quinta-feira, 7 de junho de 2012

Homossexualidade e evangelização: desafios contemporâneos (4)



Foto: Tony Park

Começamos a publicar há três semanas (primeira parte aqui; segunda parte, aqui; terceira, aqui), em 6 partes (que você acessa na tag "Homossexualidade e evangelização"), o artigo "Homossexualidade e evangelização: desafios contemporâneos", do Pe. Luís Correa Lima, SJ, divulgado pelo Centro Loyola de Fé e Cultura, da PUC-Rio, como uma síntese do curso Diversidade Sexual, Cidadania e Fé Cristã, realizado em 2010 e 2011. O artigo, que sairá sempre às quintas-feiras pela manhã, tem como objetivo fornecer subsídios a religiosos e leigos, agentes de pastoral e outros para entender melhor e encontrar meios de lidar, dentro do contexto da Igreja Católica, com os desafios pastorais da relação e cuidado da população LGBT, no foco do acolhimento respeitoso e amoroso.

Castidade e lei natural
Convém tratar da castidade, contida nos Dez Mandamentos, e que constitui um importante conceito da moral. Originalmente o preceito é ‘não cometerás adultério’. Jesus, ao responder sobre o que se deve fazer para herdar a vida eterna, menciona não matar, não cometer adultério, não roubar, não levantar falso testemunho, não prejudicar ninguém, e honrar pai e mãe (Mc 10, 17-22). Os quatro primeiros preceitos estão no Decálogo. O preceito seguinte (não prejudicar ninguém) não está, mas ele resume os anteriores e lhes dá o verdadeiro sentido. São Paulo aprofunda e sintetiza esta questão: quem ama o próximo está cumprindo a lei, pois os mandamentos se resumem no amor ao próximo (Rm 13,8-10). Este é o espírito dos mandamentos e a sua chave de compreensão.

A castidade é definida hoje como a integração da sexualidade na pessoa, na sua unidade de corpo e alma (Catecismo da Igreja Católica, §2337). Esta integração é um caminho gradual, um crescimento pessoal em etapas, quepassa por fases marcadas pela imperfeição, e até pelo pecado (ibidem, §2343). Por isso, é preciso levar em conta a situação em que a pessoa se encontra, e os passos que ela pode e deve dar. Só pode haver integração bem sucedida neste campo se a pessoa viver em paz com a sua sexualidade, e amar o seu semelhante.

O teólogo Joseph Ratzinger tem uma importante contribuição para a reflexão sobre a castidade. Ela não é uma virtude fisiológica, mas social. Trata-se de humanizar a sexualidade, não de ‘naturalizá-la’. A sua humanização consiste em considerá-la não como um meio de satisfação privada, uma espécie de entorpecente ao alcance de todos, mas como um convite ao homem para que saia de si mesmo. A realização da sexualidade não adquire um valor ético quando se faz ‘conforme a natureza’, mas quando ocorre de acordo com a responsabilidade que tem o homem diante do homem, diante da comunidade humana e diante do futuro humano. Para avaliar a sexualidade, prossegue Ratzinger, pode-se dizer que ela reflete e concretiza o dilema fundamental do homem. Ela pode representar a total libertação do eu no tu, ou também a total alienação e fechamento no eu [“Hacia una teología del matrimonio”. Selecciones de teologia, nº35, 1970, p. 243].

Sobre a conformidade à natureza, é importante refletir sobre um outro conceito da moral que é a lei natural. O mundo é criação divina, feito segundo a razão do Criador (Logos), de modo a manifestar a Sua sabedoria. Há na criação uma racionalidade que pode ser conhecida pelo ser humano, e orientar a sua ação. Há uma lei inscrita no coração humano que orienta os seus juízos éticos (Rm 2, 12-16). Um recente documento da Igreja, da Comissão Teológica Interncional, trata deste assunto de maneira muito oportuna [Em busca de uma ética universal: novo olhar sobre a lei natural. Paulinas, 2009].

A expressão ‘lei natural’, segundo a Comissão, atualmente é fonte de numerosos mal-entendidos. Por vezes, ela evoca simplesmente uma submissão resignada e passiva às leis físicas da natureza, quando o ser humano busca, e com razão, dominar e orientar estes determinismos para o seu bem. Por vezes, ela é apresentada com um dom objetivo que se impõe de fora da consciência pessoal, independentemente do que elabora a razão e a subjetividade. Ela é suspeita de introduzir uma forma de heteronomia insuportável à dignidade da pessoa humana livre. Outras vezes também, ao longo de sua história, a teologia cristã justificou muito facilmente com a lei natural posições antropológicas que, em seguida, mostraram-se condicionadas pelo contexto histórico e cultural. Hoje, é importante propor a doutrina da lei natural em termos que manifestem melhor a dimensão pessoal e existencial da vida moral (Em busca..., nº10). Certamente aquela oposição de Ratzinger à ‘naturalização’ da sexualidade se refere a estes mal-entendidos sobre a lei natural.

Considerando uma sociedade pluralista como a nossa, prossegue o documento, a ciência moral não pode fornecer ao sujeito uma norma que se aplique de forma adequada e automática às situações concretas. Só a consciência do sujeito, o juízo de sua razão prática, pode formular a norma imediata da ação. Mas, ao mesmo tempo, não se deve deixar a consciência entregue à pura subjetividade. É preciso fazê-la adquirir as disposições intelectuais e afetivas que lhe abrem à verdade moral, para que seu juízo seja adequado. A lei natural não deve ser apresentada como um uma lista de preceitos definitivos e imutáveis, ou como conjunto de regras já constituído que se impõe previamente ao sujeito. Ela é uma fonte de inspiração objetiva para o seu processo de tomada de decisão, que é eminentemente pessoal. Esta fonte jorra sempre que se busca um fundamento objetivo para uma ética universal (Em busca..., nos59 e 113).

A Comissão reconhece também que a aplicação concreta de preceitos da lei natural adquire diferentes formas nas diversas culturas, ou mesmo em diferentes épocas dentro de uma mesma cultura. A reflexão moral evoluiu em questões como a escravatura, o empréstimo a juros, o duelo e a pena de morte. Coisas que eram permitas passaram a ser proibidas, e vice-versa. Há uma compreensão melhor da interpelação moral. A mudança da situação política ou econômica traz uma reavaliação das normas particulares que foram estabelecidas anteriormente (Em busca..., nº53).

A consciência do sujeito tem um peso decisivo, sobretudo em questões complexas. Este papel não deve ser esquecido ou subestimado. O Concílio Vaticano II afirmou o direito de a pessoa agir segundo a norma reta da sua consciência, e o dever de não agir contra ela. Nela está o ‘sacrário da pessoa’, onde Deus está presente e se manifesta. Pela fidelidade à voz da consciência, os cristãos estão unidos aos outros homens no dever de buscar a verdade, e de nela resolver os problemas morais que surgem na vida individual e social (Gaudium et spes, nº16). Nenhuma palavra externa substitui o juízo e a reflexão da própria consciência.

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