiosos com relação aos gays, nem dos gays com relação a religiosos - porque, a nosso ver, generalizações e demonizações apenas fecham os canais de diálogo e impedem que eu veja no outro o irmão meu, meu semelhante e meu próximo, tão pecador e necessitado do amor de Deus quanto eu (nem mais, nem menos).

A nosso ver, ninguém é necessariamente pior nem melhor do que ninguém só por ser gay, hétero, órfão, viúva ou doutor da lei. O que importa é estarmos sempre em busca de abrirmos o coração para o Amor do Pai, para que Ele nos inspire a cumprir nossa parte na construção do Reino. Todos, independente de quem ou como sejamos. Aos olhos de Deus, somos todos pobres, e todos dignos de sua misericórdia e amor de Pai.

Aliás, você encontra duas outras boas leituras a esse respeito em textos sobre a liturgia do último domingo, aqui e aqui.

Um beijo carinhoso para você.

Rodolfo Viana disse...

Olá anônimo,


Será que se Cristo estivesse em seu lugar ele teria a mesma postura que a sua.


Um afetuoso abraço;


Rodolfo Viana

Rodolfo Viana disse...

“É legítima a reivindicação dos homossexuais de viver na sociedade sendo respeitados em suas diferenças, sem discriminações ou perseguições que os oprimam”.

Cardeal Dom Geraldo Majella Agnelo, então presidente da CNBB, em depoimento à revista Época (10/1/2005).

“São dignas de admiração a particular solicitude e a boa vontade demonstrada por muitos sacerdotes e religiosos, no atendimento pastoral às pessoas homossexuais; esta Congregação [da Doutrina da Fé] espera que tal solicitude e boa vontade não diminuam”.

Cardeal Joseph Ratzinger, no documento Carta aos bispos da Igreja Católica sobre o atendimento pastoral de pessoas homossexuais (Roma, 1986, número13).

O Cristianismo não é um conjunto de proibições, mas uma opção positiva. E é muito importante que evidenciemos isso novamente, porque essa consciência, hoje, desapareceu quase que completamente”.
Papa Bento 16, em entrevista à televisão alemã (13/8/2006).

“O cristianismo só permanecerá vivo se souber reinterpretar seus textos e adaptá-los às novas situações e à nova experiência histórica que vivemos.”
Claude Geffré, teólogo dominicano francês (conferência em Rennes, dezembro de 1999).

E outro dia Dom Orani:
http://diversidadecatolica.blogspot.com/2011/08/dom-orani-fala-da-inclusao-gay-na-jmj.html

Mas, não importam o que quer que digam, se falem as linguas dos anjos e dos santos...sem o amor!
De toda e qualquer "aspas" fico com a maior de todas "ame o teu proximo como a ti mesmo, COMO A TI MESMO, e a Deus sobre todas as coisas".

 boca fala muito daquilo que o coração tá cheio, logo terei imenso prazer em dialogar com vc, ainda que discorde de mim, se sentir em suas palavras um pouco mais de amor.

Rodolfo Viana

Nem um pouco anônimo!

Equipe Diversidade Católica disse...

Caríssimo irmão anônimo,

Parece ser importante dar alguns esclarecimentos aqui:

Se você consultar a palavra do magistério acerca da homossexualidade, na verdade em momento nenhum se lê que seja um pecado. O ato homoerótico é considerado, na atual doutrina da Igreja, como intrinsecamente desordenado (catecismo parágrafos 2357-2359), não como um pecado. Você encontra uma explicação mais completa a esse respeito aqui.

Acerca da interpretação das passagens bíblicas que mencionam atos homoeróticos, você encontrará algumas considerações interessantes aqui, aqui e aqui.

E, sobre o "vá e não peque mais", foi um conselho amoroso do mesmo Cristo que disse para ninguém se achar no direito de tirar o cisco do olho do irmão sem antes tirar a trave do seu. Ou seja, é perfeitamente lícito preocuparmo-nos e dialogar amorosamente com o irmão, mas não devemos arvorarmo-nos no direito de apontar o dedo ou julgarmos o outro. Haja vista a parábola do filho pródigo, que é acolhido sem repreensões pelo Pai - apesar do ressentimento do irmão mais velho.

Mas, enfim, foram apenas algumas observações a propósito das suas colocações. De toda forma, você deixou bastante claro o seu ponto de vista a respeito da homossexualidade, dos gays, da Igreja e do que significa, para você, ser católico. Não são ideias incomuns - mas também não é a única maneira de pensar a respeito desses temas. Reiteramos que não temos a menor intenção de fazer você mudar de ideia. Respondemos seus comentários na medida em que acreditamos que, se você se deu ao trabalho de escrever aqui, era por ter algum interesse em saber nosso ponto de vista acerca dos pontos abordados por você. Esperamos ter atendido as suas expectativas. Você será sempre bem-vindo a participar, sobretudo no espírito de troca afetuosa e diálogo construtivo e pacífico que tanto prezamos.

Receba nosso mais caloroso e fraterno abraço.

:-)

Anônimo disse...

Recebo com o maior prazer e alegria o vosso mais caloroso e fraterno abraço.

:-)

MARCELO MORAES CAETANO disse...

Prezado anônimo, Cristo também disse, assim com vários profetas do Antigo Testamento: "Com a medida com que julgardes serás julgado". E disse sobre as prostitutas, os publicanos e os demais "pecadores" (assim apontados pelos "doutos" da lei farisaica, que tem como característica a incapacidade de ler a palabvra sob a visão inspirada do espírito santo, mas, ao contrário, de forma crua, seca, literal, rascante e pontiaguda: "Hoje mesmo, senhores da lei, sábios (e Cristo estava sendo irônico), elas vos precederão no reino dos céus". Assim como, aliás, foi com Dimas, o ladrão ao seu lado na cruz, que entrou, junto com nosso Messias, no reino dos céus. Se nossa conduta o incomoda tanto, senhor anônimo, saiba que temos um Deus que nos julga. Não precisamos de fariseus para isso. Fique em paz, e tente observar melhor a sua consciência, deixando que aqueles que estão em paz com suas próprias consciências sigam seus caminhos. Certos ou errados, o Senhor nos julgará. Mas temos as mãos limpas e o coração puro, como diz o salmo de Davi, da ascendência sacerdotal de Cristo, com Melquisedeque.

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