domingo, 27 de maio de 2012

Nós somos Cristo Ressuscitado!


O que vocês não têm a força de suportar, hoje, amanhã vocês conseguirão. O Espírito da verdade é um Espírito aberto. O Pentecostes é, então, a festa de todos os possíveis.

A reflexão a seguir é de Raymond Gravel, sacerdote de Quebec, Canadá, publicada no sítio Culture et Foi, comentando as leituras do Domingo de Pentecostes (27 de maio de 2012). A tradução é de Susana Rocca.

Eis o texto, aqui reproduzido via IHU.


Referências bíblicas:
1ª leitura: At 2,1-11
2ª leitura: Ga 5,16-25
Evangelho: Jo 15,26-27; 16,12-15

Hoje é a festa de Pentecostes: a festa do Espírito Santo, o Espírito de Cristo que nos é dado. Essa festa marca o fim do tempo de Jesus e o começo do tempo da Igreja. Com efeito, Pentecostes é a plenitude da Páscoa, o 50º dia (7x7) da Páscoa do Cristo vivo, cuja vida se manifesta doravante através dos seus discípulos que formam a Igreja. Como nós somos o Cristo Ressuscitado, o Pentecostes não é um fim, mas sim um começo... O que nos dizem os textos bíblicos de hoje referentes a esta festa?

1) Atos 2,1-11 – O relato de Pentecostes, composto por Lucas, no livro dos Atos dos Apóstolos, e que encontramos a cada ano, não é um relato histórico, no sentido material do termo. É um relato teológico que nos diz estar a Antiga Aliança totalmente cumprida e que, com o Pentecostes, o mistério da Páscoa se completou. Diz também que se trata, doravante, de uma recriação do mundo, de uma criação nova onde se encontra a harmonia, a unidade, a Lei nova.

1.1 A harmonia – No livro do Gênese, no Antigo Testamento, o autor do relato da torre de Babel (Gn 11,1-9) quer nos mostrar a divisão entre os humanos que falam línguas diferentes e que são incapazes de entender-se: “Vamos descer e confundir a língua deles, para que um não entenda a língua do outro” (Gn 11,7). A torre continua incompleta e os homens se dispersam: “Javé os espalhou daí por toda a superfície da terra, e eles pararam de construir a cidade“ (Gn 11,8). Para São Lucas, o Pentecostes é a harmonia reencontrada: “Quando ouviram o barulho, todos se reuniram e ficaram confusos, pois cada um ouvia, na sua própria língua, os discípulos falarem” (At 2,6). É, então, Babel em sentido inverso: “Como é que cada um de nós os ouve em sua própria língua materna?” (At 2,8).

1.2 A unidade – No relato dos Atos dos Apóstolos, doze nações são nomeadas para fazer referência às doze tribos de Israel da Antiga Aliança e para sublinhar a universalidade da missão cristã. Além disso, apesar da diversidade das nações, a unidade está finalmente garantida: “partos, medos e elamitas; gente da Mesopotâmia, da Judeia e da Capadócia, do Ponto e da Ásia, da Frígia e da Panfília, do Egito e da região da Líbia vizinha de Cirene; alguns de nós vieram de Roma, outros são judeus ou pagãos convertidos; também há cretenses e árabes. E cada um de nós em sua própria língua os ouve anunciar as maravilhas de Deus!” (At 2,9-11). O dom do Espírito de Cristo, o Espírito Santo, restabelece completamente a unidade da linguagem na pluralidade de línguas. Isso significa que a unidade só é possível na aceitação da diversidade.

1.3 Lei nova – Por outra alusão à Antiga Aliança, São Lucas quer mostrar que o Pentecostes nos faz passar da Lei de Moisés a uma Lei nova. Para fazer isso, ele evoca a grandiosa manifestação de Deus no monte Sinai, para concluir a primeira Aliança. Segundo as explicações rabínicas, as chamas de fogo tinham gravado os dez mandamentos sobre tábuas de pedra. Aqui as línguas de fogo se pousam sobre cada um dos membros da assembleia: “Apareceram então umas como línguas de fogo, que se espalharam e foram pousar sobre cada um deles” (At 2,3). Então, a Lei nova não está mais inscrita sobre tábuas de pedra, mas sim no coração dos discípulos. Será que não é o que o profeta Ezequiel tinha já anunciado: “Darei para vocês um coração novo, e colocarei um espírito novo dentro de vocês. Tirarei de vocês o coração de pedra, e lhes darei um coração de carne” (Ez 36,26). Podemos, então, compreender aqui que a Lei nova é aquela do Amor e que o Amor pode se exprimir em todas as línguas, já que ele é universal e ele permite a unidade.

2) Ga 5,16-25 – Bem no princípio da carta, São Paulo explica aos Gálatas que eles não devem seguir a Lei judaica para serem autênticos crentes. Sim, o crente está livre de toda lei. Por outra parte, São Paulo se inquieta: “Irmãos, vocês foram chamados para serem livres. Que essa liberdade, porém, não se torne desculpa para vocês viverem satisfazendo os instintos egoístas. Pelo contrário, disponham-se a serviço uns dos outros através do amor” (Gal 5,13). Um cristão deve viver sob a guia do Espírito: “Mas, se forem conduzidos pelo Espírito, vocês não estarão mais submetidos à Lei” (Gal 5,18).

A fé cristã finca uma luta entre a Lei de Moisés inscrita em tábuas de pedra e a Lei do Espírito inscrita no coração dos crentes. Não nos equivoquemos: é o Espírito que nos faz viver, não pelas regras... e é muito mais exigente. Pois, além das permissões e das proibições, o Espírito nos impulsiona a sair de nós mesmos para ir até os outros: “Pois toda a Lei encontra a sua plenitude num só mandamento: ‘Ame o seu próximo como a si mesmo’” (Ga 5,14). A única maneira de saber se nós somos do Espírito de Cristo é pelos frutos que damos: “Mas o fruto do Espírito é amor, alegria, paz, paciência, bondade, benevolência, fé, mansidão e domínio de si. Contra essas coisas não existe lei” (Ga 5,22-23).

3) Jo 15,26-27; 16,12-15 – Dois extratos que compõem o evangelho desse domingo, dois extratos que são emprestados do discurso de despedida de Jesus, na noite da Quinta-Feira Santa. Trata-se, de fato, do testamento espiritual de Cristo composto pela Igreja do fim do século I, à luz da sua fé pascal. Nesse primeiro extrato (Jo 15,26-27), o Espírito está presente como o defensor, o Paráclito, o advogado: “O Advogado, que eu mandarei para vocês de junto do Pai, é o Espírito da Verdade que procede do Pai. Quando ele vier, dará testemunho de mim” (Jo 15,26). “Vocês também darão testemunho de mim, porque vocês estão comigo desde o começo” (Jo 15, 27).

A linguagem utilizada por São João é aquela de um processo. Segundo o exegeta francês Jean Debruynne, a narrativa nos leva ao processo de Jesus, onde testemunhar significa reconhecer aquele por quem nós testemunhamos. Não reconhecê-lo seria negá-lo, condená-lo e levá-lo à morte. Neste contexto, o Espírito Santo é o advogado da defesa. Para um cristão, reconhecer Cristo é reconhecê-lo nos outros, naqueles e naquelas através dos quais Cristo se identifica: os pobres, os pequenos, os necessitados, os mal amados, os excluídos... Então, o testemunho consiste em acolhê-los, como a Cristo mesmo. Assim, os cristãos, os discípulos de Cristo se tornam, por sua vez, as testemunhas da Páscoa, e o Espírito, seu advogado da defesa, lhes faz descobrir a verdade completa.

No segundo extrato desse domingo (Jo 16,12-15), São João nos diz que a verdade sobre Cristo se faz progressivamente na história da Igreja: “Ainda tenho muitas coisas para dizer, mas agora vocês não seriam capazes de suportar” (Jo 16,12). Isso quer dizer que a revelação de Deus pode muito bem ser completada... não foi tudo dito sobre Deus: “Quando vier o Espírito da Verdade, ele encaminhará vocês para toda a verdade” (Jo 16,13). Isso é excessivamente importante, porque não é totalmente assim que funcionamos atualmente na Igreja. Atuamos frequentemente como se tudo já tivesse sido dito e não houvesse mais nada para dizer; só repetir o passado. O papel do Espírito que nos habita é de nos encaminhar progressivamente à verdade completa sobre o Cristo sempre vivo através dos seus discípulos. Isso não quer dizer que o Espírito Santo vai trazer uma nova revelação; ele retomará o que já ouviu, “porque o Espírito não falará em seu próprio nome, mas dirá o que escutou e anunciará para vocês as coisas que vão acontecer” (Jo 16,13).

Então, o Espírito Santo, em cada geração nos esclarece sobre a maneira de compreender o evento da Páscoa, em situações sempre novas e sempre imprevistas. Senão, seria o caso de parar de dizer que Cristo está sempre vivo, se rejeitarmos reconhecê-lo nas realidades novas que pertencem a cada geração da história. Jean Debruynne dizia: “Com Cristo Ressuscitado tudo é possível. A verdade não é algo que temos ou que não temos. A verdade é uma vida. É uma conquista. É uma longa caminhada. Não somos nós que fazemos a verdade, é a verdade que nos faz. A verdade não está nos livros, mas nos corações. É o Espírito da verdade que vem até nós. É ele que nos guia à verdade. Cristo abre o futuro, ele abre a porta, ele abre o possível, ele abre a paciência. O que vocês não têm a força de suportar, hoje, amanhã vocês conseguirão. É aberto. O Espírito da verdade é um Espírito aberto. O Pentecostes é, então, a festa de todos os possíveis”.

Para concluir, se é verdadeiro que a verdade não se adquire de uma vez para sempre, e que ela se descobre na história, nos eventos imprevistos e nas realidades novas que a compõem, isso quer dizer que a verdade não pode ser um dogma; ela é muito mais um caminho a descobrir e a percorrer. Nesta festa de Pentecostes de 2012, deixemos que o Espírito de Cristo sopre onde ele quiser e quando ele quiser. A Igreja que nós somos tem verdadeiramente necessidade de um vento novo!

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