terça-feira, 29 de maio de 2012

Hospitalidade: um dom para o outro e para si mesmo


Praticar a hospitalidade traz consigo um dom inesperado: descobrimos que, dando espaço ao outro na nossa casa e no nosso coração, a sua presença não nos subtrai espaço vital, mas amplia os nossos ambientes e os nossos horizontes, assim como a sua partida não deixa um vazio, mas dilata o nosso coração até permitir-lhe abraçar o mundo inteiro.

A reflexão é do monge e teólogo italiano Enzo Bianchi, prior e fundador da Comunidade de Bose, em artigo publicado no jornal La Stampa, 25-05-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto, reproduzido via IHU.


"Não esqueçais a hospitalidade: alguns, praticando-a, acolheram anjos sem sabê-lo". Essa exortação da Epístola aos Hebreus nos lembra que a acolhida autêntica cria um diálogo fecundo de mudanças e de enriquecimentos para o hóspede, assim como o anfitrião: do diálogo, não saímos como havíamos entrado, e o desafio do diálogo requer a disponibilidade para empreender esse caminho.

No diálogo, surgem visões inéditas do outro, ganha espaço o fim do preconceito, a descoberta do que se tem em comum e também o que falta a cada um dos interlocutores. Ali ocorre a contaminação, o deslocamento das fronteiras: aquele outro que eu situava em uma dimensão remota se revela muito mais próximo e parecido comigo do que eu pensava. A fronteira permanece, mas não é mais um lugar de conflito ou de maus entendidos, mas sim de pacificação e de encontro. A hospitalidade, que exigiu que se ultrapassasse a soleira de uma casa, agora se aprofunda e se torna encontro entre humanos.

Certamente, se não se espera nada do outro, o diálogo já nasce morto: a suficiência, o querer bastar a si mesmo é de fato negação do outro, quer ele seja considerado como objeto a ser possuído, quer nos recusemos a vê-lo e a levá-lo em consideração. Mas, se aceitarmos a presença do outro, ainda mais se estivermos disposto a acolhê-lo como "hóspede interior", reconhecendo os seus traços presentes em nós, então explode a centelha do diálogo autêntico: damos tempo ao outro, trocam-se palavras que se tornam dons recíprocos.

O diá-logos, de fato, é uma palavra que se deixa atravessar por uma palavra outra, é um entrelaçamento de linguagens, de sentidos, de culturas: as interrogações do outro se tornam as minhas, as suas dúvidas incomodam as minhas certezas, as suas convicções interpelam as minhas. Então, descobriremos que, no diálogo, chegamos a expressar pensamentos jamais pensados antes, com a fascinante percepção de senti-los ao mesmo tempo como inauditos, embora familiares a nós mesmos, acabando por descobrir que temos há muito tempo entre as nossas mãos realidades que estávamos convencidos de ignorar.

É no diálogo, nesse lugar privilegiado em que cada um continua sendo ele mesmo e, ao mesmo tempo, aceita o risco de se tornar "outro", que o hóspede se torna a revelação de um dom que vem de "outro lugar", a descoberta de um ponto de vista inédito sobre a própria existência, o florescimento com palavras e gestos da interioridade que nos habita.

E tudo isso a partir de um gesto muito simples e concreto: o dar de beber e de comer ao hóspede. Sabemos que, nos países mediterrânicos, um copo de água ou uma xícara de café são o gesto mais espontâneo, mais imediato de hospitalidade. Mas hoje, na nossa sociedade, a mesa ainda é o centro, o polo em torno do qual se organiza a casa para que seja acolhedora?

Desde a sua primeira aparição na evolução das civilizações, a mesa se manifestou como lugar feito não só para comer, mas também para comunicar: se o alimento não é "falado", nutre apenas agressividade, violência e opressão. A mesa em comum com o hóspede é o espaço em que o alimento é compartilhado, e o comer se torna "convívio", ocasião de comunhão vital: é à mesa, à mesa compartilhada, que o ser humano tem a oportunidade, todas as vezes renovada, de se libertar do seu ser "devorador" – do alimento e do outro – e de se tornar mais uma vez, a cada dia, uma pessoa de comunhão.

A mesa é, de fato, o lugar em torno do qual o ser humano começou a fazer amizade, a criar sociedade, a estipular alianças. É ato comunal por excelência. Comer também é o comportamento humano mais carregado de simbolismo. Comer juntos, oferecer a própria comida ao hóspede, significa fazer com que o outro entre em uma comunhão muito profunda conosco.

De fato, "nós comemos o que a nossa mãe nos ensinou a comer. E não só isso – nos lembra Leo Moulin –, mas tal comida nos agrada e continuará agradando por toda a vida, porque nós comemos com as nossas recordações (...) Ou, melhor, nós comemos as nossas lembranças, porque nos dão segurança, temperadas como são por aquele afeto e por aquela ritualidade que caracterizaram os nosso primeiros anos de vida".

Isso também vale para a cultura-mãe, para a cultura em que fomos criados, para a cozinha particular daquela região ou daquela cidade que nós oferecemos ao hóspede (ou que vemos ser oferecida a nós). E entendemos também, descobrindo o desgosto que pode nos provocar a comida que nos é oferecida quando somos hóspedes ou as resistências que o outro manifesta diante dos alimentos que nós lhe oferecemos quando o hospedamos, como estamos enraizados em uma história particular e como é longo e cansativo o caminho rumo ao encontro com o outro.

Então, da partilha da palavra no diálogo e do alimento em torno de uma mesa, nasce um conhecimento novo do hóspede: aquele que era estranho, de quem se ignorava a proveniência, de quem custávamos a compreender a linguagem, agora se tornou alguém familiar, parte daquele círculo de pessoas e de mundos que constitui o "nosso" mundo, feito de semelhanças e de alteridades, de costumes e de novidades, de tradições recebidas e de novos caminhos tomados.

E esse elementos "socializante" da hospitalidade não deveria ser esquecido. Quando um de nós acolhe um outro, de fato, nunca está só: no meu acolher o outro sempre está comigo a minha história, as pessoas que a atravessaram, os encontros que a determinaram, a cultura que a orientou. Da mesma forma, o hóspede acolhido também não é um indivíduo fechado em si mesmo, nunca chega sozinho: consigo, ele traz o seu passado, as pessoas e os fatos que o fizeram sofrer ou alegrias, as esperanças e as decepções, o futuro esperado o o desconhecido.

Sim, no face a face de duas pessoas individuais, a hospitalidade também continua sendo o lugar comunitário por excelência: são dois mundos que se encontram através do entrelaçamento de dois olhares e do dialogar de dois rostos.

A hospitalidade é um dom! Dom a quem é hospedado, dom a quem hospeda. Certamente, a hospitalidade é apenas uma etapa, não pode ser traduzida em uma situação definitiva, porque ela sempre se dirige a novos interlocutores temporários que se voltam para a soleira da casa ou da cidade. A condição do hóspede é a de quem não permanece, senão se tornaria um membro e perderia a sua própria qualidade de forasteiro, estrangeiro, outro, peregrino: a hospitalidade é um rito de passagem, o dom temporário de um espaço.

Praticar a hospitalidade, então, trará consigo um dom inesperado: quase inadvertidamente acabaremos descobrindo que, dando espaço ao outro na nossa casa e no nosso coração, a sua presença não nos subtrai espaço vital, mas amplia os nossos ambientes e os nossos horizontes, assim como a sua partida não deixará um vazio, mas irá dilatar o nosso coração até permitir-lhe abraçar o mundo inteiro.

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