A reflexão é de Raymond Gravel, sacerdote de Quebec, Canadá, publicada no sítio Culture et Foi, comentando as leituras do 3º Domingo de Advento (11 de dezembro de 2011). A tradução é de Susana Rocca, aqui reproduzida via IHU, com grifos nossos.
Eis o texto.
Referências bíblicas:
1ª leitura: Is 61,1-2.10-11
2ª leitura: 1Tes 5,16-24
Evangelho: Jo 1,6-8.19-28
1ª leitura: Is 61,1-2.10-11
2ª leitura: 1Tes 5,16-24
Evangelho: Jo 1,6-8.19-28
O terceiro domingo de Advento é o domingo da Alegria. Todas as leituras falam disso. Mas temos motivos para nos alegrar? Apesar dos caprichos e da precariedade de nossas vidas, nós cristãos temos a profunda convicção de que Cristo já está entre nós. É o João Batista, do evangelista João, quem nos repete: “Mas no meio de vocês existe alguém que vocês não conhecem” (Jo 1,26) [1].
Para o evangelista João, não há mais dúvida sobre o papel desempenhado por João Batista para a fé cristã, em relação ao papel de Jesus de Nazaré, que se tornou o Cristo e Senhor no momento da sua morte-ressurreição. É como se o conflito que existia no momento dos sinópticos entre os batistas e os cristãos tivesse terminado. Em Mateus, por exemplo, João Batista mandou perguntar a Jesus: “És tu aquele que há de vir, ou devemos esperar outro?” (Mt 11,3).
No Evangelho de João, esse tipo de dúvida é inconcebível. Não há mais rivalidade entre os seguidores de João Batista e os de Jesus. Aos sacerdotes e aos levitas de Jerusalém que perguntam a João Batista, “Quem é você?” (Jo 1,19), ele respondeu: “Eu não sou o Messias” (Jo 1,20). Eles continuaram: “Então, quem é você? Elias?” João disse: “Não sou”. Eles perguntaram: “Você é o Profeta (Moisés)?” Ele respondeu: “Não” (Jo 1,20).
Historicamente, é impossível que João Batista fosse capaz de fazer tais declarações sobre sua identidade e a de Jesus. Tudo é teológico e cristológico, de modo que podemos dizer com certeza que João Batista foi o primeiro cristão que não foi batizado. De fato, São João faz do Batista o modelo para todos os cristãos que, através do batismo, se tornam testemunhas de Cristo, profetas da Boa Nova da salvação e os servos da Palavra, do Verbo de Deus que é o Cristo da Páscoa: “Eu sou a voz que clama no deserto: Endireitai o caminho do Senhor, como disse o profeta Isaías” (Jo 1,23). Santo Agostinho dizia: “É difícil distinguir as palavras da voz, portanto, se tomou o João Batista pelo Cristo. Tomou-se a voz pela palavra, mas a voz se fez conhecer, a fim de não ser obstáculo à palavra...”.
No Evangelho de São João, à resposta de João Batista sobre a sua identidade, os fariseus responderam: “Então, por que é que você batiza, se não é o Messias, nem Elias, nem o Profeta?” (João 1,25). E é aí que João Batista se transforma em testemunha, em missionário, em servo da Palavra: Ele indica a luz que é o Cristo, ele empresta sua voz ao Verbo, à Palavra de Deus que é o Cristo e inicia seu serviço, embora reconhecendo sua superioridade: “Eu não mereço nem sequer desamarrar a correia das sandálias dele” (Jo 1,27). Desamarrar a correia das sandálias de seu mestre era a função do discípulo. Um pouco mais tarde no Evangelho de São João, João Batista diz: “É preciso que ele cresça e eu diminua” (Jo 3,30). O batismo de João Batista é um batismo de conversão que nos faz discípulos de Cristo. O batismo cristão é mais do que isso: pelo Espírito de Pentecostes, ele nos faz tornar o próprio Cristo, Cristos ressuscitados.
Não é à toa que neste terceiro domingo de Advento é chamado de Domingo da Alegria... Porque, quando entendemos bem o que acontece, como cristãos, isso nos faz necessariamente sentir alegria: a Alegria que é sempre, no evangelho, ligada à Páscoa, a Ressurreição, à Vida com “v” maiúsculo. Isso nos faz compreender o terceiro Isaías, na primeira leitura de hoje e o apóstolo Paulo, em sua primeira carta aos Tessalonicenses, temos na segunda leitura. Nós somos consagrados: “O Espírito do Senhor Javé está sobre mim, porque Javé me ungiu. Ele me enviou para dar a boa notícia aos pobres, para curar os corações feridos, para proclamar a libertação dos escravos e pôr em liberdade os prisioneiros” (Is 61,1). Somos convidados à Alegria, “Transbordo de alegria em Javé, e me regozijo com meu Deus, porque ele me vestiu com a salvação, cobriu-me com o manto da justiça, como o noivo que se enfeita com turbante, e a noiva que se adorna com joias” (Is 61,10). E São Paulo acrescenta: “Estejam sempre alegres” (1Tes 5,16).
Ao mesmo tempo, São Paulo nos interpela. Nós, os cristãos, temos a missão de libertar as pessoas, de aliviá-los, de cuidá-los, de lhes trazer esperança, “Não extingam o Espírito” (1Tes 5,19), “Não extingam o Espírito” (1Tes 5,20), “examinem tudo e fiquem com o que é bom” (1Tes 5:21). Assim, através de nós, Deus pode fazer germinar a sua justiça (Is 61,11). Essas recomendações são para todos os cristãos que trabalham pela Justiça, pela promoção e pela dignidade humana, no nascimento da esperança, no nascimento de Cristo... hoje... Os cristãos devem ser os verdadeiros profetas. Segundo Isaías, o verdadeiro profeta é aquele que restaura a Justiça de Deus em favor dos pobres, dos pequenos, dos excluídos e dos feridos pela vida. De acordo com São João, o verdadeiro profeta é também aquele que é o mensageiro, o porta-voz de Deus, um testemunho da Luz. Falando de João Batista, escreve o evangelista João: “Ele veio como testemunha, para dar testemunho da luz, a fim de que todos acreditassem por meio dele” (Jo 1,7).
Hoje, em nossa igreja, que tipo de profeta precisamos? Num mundo cada vez mais secularizado, o profeta de hoje ainda pode revelar a presença de Deus e anunciar seu Reino de Justiça e verdade? Creio que sim! Mas, antes de tudo, é preciso reconhecer que ninguém é dono da verdade e que o Espírito Santo trabalha através dos homens e das mulheres do nosso tempo, e não somente através da hierarquia da Igreja. O que choca e distancia a maioria dos crentes de hoje é a apropriação da verdade por parte de alguns dirigentes que desprezam a modernidade e que excluem todas aquelas e todos aqueles que buscam atualizar a mensagem do Evangelho às realidades e às situações de nosso tempo.
O profeta de hoje, que quer anunciar o Cristo Libertador, deve lutar não só contra o integrismo secular que lhe impede de falar, mas também contra o integrismo religioso, que se recusa a aceitar que ele seja o porta-voz ou mensageiro da palavra do Cristo ressuscitado, até o ponto de excluí-lo da Igreja. Se fizermos uma leitura fundamentalista dos textos bíblicos, corremos o risco de fazer dizer aos autores bíblicos o oposto do que eles queriam dizer, e fazemos da Palavra de Deus uma carga a levar, em vez de uma palavra que libera... É também a prova de que nós não compreendemos o que é a Palavra de Deus.
Em seu último livro: Meu Deus... por quê?, o abade Pierre, 93 anos, um grande profeta do nosso tempo, critica a Igreja Católica sobre questões de atualidade: a sexualidade, a igualdade homem/mulher, a homossexualidade, a homoparentalidade, o casamento dos sacerdotes, etc... Ele faz uma dura crítica dos crentes que leem a Bíblia de forma literal e materialista. Muitas vezes, esses são encorajados pelos dirigentes da Igreja que fazem o mesmo. No entanto, o Pierre cita um Padre da Igreja, Santo Agostinho, que denunciava em seu tempo, no 4º século, o abuso de uma leitura literal e histórica das narrativas do Gênesis, sobre Adão e Eva e o pecado original. Santo Agostinho escreveu: “Existe uma coisa muito vergonhosa, algo pernicioso e extremamente perigoso, quando um não fiel ouve um cristão que fala como de coisas ao falar das Escrituras, quando ele anuncia loucuras a tal ponto que o infiel tem dificuldade para não rir. E quando ouve dizer que isso é tirado das Santas Escrituras, como ele pode confiar nas Sagradas Escrituras com respeito à ressurreição dos mortos, à esperança da vida eterna e ao reino dos céus?”.
Em outras palavras, o que quer dizer Santo Agostinho, é que se eu disser que Adão e Eva foram o primeiro homem e a primeira mulher da humanidade, historicamente e materialmente falando, ou também que o mundo foi criado em seis dias com terra e água (a teoria criacionista do ex-presidente norte-americano Bush)... se eu digo coisas tolas, dessa forma, dizendo que se trata da Bíblia, isso faz rir os não crentes, a Bíblia perde a sua credibilidade e eu também. Depois disso, como tornar-se credível quando se fala de coisas mais importantes como a ressurreição, a esperança da salvação, e a vida eterna? Alguns anos atrás, por ocasião do Natal, o Papa João Paulo II disse que o menino Jesus nunca tinha desobedecido a sua mãe... É exatamente isso que Santo Agostinho denunciou na sua época.
Para encerrar, é preciso estar atento aos sinais dos tempos. O teólogo Metzger escreveu: “Os profetas ainda são necessários! Nós estamos apenas nos tempos intermédios: entre esse Dia de Deus, quando a morte foi vencida pela Ressurreição, e esse Dia de Deus, que ainda está por vir, em que se manifestarão o novo céu e a nova terra... O Espírito do Senhor está sobre nós, ele nos envia a proclamar o Evangelho com sua mensagem de Alegria, mas tem também as suas advertências, quando a salvação é posta à prova ou quando a felicidade é confiscada por uma minoria que se sente superior e dona da verdade a respeito de Deus e do mundo. O Espírito nos envia: endireitem o caminho do Senhor!”
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