terça-feira, 21 de setembro de 2010

"Deus criou os homossexuais"


Padre Jesuíta defende o baptismo das crianças de casais compostos por pessoas do mesmo sexo e que homoafectividade levará a Igreja Católica a reformular concepções de família. Luís Corrêa Lima trabalha com grupos de católicos homossexuais e acredita que Deus quando fez o Mundo não criou só o universo heterossexual.

A relação da Igreja Católica com os novos modelos de famílias, onde impera a homoafectividade, é apenas um dos seus temas de estudo. Docente da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Luís Corrêa Lima viaja pelo mundo propalando a mensagem de aceitação da comunidade católica LGBT (lésbica, gay, bissexual e transgénero) e de que nenhum ser humano é mero hetero ou homossexual, mas antes uma criatura divina.

Ou não fosse este padre da Companhia de Jesus que no Brasil desenvolve um trabalho com católicos homossexuais. Numa breve ponte por Portugal não deixou de admitir, ao JN, que tal postura já lhe trouxe alguns dissabores.

Se a Igreja Católica surgiu há 2000 anos com um pensamento vanguardista à época, não é menos verdade que teve tantos outros até corrigir com o Concílio Vaticano II graves discriminações. Quanto anos levará então, na sua perspectiva, a adaptar-se à diversidade sexual?

Sinto e vejo a mudança. Mas é difícil saber quanto tempo vai levar. Porque na história as coisas são imprevisíveis. E a mudança é irreversível. Devo de admitir que não esperava que o líder de uma grande Conferência Episcopal, como a alemã, se manifestasse a favor da União Civil homossexual. Não esperava que a Santa Sé se posicionasse a favor da discriminalização da homossexualidade em todo o mundo. Isso aconteceu, agora, por isso outras mudanças podem acontecer. Só que são desiguais, porque a Igreja é heterogénea.

Mas na Alemanha discute-se entre o casamento e a União Civil, existente desde 2002, e aí a Igreja opta pela segunda. Em Portugal, discutia-se o nada e o casamento. E a Igreja defendeu o nada. Isto é, a postura é ou não sempre a do arrastamento e a que causa menos transtornos?

(Silêncio) Temos um exemplo de um grupo de sacerdotes da Argentina que se manifestou a favor do casamento gay. A Igreja é tudo isso.

O 'tudo isso' inclui o Cardeal Bertone (secretário de Estado do Vaticano) comparar a homossexualidade com a pedofilia?

Em 2008, o Papa deu uma entrevista na imprensa e sobre pedofilia vincou que não se trata de homossexualidade. É outra coisa. Após essa entrevista, o padre Federico Lombardi (porta-voz do Vaticano) salientou que não cabe à autoridade religiosa se pronunciar sobre psicologia.

E quando a Igreja considera um homossexual menos apto para o sacerdócio?

Na senda do debate da pedofilia havia esse debate acolorado. Um documento de 2005, sobre candidatos com tendências homossexuais, dizia que não são desejáveis no sacerdócio pessoas que apresentam tendências homossexuais enraizadas. E que cabe ao bispo local aprovar o candidato. A intenção é que o sacerdote tenha uma relação sadia com os fiéis. Onde possa surgir uma paternidade espiritual. E, assim, há coisas que atrapalham. Ou seja, as tendências homossexuais. É claro que alguns dizem o seguinte: o sujeito pode ter as tendências e não prejudicar a relação com os seus fiéis, desde que tenha maturidade. Então, o documento tem essa dualidade de quem interpreta. O padre Timothy Radcliffe considera que é menos importante saber se o candidato ama ou não. Importante é saber se ele odeia alguém. Isso é que deveria ser um preceito. Se o sujeito é homofóbico, se é machista, se é racista, então isso é que deveria ser empecilho. Mas há um documento mais recente, de 2008, sobre esse candidato, que refere que se enfrentarem de maneira realista as suas tendências homossexuais profundamente enraizadas, então não deve ser vetado.

Defende o baptismo das crianças de casais homossexuais?

Esse tema se colocou nos Estados Unidos. Em 2006, um documento dos bispos americanos, sobre a Pastoral para os homossexuais, se coloca contra a adopção de crianças por homossexuais. Mas diz que é permitido o baptismo dessas crianças, se houver uma promessa de que elas venham a ser baptizadas na fé cristã. Lá (nos Estados Unidos) muitas dessas crianças estudam em escolas católicas. Têm uma conduta igual às outras crianças. São aceites pelos colegas e outras famílias. São poucas as reclamações. Recentemente, a Diocese de Boston posicionou-se a favor do acolhimento de crianças de casais homossexuais em escolas católicas.

Sim. Mas qual é a sua opinião sobre o assunto?

Não vejo que haja evidência de que essas crianças sejam diferentes. Porque se fala muito do risco dos casais homossexuais e do que isso pode originar para elas. Mas uma universidade alemã já fez uma pesquisa com 2400 crianças e não notou qualquer diferença. Enquanto não houver uma evidencia que há um dano...

Já teve problemas devido à sua posição?

Na universidade tive longos meses de negociação, para que as barreiras fossem diluídas. As coisas tiveram uma evolução positiva. Tenho o apoio da Companhia de Jesus e superiores, graças a Deus. Tomo o cuidado de não ser hostil e ter uma posição apaziguadora. E avançar por onde só posso avançar. Mas é caminhar no fio da navalha.

Ajuda, enquanto padre, pertencer à Companhia de Jesus?

Muito. Até pela sua génese e pela missão que os Papas têm confiando à Companhia. Paulo VI disse que, sempre que na Igreja há conflito entre as legítimas aspirações humanas e a verdade evangélica, aí estão os jesuítas, nos campos mais difíceis e nas trincheiras sociais. A função da Companhia é o trabalho apostólico de fronteira. O Papa Bento XVI confirmou isso e desenvolveu esse trabalho de fronteira. Ver os jesuítas estarem onde os outros não estão, de estabelecerem pontes de compressão e dialogo.

Deus criou o homem e a mulher, heterossexuais. E os homossexuais, foram criados por quem? Por Deus?

Claro. Não tenho dúvidas disso. Deus criou todo mundo. Se Deus criou todo o mundo, Deus criou os homossexuais. A sociedade é diversa, na cultura, nas raças e diversidade sexual. Temos inclusive diversidade sexual no mundo animal. Fala-se de 400 espécies de animais que têm indivíduos homossexuais. E a Humana também tem. É importante que a Igreja aprenda a viver com a diversidade sexual.

_______________
Entrevista publicada originalmente no site do Jornal de Notícias, em 12/09/2010

10 comentários:

Unknown disse...

“Deus criou os homossexuais”... (Pe. Luís C. Lima, 2010)

O Deus humanizado, segunda a Teoria do Criativismo, que foi apresentado a mim quase que a minha vida inteira, era um homem de pele e olhos claros, de barba e cabelos brancos que do alto do céu ditava regras com sua voz grave dizendo o que é certo ou errado e o que é ou não é pecado e que sempre via todos os nossos atos como num Big Brother, isto é, nos vigiando 24hs. Eu estava equivocado dentro da minha ignorância e descobri mais tarde que esse Deus não existe. Foi um grande alívio pra mim.

Pela ótica da física e da ciência o universo foi gerado por uma explosão, chamada Big Bang, teoria cosmológica dominante do desenvolvimento inicial do universo, onde uma energia cósmica deu início à vida no planeta Terra, inclusive. Essa energia é que habita dentro de nós, seres vivos e humanos, e também nos permite viver e ter o livre arbítrio sobre nossas escolhas e que não tem nada haver com religiosidade. Aliás a religião é que nos mostra valores, éticos e morais, que são convenientes aos seus objetivos e nós escolhemos a religião que melhor nos convém. Fácil né!

Ser homossexual ou Heterossexual não tem nada a haver com o tal Deus (humanizado) e muito menos se foi ele quem criou ou não criou ou se é ou não é pecado. Parece ser tudo isso a invenção de um líder moralista, em uma época sem acesso a pesquisas científicas, com a intenção de criar e ditar regras pra oprimir e dominar a população e a humanidade. Coisa muito comum até os dias de hoje. Acho e cada dia mais tenho a certeza de que tudo que está relacionado aos seres vivos deste planeta, só tem haver com a natureza. Ela sim é que nos mostra a razão de tudo, pois dentro da imperfeição ele é perfeita. É nessa teoria que acredito cada vez mais, pois me parece ser mais lógica e sensata.

Deve ser por isso que Jesus se decepcionou e questionou: "- Meu pai, por que me abandonastes ...”, é óbvio que não houve manifestação daquele Deus que se esperava existir. Pois se Deus existe em forma de energia, como poderia se manifestar naquele momento e com aquele objetivo de se fazer uma mágica para toda aquela agonia se acabar? Como seria fácil!

Jesus desafiou as regras já estabelecidas dentro de uma ditadura de governo e foi severamente punido para dar exemplo aos que tentassem fazer o mesmo. Pois ao pregar seus conhecimento, com base em valores mas humanos adquiridos em suas andanças pelo oriente, tentou passar essa experiências aos seus compatriotas e foi mau visto pelas autoridades locais. Atitude política puramente autoritária daquela época e que perdura até os dias de hoje em alguns paises.

Prefiro acreditar que Deus na verdade é essa energia cósmica e não essa figura humanizada, de um homem velho e barbudo de voz grave. A palavra “Deus” em hebraico significa “O criador”, o senhor do universo, cá pra nós, também parece ser uma versão machista. Por que não poderia ser Minha mãe a Deusa criadora do universo?

Portanto se o criador ou a criadora do universo manifesta sua existência em forma de energia cósmica, então somos todos seres legítimos porque fazemos parte deste universo. Logo se existimos é por que temos uma razão para estar aqui dentro desse universo que surgiu da explosão do Big Bang.

Robson Coutinho

Anônimo disse...

Bom, RObson. Pela "lógica da física e da ciência" toda ação PRECISA ser derivada de uma ação anterior. E da onde veio o Big Bang? Da onde veio a "energia cósmica" que o gerou?

Se tua resposta é "do nada", você acabou de se contradizer. Se responde "não sei" ou "a ciência não sabe", está admitindo que a ciência não consegue nos dar todas as respostas.

Isso só confirma as 5 vias da existência de Deus, de S. Tomás de Aquino, segundo as quais há uma Causa Primeira, capaz de causar sem ter sido causada por ninguém. Esta Causa é Deus.

Sobre a suposta decepção de Jesus, é por isso que a Igreja vai contra o livre-exame da Bíblia. Não é esse o sentido visto desde pelos primeiros cristãos. Esta frase é uma oração, um salmo que Jesus reza. Leia o restante do salmo para entender o contexto.

Jorge Ferraz disse...

De que Deus tenha criado os homossexuais, não há nenhuma dúvida. Criou também os impuros, os idólatras, os adúlteros, os efeminados, os devassos, os ladrões, os avarentos, os bêbados, os difamadores, os assaltantes. Aliás, criou também Satanás e os seus demônios.

Agora, que o homossexualismo [= os atos homossexuais] seja[m] querido[s] por Deus (e não abominado como a idolatria, o adultério, a difamação, o assalto, etc)... aí é uma outra história que não pode ser afirmada sem se jogar no lixo a Revelação e 2000 anos de teologia católica.


- Jorge

Rodolfo Viana disse...

Jorge,

constantemente temos questionamentos semelhantes aos seus, o que é bastante comum frente ao pouco dialogo que há sobre tema.
O próprio emprego do termo "homossexessualismo" já fora abandonado até mesmo pela Igreja.

Sua associação do homossexual ao desvio de caracter do ser tb já nao é mais utilizada.

De longe os que aqui estão e leem o blog assemelham-se ou sentem-se de acordo com a lista que vc citou.

Caso deseje seguir um dialogo, peço a leitura do texto disponível no campo "Nosso Testemunho" - http://diversidadecatolica.blogspot.com/p/gratuidade-e-incondicionalidade-do-amor.html

À Paz!

Cris Serra disse...

Queridos, não nos esqueçamos de que a Igreja caminha e se transforma ao longo da História. Depois do Primeiro Concílio do Vaticano veio o Segundo. E haverá outros.

O que não muda é o Evangelho, a "boa nova" de amor do Cristo, que nos revela que a maior de todas as leis é "Amar a Deus sobre todas as coisas" e a segunda, "Amar ao próximo como a si mesmo" - "Outro mandamento maior que estes não existe", nos diz Jesus (Mc 12, 28-34).

Por isso S. Paulo nos diz, na sua primeira epístola aos coríntios, que nossa ciência e profecia são imperfeitas e passarão, e devemo-nos deixar guiar pelo amor, a caridade. Estes não passarão. Aliás, toda a passagem de 1Cor 12,12-13,13 é muito elucidativa a respeito da questão dos julgamentos que fazemos do outro e do direito que NINGUÉM tem de excluir ninguém, "judeus ou gregos, escravos ou livres".

Um fraterno abraço! :-)

Equipe Diversidade Católica disse...

A propósito da questão do dogma, querido Jorge, é preciso aqui lembrar que o próprio Magistério já nos ensinou que só há um caso em que a vinculação entre doutrina e acolhimento é total: o Dogma.

O Dogma, ou pronunciamento “ex Cátedra”2 , é o grau máximo a que uma doutrina ou posição moral pode ser elevada, tornado-se definitiva na compreensão da Igreja.

A existência de um grau máximo e definitivo de adesão à doutrina indica que nem tudo tem a mesma obrigatoriedade e permanência.

Por exemplo, o caso da salvação. Já foi expresso como doutrina que os de fora da Igreja Católica não poderiam se salvar. Foi doutrina, mas não se mostrou definitiva. O Concílio Vaticano II3 gerou documentos que abrem a perspectiva da salvação para os que crêem em Cristo, mas não na comunhão da Igreja católica; para os que crêem em Deus, mas não no Cristo; e até para os que não crêem em Deus, mas vivem de acordo com os valores retos da sua consciência.

Outro aspecto a considerar é o fato do Magistério da Igreja não ocupar posição absoluta.

O Vaticano II reconhece que cada ser humano deve antepor qualquer dever ou lei à sua própria consciência. “A consciência é o núcleo mais secreto e o sacrário do homem, no qual se encontra a sós com Deus, cuja voz se faz ouvir na intimidade do seu ser”, diz o parágrafo 16 da Constituição Dogmática Gaudium et Spes , um documento deveras importante do Concílio – o próprio título “Constituição Dogmática” já mostra a importância do texto.

O documento citado indica que a mediação plena para a ação do homem é a sua consciência. Obedecer à consciência é o que se pode fazer de melhor para agradar a Deus.

Um caloroso abraço!

Unknown disse...

Deus não aprova a pratica Homossexual pelo contrario a abomina!(1 Coríntios 6:9-10)" S. Paulo esta falando com a igreja de corinto"
Deus ama o pecador mas não apoia a pratica do pecado! (joão 8:1-11)
Peço ao Espirito Santo de Deus te revele a Sua palavra!
Um Abraço e te amo em Cristo Jesus!

Marcelo

Equipe Diversidade Católica disse...

Queridos Marcelo e Milena,

As referências ao homoerotismo na Bíblia não dizem respeito à homossexualidade tal como a conhecemos na sociedade e cultura atuais. A homossexualidade, vivida como uma orientação sexual estável e não como atos homoeróticos isolados, é um fenômeno recente na civilização ocidental; a própria palavra "homossexual" foi cunhada apenas no século XIX.

Não podemos extrair ideias modernas de um livro antigo. Os autores da Bíblia não sabiam sobre homossexualidade mais do que sabiam sobre uma Terra esférica girando ao redor do sol. No máximo fizeram comentários sobre comportamentos sexuais homoeróticos em situações de luxúria e abuso, mas nada disseram - nem a favor, nem contra - o moderno conceito de orientação sexual. Se não aceitamos o que a Bíblia diz sobre a Terra ser plana e as mulheres serem meras incubadoras, por que tomá-la por uma autoridade em orientação sexual?

A Bíblia é um livro sagrado porque descreve a jornada humana junto a Deus, e não o contrário. Se acompanha a nossa jornada junto a Deus, deve acompanhar a evolução do nosso entendimento acerca da atuação do Sagrado neste mundo. A humanidade deixou de ver Deus como um juiz e legislador severo e aprendeu a ver Deus como pleno de graça, misericórdia e amor.

Você pode ler mais sobre isso em vários posts do nosso blog, especialmente este e no filme "Assim me diz a Bíblia".

Obrigado por ler o nosso blog. Um grande abraço!

Equipe Diversidade Católica disse...

Aliás, um comentário muito interessante sobre o entendimento literal do texto bíblico e a transposição para o mundo de hoje de conceitos do mundo antigo, da época em que os diferentes textos bíblicos foram escritos, pode ser encontrado no vídeo do post "Porque nada justifica a homofobia. Nem a Bília". Um abraço! :-)

Sueli Evangelista disse...
Este comentário foi removido por um administrador do blog.
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