domingo, 29 de abril de 2012

A vocação: um chamado à dignidade


O desejo de Jesus de entrar em comunhão com as suas ovelhas tem um alcance universal. Seu amor cuidadoso de pastor se estende a todos os homens, sem distinção de raça, de nação, nem mesmo de religião.

A reflexão a seguir é de Raymond Gravel, sacerdote de Quebec, Canadá, publicada no sítio Culture et Foi, comentando as leituras do 4º Domingo de Páscoa (29 de abril de 2012). A tradução é de Susana Rocca.

Eis o texto, aqui reproduzido via IHU.


Referências bíblicas:
2ª leitura: 1 Jn 3,1-2
Evangelho: Jo 10,11-18

O 4º Domingo de Páscoa é, em cada um dos três anos litúrgicos, o domingo do Bom Pastor, do Belo Pastor, o domingo das vocações e, neste ano, nós lembramos a festa dos trabalhadores. A cada ano, neste domingo do Bom Pastor, nós temos um extrato de João 10 que nos apresenta, imediatamente após o narrativa do cego de nascimento (Jo 9), um ensinamento sobre o vínculo estreito que existe entre o pastor e as suas ovelhas, Cristo e nós, os seres humanos. Mas, atenção! A imagem do Bom Pastor não é uma pessoa doce, ingênua. É bem o contrário: o Bom Pastor é aquele que acompanha as suas ovelhas, que não teme o perigo que, às vezes, as ameaça e que dá a sua vida por elas. Além disso, as ovelhas são valorizadas pelo evangelista: elas não são todas iguais; elas são únicas e todas elas têm a sua dignidade, de maneira que o Belo Pastor está pronto para se sacrificar e procurar àquela que se perdeu.

Para entender melhor a Palavra de hoje e para fazer que ela se torne Palavra de Deus, precisamos nos abstrair da imagem negativa que nós temos do rebanho e das ovelhas, por causa de alguns comportamentos não muito evangélicos de certos dirigentes de Igreja que foram e que são ainda mais mercenários que os pastores de ovelhas. Foi o que deu aquele famoso paradoxo, comparando os fiéis simples na Igreja às ovelhas da Candelária, que em outros tempos o Papa abençoava no dia 2 de fevereiro e cuja lã servia para a fabricação do pálio que levam os bispos: “As abençoamos e as tosquiamos”. Porém, a imagem do pastor e o seu rebanho é ainda mais interessante para nós hoje; ela emerge das mensagens importantes que valorizam não somente os pastores, mas também as ovelhas das quais eles cuidam.

1. O Amor tem um nome: Bom Pastor ou Belo Pastor. No evangelho de hoje apresentando-se como o Bom, o Belo Pastor, o Cristo do evangelho de João dá um nome ao Amor: a doação da sua vida. Com efeito, há um vínculo estreito entre vocação e vida: ser chamado é doar a sua vida e dar a vida. É o que Jesus fez por nós e é o que nós devemos fazer pelas outras pessoas. Não é precisamente o sentido mesmo do mandamento do Amor?: “Assim como eu amei vocês, vocês devem se amar uns aos outros” (Jo 13,34; 15,12). E como não há nada maior que aquele que dá a vida pelos que ele ama (Jo 15,13), não há nada mais belo que “dar a vida por suas ovelhas” (Jo 10,11), daí o título de Belo Pastor dado ao Cristo da Páscoa.

É a essa vocação que todos e todas nós somos chamados/as hoje, como cristãos, como discípulos de Cristo: “Se vocês tiverem amor uns para com os outros, todos reconhecerão que vocês são meus discípulos” (Jo 13,35). A vocação não está reservada aos ministros ordenados; ela se dirige a todo o mundo... Nós somos todos e todas convidados/as a sermos bom pastor, belo pastor para os outros, no seguimento de Cristo. O teólogo Henri Denis dizia: “Não se termina nunca. Podemos dizer e redizer: o domingo das vocações continuará a ser ainda neste ano a vocação dos padres, dos religiosos e das religiosas. Esperemos que essa palavra seja finalmente também dada para todos os cristãos, para todos os cristãos da terra”. E mais ainda! Henri Denis acrescentava: “Há tantas vocações quanto seres humanos sobre o planeta, pois Deus chama sempre, a todos e a cada um. Por que excluir dessa vocação aqueles que responderam de maneiras tão diversas: Sócrates, Buda, Maomé, Confúcio, até os livres pensadores mortos pela liberdade de suas consciências?” Não é por nada que o evangelho diz precisamente: “Tenho também outras ovelhas (diz Jesus), que não são deste curral. Também a elas eu devo conduzir; elas ouvirão a minha voz, e haverá um só rebanho e um só pastor” (Jo 10,16).

2. O pastor mercenário: Quem é ele? A narrativa da parábola do Bom Pastor que é proposta a nós, hoje, denuncia uma atitude que encontramos, infelizmente, ainda bastante na nossa Igreja: a atitude dos fariseus que, no capítulo anterior, eles excomungam o cego de nascença; eles o perseguem, o julgam, o rejeitam, o condenam e o excluem porque ele recobrou a vista pelo seu encontro com o Ressuscitado. Como o evangelho de João foi escrito perto dos 70 anos após a morte de Jesus, esses fariseus são, sem dúvida, os dirigentes da Igreja do fim do século primeiro, que se instalaram bem nos seus lugares de poder e que o exercem de maneira autoritária e cruel sobre aqueles e aquelas que escapam do seu poder porque acreditam realmente no Cristo da Páscoa. Essas ovelhas ficam abandonadas a elas mesmas; o que é contrário ao evangelho. Cristo, o Bom Pastor, levanta, cura, alimenta e reúne todas as ovelhas de todos os rebanhos para que não haja mais do que “um só rebanho e um só pastor” (Jo 10,16).

Mas, o que acontece com os nossos pastores hoje? Com o pretexto de salvaguardar a unidade da Igreja e a pureza da doutrina, eles não deixam de dividir, de condenar e de excluir as ovelhas que saem do redil, mas que continuam a ouvir e a escutar a voz do Cristo do evangelho. O teólogo francês Michel Hubaut escreve: “Na Igreja, o Bom Pastor tem uma missão universal. A Igreja de Cristo não está mais ligada a um espaço cultural fechado ou a uma estrutura, mas a uma Presença, aquela do Bom Pastor glorificado que mantém, sozinho, a unidade do rebanho. Nos nossos esforços de unidade, não deveríamos esquecer jamais que o objetivo não é o curral de uma ou outra confissão cristã, mas a escuta da Voz do único Pastor que chama a cada pessoa pelo seu nome”. Fica a nós de garantir a presença do Ressuscitado emprestando-lhe a nossa voz para dizer a todas as ovelhas de todos os apriscos que elas são únicas e amadas incondicionalmente pelo Cristo da Páscoa.

3. A unidade no Amor: um só rebanho, um só Pastor. O que une o Cristo a Deus seu Pai é o Amor: “O Pai me ama, porque eu dou a minha vida para retomá-la de novo” (Jo 10,17). E, na segunda leitura de hoje, o autor da primeira carta de São João acrescenta: “Vejam que prova de amor o Pai nos deu: sermos chamados filhos de Deus. E nós de fato o somos” (1 Jo 3,1). E o amor que nos une a Deus e que nos torna seus filhos nos faz semelhantes a Cristo Ressuscitado: “Amados, desde agora já somos filhos de Deus, embora ainda não se tenha tornado claro oque vamos ser. Sabemos que, quando Jesus se manifestar, seremos semelhantes a ele, porque nós o veremos como ele é” (1 Jo 3,2).

Não se trata, então, de sermos todos iguais, como as ovelhas, uniformes e submissos aos dirigentes de nossa Igreja. Não estamos chamados à uniformidade, mas sim a unidade. Michel Hubaut escreve: “A Igreja não é um rebanho gregário, mas uma comum-união com o Bom Pastor para quem cada crente é uma ovelha única que ele chama pelo seu nome... O desejo de Jesus de entrar em comunhão com as suas ovelhas tem um alcance universal. Seu amor cuidadoso de pastor se estende a todos os homens, sem distinção de raça, de nação, nem mesmo de religião. Portanto, há ovelhas prestes a escutar a sua voz e a segui-lo. Ele quer levar cada um à vida eterna. O único aprisco que não exclui ninguém não é um lugar mas uma vida, a vida do Pai”.

Concluindo, nós somos então todos e todas chamados/as a nos tornarmos bons pastores à imagem do Bom Pastor, o Cristo Ressuscitado. Não esqueçamos sobre tudo que nós somos ovelhas e que aquelas que nós encontramos pertencem a Cristo, o único verdadeiro Pastor. Quanto ao papel do Papa, dos bispos e dos padres na Igreja Católica, eles têm um papel de servidores e eles devem exercê-lo com todas as ovelhas que pertencem a Cristo. Santo Agostinho, no século IV, escrevia: “Jesus diz a Pedro: Apascenta as minhas ovelhas, e não as tuas ovelhas: apascenta-as como minhas e não tuas”. E ele acrescentava: “Para vocês eu sou o bispo, e esse é o nome de um cargo, mas com vocês eu sou cristão, e esse é o nome de uma graça”.

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