sexta-feira, 1 de julho de 2011

Para um cristão, o estilo é a mensagem


"A fé não é questão de números, mas de convicção profunda e de grandeza de ânimo, de capacidade de não ter medo do outro, do diverso, mas de sabê-lo escutar com doçura, discernimento e respeito. Do testemunho cotidiano dos cristãos no mundo depende a recepção do Evangelho como boa ou má comunicação, e portanto, boa ou má notícia."

Essa é a opinião de Enzo Bianchi, teólogo italiano e prior do Mosteiro de Bose, em artigo para o jornal La Stampa, 21-06-2009. A tradução é e Benno Dischinger.

Eis o texto, reproduzido via IHU com grifos nossos.


Conjugar a exigência do Evangelho com a realidade na qual é dado viver sempre foi a preocupação e o desafio de toda geração de cristãos, chamados – para usar as próprias palavras de Jesus – a “estar no mundo mas não ser do mundo”. O tema escolhido pela Convenção nacional (...) das Caritas diocesanas (isto é, dos organismos que se encarregam de testemunhar no cotidiano e em seu território a atenção da Igreja pelos “últimos”, dando corpo a um modo de viver a fé cristã que é imediatamente perceptível e legível também numa sociedade secularizada como a ocidental e mesmo por aquele que não compartilha daquela fé) indica muito bem a consciência da comunidade cristã: “Não vos conformeis com este mundo. Por um discernimento comunitário”. A primeira afirmação é uma admoestação de São Paulo aos cristãos de Roma no primeiro século depois de Cristo, exortação que é atualizada com um apelo à importância de operar um discernimento sobre o pensar, sobre o agir e sobre a necessidade que esta reflexão seja “comunitária”, isto é, fruto e também semente de uma comunidade viva e vital.

Esta concepção indica bem o difícil equilíbrio da presença cristã na sociedade: nenhuma “fuga do mundo”, nenhum enclausuramento numa cidadela de “puros”, mas também nenhuma concessão a uma mentalidade mundana que considera descontados ou privados de validade ética comportamentos lesivos da dignidade humana. Já o Antigo Testamento admoestava, de resto, a “não seguir a maioria para praticar o mal?” (Ex 23, 2). Na vivência cotidiana há escolhas que a fé cristã impõe e inspira, certamente deixando aos pastores da Igreja, às figuras representativas institucionais a tarefa de agir no terreno profético, pré-político, pré-econômico, pré-jurídico, mas assinalando aos fiéis, aos leigos cristãos o encargo de uma realização de tais instâncias sob sua responsabilidade mediada pela sua consciência. Parece-me que estes comportamentos capazes de mostrar a diferença cristã possam ser reassumidos em algumas opções de fundo.

O “mandamento novo”, isto é, último e definitivo, deixado por Jesus aos seus discípulos é: “Amai-vos como eu vos amei” (Jo 13,34), amai-vos até despender a vida pelos outros, até doá-la pelos irmãos. Ora, este mandamento que narra a especificidade do cristianismo requer que o cristão não ame somente o próximo, não ame somente os seus familiares, mas ame todos os outros que encontra, e entre estes privilegie os últimos, os sofredores, os necessitados. Ao observar este mandamento, o cristão não pode, pois, pensar na forma política a dar à igualdade, à solidariedade, à justiça social. Se não houvesse também uma epifania política do amor pelo último, da atenção ao necessitado, faltaria à polis algo decisivo nas relações sociais e teria certamente evadido uma grave responsabilidade cristã. Não esqueçamos que, segundo as palavras de Jesus, o juízo para a vida ou para a morte será feito precisamente sobre a relação que houve na vida e na história, aqui e agora, com o homem em necessidade, faminto, sedento, estrangeiro, nu, doente, prisioneiro.

À mesma evangelização da Igreja pertence também a tarefa de indicar o ser humano e sua dignidade como critério primário e essencial à humanização, a um caminho de autêntica plenitude de vida. Isto requer que os cristãos saibam, acima de tudo, dar um testemunho com sua vida, mas saibam também tornar eloqüentes as suas convicções sobre as exigências de respeito, salvaguarda, defesa da vida humana. Diante da guerra que, não obstante as experiências vividas, continua atraindo os poderes políticos e os seres humanos, os cristãos devem saber manifestar sua contrariedade e sua condenação, na convicção de que não pode existir uma guerra justa, como profeticamente indicou o magistério de João XXIII, retomado por João Paulo II por ocasião da segunda Guerra do Golfo.

Os cristãos devem saber manifestar de modo eloqüente sua opção em favor do respeito da vida dos povos e das pessoas, ameaçados também por possíveis catástrofes ecológicas. Devem promover o respeito da vida de cada ser humano individual que, por certo, nasce de um homem e de uma mulher, mas, na visão de fé é sobretudo querido, pensado, amado por Deus que o chama à vida; o respeito de cada homem e cada mulher, dos quais tem sentido não só a vida, mas também o sofrimento até a morte. São necessárias hoje, da parte dos crentes, a criatividade, a fadiga de investigar e de pensar, a capacidade de expressar-se em termos que sejam compreensíveis também pelos não cristãos, termos antropológicos, portanto, e não teológicos ou dogmáticos.

Esta ação na polis – não me cansarei de repeti-lo – não deve nunca prescindir do estilo de comunicação e de práxis: também esta é uma instância fundamental, porque o estilo tem sido importante quanto ao conteúdo da mensagem, principalmente para não cristãos. Sim, o estilo com o qual o cristão está na companhia dos homens é determinante: dele depende a própria fé, porque não se pode anunciar um Jesus que narra Deus na mansidão, na humildade, na misericórdia, e o faz com estilo arrogante, com tons fortes ou até mesmo com atitudes que pertencem à militância mundana! E, precisamente para salvaguardar o estilo cristão é preciso resistir à tentação de exibir-se, de fazer-se falar, de mostrar os músculos... A fé não é questão de números, mas de convicção profunda e de grandeza de ânimo, de capacidade de não ter medo do outro, do diverso, mas de sabê-lo escutar com doçura, discernimento e respeito. Do testemunho cotidiano dos cristãos no mundo depende a recepção do Evangelho como boa ou má comunicação, e portanto, boa ou má notícia.

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