quarta-feira, 29 de junho de 2011

"Católico e homossexual, quero viver a minha fé e a minha diferença"


Para viver bem e verdadeiramente em andamento, Jean-Michel Dunand escolheu escrever e contar o seu itinerário, que resultou no livro De la honte à la lumière. (Presses de la Renaissance). Atualmente, animador de pastoral em um grande liceu católico de Montpellier, passou “da vergonha à luz”...

A entrevista é de Elisabeth Marshall e está publicada no sítio da revista francesa La Vie, 31-05-2011. A tradução é do Cepat, aqui reproduzida via IHU com grifos nossos.

Eis a entrevista.


Desde muito cedo você sentiu que não era “semelhante aos outros”. Quando e como você descobriu sua homossexualidade?

Desde quando possa me lembrar eu era sensível ao corpo dos homens. Quando eu tinha seis anos, indo com meus pais para a festa popular, eu descobri que a beleza dos corpos masculinos me fascinava. Eu realmente não entendia e pensava que era o único no mundo a fazer esta experiência. Na minha pequena cidade de Albertville, na Sabóia, eu não tinha nenhum modelo homossexual com quem me identificar. Em almoços de família, às vezes se fazia menção a um primo, com mais de dez anos, exilado em outra cidade e que, segundo eles, tinha “costumes estranhos”, mas eu não sabia que ele e eu compartilhávamos talvez a mesma experiência.

Não se escolhe, você escreve, ser homossexual, assim como não se escolhe ser heterossexual. Isso não está no domínio da liberdade?

Levei um tempo para perceber que eu não tinha feito uma escolha, que eu não podia mudar. Minha homossexualidade se impôs a mim da mesma maneira que a minha estatura ou o meu porte físico. Eu nunca fui afeminado, refinado, mas quando eu jogava, era natural que eu exibisse os trejeitos de uma garota. Atraído pela vida religiosa, eu me imaginava como carmelita seguindo os passos de Teresa. Eu pensava: "Se fosse uma mulher, entraria na ordem." Não estou dizendo que a homossexualidade é inata, mas que ela se inscreve na singularidade de uma história. No entanto, nas mentes e nas igrejas, ainda perdura a ideia de que se pode mudar, de que é uma questão de vontade... Mas quem se exporia voluntariamente à diferença?

É com a escola, como adolescente, que o olhar dos outros começou a pesar.

Eu não disse nada, mas os outros meninos perceberam porque eu não gostava de esportes, futebol, jogos violentos. Eu sempre escondi, com medo de ser descoberto. Mais tarde, muitas vezes pensei que, se nos reconhecemos entre homossexuais é porque podemos ler no olhar do outro esta fadiga de perpetuamente ter que esconder quem se é. E depois houve aquele dia, na quinta, quando cheguei atrasado, eu tive que passar diante de toda a fila e enfrentar os insultos, “bicha”, “marica”... Eu fiz a experiência da vergonha, aquela que joga você vivo em um túmulo.

E depois, outro apelo, o da vida religiosa...

Sim, aos 8-9 anos, eu fui como que tomado por Cristo, eu chorei na Paixão de Jesus, lendo uma vida de santo oferecida por uma catequista. Mais tarde, aos 14 anos, sozinho na Abadia de Tamié, eu experimentei uma presença de amor, uma profunda paz. Eu guardei secretamente este encontro no meu coração e, ao mesmo tempo, eu me construí um personagem, aquele do perfeito cristão, futuro sacerdote que servia a missa, tinha a confiança do padre e ostentava uma grande cruz de madeira bem visível. Era mais fácil ser o aprendiz de santo do que o pequeno homem. Eu preferia que rissem da minha fé do que da minha homossexualidade. Eu levantei, com a religião, uma muralha ao redor de mim para me proteger do olhar dos outros e, principalmente, de mim mesmo, das minhas próprias divagações...

Estas são as páginas mais terríveis de seu livro. Você conta como, aos 14 anos, em Lourdes, você aceita as carícias de um estranho. A sexualidade sem o amor, você diz...

Naquele dia, o chão se abriu sob os meus pés. Senti-me indecente, mas também descobri que fui atraído. Entre 18 e 25 anos, eu vivi um verdadeiro aquartelamento, uma vida dupla, eu era o Dr. Jekyll e o Sr. Hyde. De um lado, no convento das carmelitas, nos grupos de oração e de evangelização, depois no seminário durante alguns anos, eu me apresentava como um modelo de fé, vestido de branco com um manto preto, sandálias nos pés... Do outro, eu me encontrava com homens às escondidas. Recusei-me a me instalar em qualquer relacionamento. Eu pensava que era menos grave, que era a minha única fragilidade e que à base de oração, de confissão, de vida sacramental, eu sairia dessa situação. As poucas vezes que eu me confessei, me falaram de “desvio”. Que me curaria pela oração de libertação. Nesse período, só Cristo não me abandonou.

O que você queria ouvir neste momento?

Olhando para trás, aos 46 anos, eu gostaria de ter sido compreendido em profundidade. Que me levasse de volta à realidade para não mais fugir, mas descobrir a minha humanidade mais profunda, minha afetividade, minha sexualidade, em vez de enterrar tudo sob uma pseudo-espiritualidade. Após ter ouvido muito, constato que não é incomum que as pessoas homossexuais comecem suas relações em ambientes sórdidos. Talvez porque seja proibido viver o amor e a ternura à luz do dia.

O que ajudou você?

Tentaram me curar, me exorcizar de qualquer maneira, queriam me internar para fazer uma sessão de regressão. Eu estava ficando cada vez pior, pensei em suicídio. E eu disse para mim mesmo "basta!". Foi a amizade que me ajudou. A de Patrick, um amigo que me abriu um outro caminho. Comecei a trabalhar como agente de um hospital que me permitiu retomar uma vida normal, uma apreciação adequada de mim mesmo e viver mais verdadeiramente a minha homossexualidade. Eu também encontrei o amor e agora vivo uma relação estável que já dura 20 anos. Finalmente, as pessoas confiam em mim. Sou animador de pastoral em uma escola católica há quase 16 anos graças à confiança que tive, com todo o conhecimento de causa, de um diretor de escola.

O que você está pedindo à Igreja hoje?

Eu não reivindico nada, exceto o direito de viver sem ser amputado de uma parte perdida de mim mesmo. Como católico, eu quero poder viver a minha fé e o desenvolvimento da minha sexualidade e da minha ternura partilhadas com alguém do mesmo sexo. Eu não sou um ativista que lança a bandeira da causa gay. Mas eu não posso aderir a estas certezas segundo as quais "a homossexualidade é contra a natureza e fora do plano de Deus". Isto leva a um impasse. Se eu reivindico algo é uma mudança e uma humildade do olhar. Com as pessoas “homossensíveis” – prefiro falar assim, pois não nos reduz à sexualidade – estamos muitas vezes diante de percursos fraturados, de vidas acidentadas. Mas também de verdadeiras sensibilidades em relação à beleza, à arte, à espiritualidade. Veja o número de homossexuais entre os grandes artistas, designers de moda... Estes são, em todos os casos, vidas singulares que não se pode julgar sem conhecer, nem vasculhar sua intimidade. Diante da mulher adúltera do Evangelho, o que Jesus faz? Ele não a questiona, mas afasta os olhos, inclinando-se ao chão para escrever; ele afasta também os acusadores, pois todos vão se retirando na medida em que ele os faz perceber seu próprio pecado. Não encerremos as pessoas em nossas normas e em nossos olhares inflexíveis.

Você criou, em 2000, em conjunto com mosteiros, a Comunhão Betânia, a serviço de pessoas homossensíveis e transgêneros.

Sim, é uma comunhão contemplativa. Nós nos encontramos duas vezes por ano para um retiro num mosteiro, às vezes na Abadia de Tamié. Mas nós estamos, diariamente, em união de oração através de um pequeno ofício composto de salmos, das bem-aventuranças e de uma oração de intercessão, como uma ponte entre nós. Além do círculo de amigos engajados, há amigos que rezam todas as quintas-feiras em nossa intenção, pais de filhos homossexuais, contemplativos como o carmelo de Mazille, inclusive bispos que se juntam a nós nesta fraternidade espiritual. Nosso objetivo é mudar os olhares, propor também gestos simbólicos como, por exemplo, durante eventos do orgulho gay, propondo uma oração nas igrejas para erguer espiritualmente o caminho das pessoas homossensíveis. Eu acredito que a evolução dos cristãos em relação aos homossexuais se fará pela oração. A militância assusta, os monges não! Ao convidar para a oração, nós convidamos pacificamente a acolher este olhar de Cristo que desloca. A Igreja precisa, em relação a essa questão, de uma cura de silêncio. Eu não peço que reconheça a homossexualidade no mesmo nível da heterossexualidade, mas que olhe as pessoas e proporcione instâncias de encontro e de escuta.

Que mensagem gostaria de deixar aos cristãos?

Antes de arriscar uma palavra, ter tempo para ouvir as pessoas homossexuais. Antes de discutir sobre ideias, conhecer vidas. Foi poder falar e ser ouvido que, pessoalmente, me salvou. No meu trabalho eu sou discreto sobre a minha vida pessoal, mas eu sei que eu tenho a confiança do meu bispo, do meu diretor diocesano, do meu diretor da escola, eu sou franco com eles. Foi Freud quem disse: “Quando alguém fala, é dia!” É talvez justamente por que faça dia que eu escrevi e publiquei este livro.

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