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Continuação do post de 27/10/11...
Ao confundirmos crença e fé, e, assim, perdermos a sua distinção, caímos na armadilha da lei, em meio às coisas que podemos definir, regulamentos que podemos impor, fórmulas específicas de credos, que justificam nossa rejeição aos outros. Mais do que qualquer outra religião, o Cristianismo caiu nas tentações do poder que a uniformidade das crenças cria.
A ortodoxia de culto da crença, o aprendizado exatamente correto das palavras, rituais, externalidades e fórmulas trai o Deus vivente por outro falso que nós mesmos construímos. A diferença precisa ser compreendida à luz da fé, até mesmo nas tradições religiosas. Todas as religiões possuem suas diferenças internas, que levam o nome de diálogo intrarreligioso. Os judeus dizem que caso você tenha três rabinos discutindo um aspecto da lei, você terminará com quatro opiniões diferentes. Sunitas e xiitas, mahayanas e theravadas, católicos e protestantes, todos sustentam convicções diferentes, dentro da mesma tradição de fé.
A crença pode ser heroica. Você pode se recusar a negar suas convicções, e poderá ficar feliz em ser queimado na pira, ou despojado de posição e status, por elas. Muitos crentes se motivaram pelas histórias desses mártires heroicos, que preferiram entregar suas vidas a negar suas convicções. Não deveríamos depreciar o heroísmo da convicção em face da opressão e da perseguição. Necessitamos força e integridade para resistir à força violenta que nos obrigaria a negar nossos princípios e convicções. Todavia, o reino espiritual não gira em torno do heroísmo. A mentalidade heroica do guerreiro, ou do mártir, se rende a um outro tipo de autoconsciência, uma vez que experienciemos a Deus como amor, em lugar de doador de fama ou glória eterna. Aquiles é admirável, mas não é um santo. Thomas More é um herói da liberdade religiosa e da integridade pessoal, mais do que um professor dos mistérios. A fé é mais do que a crença mais heroica. Ela não é apenas uma convicção sustentada apaixonadamente, por mais leal e de autossacrifício que seja essa convicção. A fé é mais do que um conceito, e mais do que um signo do leal pertencer a um grupo específico.
Trata-se do relacionamento com aquilo que acreditamos; com aquilo que acreditamos porque o experienciamos, e com aquilo que experienciamos porque somos simplesmente projetados para isso, e por isso. A fé nos mergulha na ontologia e, interminavelmente, revela toda a extensão dos mistérios do ser.
- D. Laurence Freeman, OSB
Reproduzido via site da Comunidade Mundial de Meditação Cristã no Brasil, com grifos nossos
In Laurence Freeman, FIRST SIGHT: The Experience of Faith (London: Continuum, 2011) pg.14-15).
Tradução de Roldano Giuntoli Tweet
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