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Ontem foi dia de pedir paz e igualdade na Parada do Orgulho LGBT do Rio de Janeiro, cujo tema este ano deu título a este post. Aproveitamos a ocasião para reproduzir este belo artigo de Peter Fry, originalmente publicado no Estado de S. Paulo (ontem mesmo) - e lembramos também de dois artigos que publicamos semana passada sobre o tema da paz: um, sobre a prioridade que deve ter o compromisso das religiões com a paz (aqui), e outro, a propósito da celebração do Yom Kippur, sobre o paradoxo inerente aos fanatismos religiosos como geradores de atos de violência, injustiça e desamor, aqui. Boa leitura! :-)
Em junho, a parada gay encheu a Avenida Paulista com 4 milhões de pessoas, entre lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, travestis e muitos, mas muitos, simpatizantes. O lema foi "Amai-vos uns aos outros: basta de homofobia".
Pouco mais de três meses depois, na madrugada de 1º de outubro, o analista fiscal Marcos Paulo Villa, de 32 anos, e seu namorado há mais de quatro anos, um coordenador financeiro de 30 anos que preferiu não se identificar, foram brutalmente espancados ao sair de um bar na região da Avenida Paulista por dois homens que os xingaram de viados. Após ser socorrido, o casal registrou a ocorrência no 78º DP (Jardins). O crime foi registrado como lesão corporal consumada e comunicado à Delegacia de Crimes Raciais e Crimes de Intolerância (Decradi).
Há uma certa sugestão no ar de que essas agressões são novidade e estão aumentando em frequência e gravidade; os jornais noticiam que esse ataque foi o décimo caso de agressão contra homens gays na região da Paulista desde novembro de 2010. E o Relatório Anual de Assassinato de Homossexuais de 2010 do Grupo Gay de Bahia registrou 260 assassinatos de gays, travestis e lésbicas no Brasil em 2010, 62 a mais que em 2009 (198 mortes), um aumento de 113% nos últimos cinco anos (122 em 2007).
Mas estatísticas só podem ser interpretadas quando se sabe o que medem. No caso em questão, pode ser que meçam também a crescente disposição das vítimas de agressões desse tipo a se queixar na polícia e a nomear a homofobia como fator da violência. Se Marcos Paulo Villa não tivesse feito queixa (o namorado, por exemplo, não quis se identificar), talvez o caso não tivesse passado de mais uma briga na saída de um bar. Sem querer negar um aumento real, fica evidente que há, de fato, um aumento da visibilidade das agressões homofóbicas, que, sugiro, está relacionado à visibilidade positiva da homossexualidade promovida pelo movimento LGBTT, acatada cada vez mais por segmentos significativos da sociedade.
A estratégia dos movimentos LGBTT de incrementar as paradas gay - sempre abertas para cada vez mais "simpatizantes" - tem sensibilizado muita gente, inclusive a administração pública e a Justiça. O governo federal promoveu o projeto Brasil sem Homofobia. Vários juízes têm dado ganho de causa a casais do mesmo sexo em situações diversas (herança, adoção, pensão) ao longo dos últimos anos, e em maio deste ano o STF aprovou por unanimidade o reconhecimento da união estável para casais do mesmo sexo. Até o voraz Leão se sensibilizou. Quando preenchi o formulário do imposto de renda neste ano vi que poderia declarar um companheiro do mesmo sexo como dependente, se ele tivesse morado comigo por cinco anos ou mais.
Esse processo de normalização da homossexualidade (sobretudo quando se trata de relações ditas estáveis) tem feito com que Marcos Paulo Villa, entre outros, tenham tido mais confiança para se queixar à Justiça, assim tornando mais visível a violência homofóbica.
Mas a batalha está longe de ser vencida. Em 17 de maio, o juiz e pastor da Assembleia de Deus Jeronymo Pedro Villas Boas, de Goiânia, anulou o contrato de união estável celebrado pelo casal Liorcino Mendes e Odílio Torres num cartório da cidade. Também no em maio, depois de se reunir com deputados da chamada bancada religiosa, o governo suspendeu todos os livros e vídeos que estavam sendo editados pelos Ministérios da Saúde e da Educação sobre a questão da homofobia. Além disso, até hoje, o Congresso Nacional não votou a Lei da Homofobia. Tampouco votou a lei que disciplina a união civil entre pessoas do mesmo sexo, que jaz entre teias de aranha dos processos esquecidos desde que foi proposta por Marta Suplicy, em 1995.
Assim, a homofobia e a homofilia coexistem em constante tensão em toda a sociedade, de tal forma que nunca se sabe qual vai prevalecer em cada uma das situações que se apresentam. Até no concerto das nações o Brasil ocupa uma posição totalmente contraditória. Em 2009 O Rio de Janeiro foi eleito o melhor destino gay do mundo durante a 10ª Conferência Internacional de Turismo LGBT, concorrendo com Barcelona, Buenos Aires, Londres, Montreal e Sydney. Mas em termos de direitos civis o Brasil fica anos-luz atrás da sua vizinha Argentina e de seu antigo colonizador, Portugal, pois ambos legalizaram o casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Creio que esse alto grau de incerteza apenas contribui para a homofobia e a insegurança das pessoas LGBTT. Os ativistas apostam muito na Lei de Homofobia, que assemelharia a homofobia ao racismo, impondo punições draconianas para quem manifestasse sua homofobia, seguindo o princípio cada vez mais popular, parece, de que a solução para eliminar preconceitos seja incrementar cada vez mais as punições.
Eles também apostam em estender todos os direitos existentes em relação aos heterossexuais para os (as) que amam pessoas do mesmo sexo. Essa é uma demanda republicana apoiada por um movimento que, ao contrário de tantos outros, se tornou inclusivo, mobilizando milhões de cidadãos de todas as persuasões eróticas e afetivas, de todas as cores, idades e classes sociais.
- Peter Fry
Antropólogo e autor, com Edward MacRae, de "O que é homossexualidade" (Ed. Brasiliense)
Reproduzido via Conteúdo Livre Tweet
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