quinta-feira, 2 de setembro de 2010

A Bíblia diz assim?

Ilustração: Becca Stadtlander

Para meu espanto, sempre que abordo casamento civil para pessoas do mesmo sexo, deparo-me com aqueles que rebatem citando o livro de Gênesis para dizer que “Deus criou o homem e a mulher”.

Pois estamos inteiramente de acordo! Não acredito na existência de um terceiro sexo! O fato de um homem amar outro homem não o faz menos homem; assim como com uma mulher que ama outra.

Hoje, criou-se fenômeno em que cada pessoa pega um trecho da Bíblia e a interpreta a seu modo, sem o devido preparo. Assim como usam o Livro Sagrado até para coisas mais simplórias, esquecendo o mandamento “não usai o Santo nome em vão”.

Nome esse, aliás, presente em adesivos, camisetas e todo o tipo de produto comercializado por quem esqueceu que Jesus expulsou mercadores do Templo a chicotadas.

Também vejo com maus olhos estudiosos da Bíblia pleitearem sua interpretação ao pé da letra e não de acordo com o período em que foi escrito.

Como justificar, então, que a palavra de Deus exclua da comunhão seus filhos “com deformidades”: Levíticos 21, 18-21 - “Desse modo, serão excluídos todos aqueles que tiverem uma deformidade: cegos, coxos, mutilados (...) Sendo vítima de uma deformidade, não poderá apresentar-se para oferecer o pão de seu Deus”.

Existe algo de cristão na citação acima? Por isso, cabe ao Magistério das Igrejas a interpretação dos trechos da Bíblia.*

Como ativista de direitos humanos, acredito e respeito as regras de cada religião. Creio que cabe a cada cidadão decidir viver dentro delas ou não fazer parte e procurar outra que esteja de acordo com sua vida. Mas, insisto, uma coisa é religião, outra são os assuntos de Estado. Num país com várias religiões não tem como ser diferente.

Carlos Tufvesson, Estilista
Artigo publicado originalmente no jornal O Dia.

* * *

Atualização em 29/03/11:
*No caso da Igreja católica, na verdade, desde o Concílio Vaticano II reconhece-se que cada ser humano deve antepor qualquer dever ou lei à sua própria consciência. “A consciência é o núcleo mais secreto e o sacrário do homem, no qual se encontra a sós com Deus, cuja voz se faz ouvir na intimidade do seu ser”, diz o parágrafo 16 da Constituição Dogmática Gaudium et Spes , um documento deveras importante do Concílio – o próprio título “Constituição Dogmática” já mostra a importância do texto.

O documento citado indica que a mediação plena para a ação do homem é a sua consciência. Obedecer à consciência é o que se pode fazer de melhor para agradar a Deus.

Para se aprofundar neste tema, você encontra mais informações aqui e aqui.

Leia também: "Diversidade sexual e Igreja, um diálogo possível"

- Equipe Diversidade Católica

11 comentários:

Marcelo F. Krispin disse...

Parabenizo a todos pelo blog e pelo site. O ideal de vocês é realmente fantástico.

Lanço a pergunta abaixo apenas para fomentar o debate: "É válida, portanto, a criação de uma Igreja Gay de Cristo?"

Obrigado, mais uma vez, pela oportunidade.
MFK

Cristiana Serra disse...

caro marcelo,
acho sua pergunta super válida e sei que ela é muito frequente. como católica gay, vou dar a minha opinião pessoal - entrando no espírito de fomentar o debate, como vc bem disse. :-)
creio que uma parte importante da boa nova de Cristo, que é muito frequentemente esquecida, é que ninguém mais precisa ser perfeito para ser filho de Deus. pelo contrário, somos imperfeitos MESMO, e nossa redenção está não em fazermos as coisas certas para merecermos, mas sim no fato de que Ele nos ama incondicionalmente. Essa é a linda e incompreensível gratuidade do amor de Deus.
Nesse sentido, o revolucionário da idéia central de Igreja é que não haja um magistério, uma hierarquia, que dite as normas do que é certo e errado; uma hierarquia de pessoas superiores a nós, que se apropriam da Lei como uma ferramenta para exercerem poder. Essa era a relação dos fariseus, tao criticados por Cristo, com a Lei.
O revolucionário da Igreja de Cristo é que ela é um corpo composto por todos nós, e nele todos somos iguais, todos tão filhos de Deus quanto os demais. Por isso não cabe a ninguém atirar a primeira pedra; por isso, antes de julgar o cisco no olho do outro, é preciso tirar primeiro a trave do nosso próprio olho.
Isso vale tanto para "eles" não nos julgarem nem excluirem quanto para "nós" não os julgarmos nem excluirmos. Isso elimina toda e qualquer possibilidade de uma Igreja excludente e exclusivista - para qualquer que seja o lado. Isso significa nao exigir do outro que pense, sinta, aja ou seja igual a mim ou ao que eu considero correto. Isso significa que não sou detentora da verdade nem paladina da moral - quer eu pertença ao grupo dos detentores do poder, quer ao grupo dos "excluídos".
A idéia nunca foi que a Igreja de Cristo fosse perfeita. Pelo contrário, pertencer à Igreja de Cristo significa pertencer a um corpo de indivíduos necessariamente diversos e inerentemente imperfeitos, mas, justamente por isso, um corpo perfeito e santo na sua diversidade humana.
Pertencer à Igreja de Cristo deve ser um exercício de tolerância. Difícil? Dificílimo. É da natureza humana dividir, fragmentar, excluir. Mais penoso ainda quando você faz parte da "minoria", sente na pele a pressão do poder e sente o impulso de se proteger. Porém, acredito que uma parte fundamental da mensagem de amor de Cristo é o exercício da aceitação e da tolerância - e Ele sempre fez questão de frisar que segui-lO NÃO seria fácil.
Um abraço,
Cris

Pedro Borges disse...

Caros Marcelo, Cris e demais leitores.

Vejo trevas no olhar daqueles que se alçam nos pódios para discursar sobre religião colocando palavras na boca de Deus. Cabe dizer que muitos dos que o fazem tiram proveito da linguagem metafórica da Bíblia para interpretações pessoais - controverso, que interpretação não é, per si, pessoal? - arrecadando, literalmente, ovelhas para seu sinistro rebanho. Assim fez a Igreja Romana, assim fazem fanáticos mulçumanos que querem apedrejar mulheres e milhares de seitas que previam a chegada de alienígenas através de cometas. Qual a diferença entre elas? Eu respondo: nenhuma. Todas guiadas por aproveitadores vis a quem melhor seria se lhes tivessem amarrado uma pedra de moinho ao pescoço e atirado ao mar - seria mesmo? bom, isso está na Bíblia. A verdade é que quando ser você mesmo vai de encontro com a visão carcerária de uma religião, convém questionar alguma das duas pessoas: o tal deus ou você. Mas talvez a resposta a essa qusetão passe pela formulação de outra, com a qual finalizo: Deus tem religião?

Zuzu disse...

Bom, vamo lá - eu prometi que não me meteria mais em nenhum debate, mas eu não aguento - e alguém precisa mesmo trazer um pouco de humor a essa seriedade toda. Afinal, gay, nas poesias inglesas do século 19, quer dizer "alegre", não é?.

Olha, essa discussão é antiga e complexa. Se, por um lado a gente tem a Igreja engessada nas pequenas picuínhas do dia-a-dia, do outro a gente também tem o grupo de zumbis furiosos querendo se vingar do Papa. Tuuudo isso é muito esquisito! Peraí, se a gente quer ser aceito, por que diabos a gente não respira simplesmente, sorri e constrói? PORQUE A GENTE É HUMANO, NÃO BUDA!!! Os seres humanos - tirando os "Hare Hares" (que eu invejo profundamente porque não odeiam, não se vingam e vão viver pra sempre por causa disso) realmente estão propensos a reagir, a sentir raiva. Homo ou hetero raiva. Somos todos, em essência, humanos, no final. Afinal, quando o Titanic afundou, eles separaram a quantidade de gays e heteros mortos? No pedido de socorro teve um "save our gays" S.O.G.? Não! Foi "save our SOULS". Por isso não faz sentido separar as coisas em gay ou não gay. Muito menos a Igreja.
O negócio é que a gente se ame e se respeite. Deus está pouco se lixando se a ovelha é branca, preta ou cor-de-rosa! (muito embora cor-de-rosa seja uma cor muuuito mais fofinha! rsss)

;)
Zu

Anônimo disse...

A questão de criar ou não uma igreja direcionada para gays é complexa.

Se de um lado queremos levantar nossa bandeira branca. Por outro lado, os nossos amigos católicos não gays, não nos aceitam como gays praticantes. Eles pregam aquela ladainha de que amam os homossexuais mas não amam a homossexualidade.

Como disse, essa questão é muito complexa.

Mas é muito fácil dizer que somos errados, sendo hetero. Imaginem se Jesus viesse hoje, e dissesse: O correto é homem com homem e mulher com mulher. Como se sentiriam os heteros? Eles tentariam mudar? Praticariam a castidade? Difícil, não?

Com tudo, acredito na importância de termos um espaço para evangelizarmos sem medo. Pregando o amor e a fideledade entre pessoas do mesmo sexo.

Abçs a todos.
Marcelo Santos

João Rangel disse...

Marcelo,
Você levantou um fato para o qual eu ainda não tinha me atentado: a castidade. Católicos gays também deveriam praticá-la, já que professam os mesmos preceitos que os heteros, certo?
Vendo assim, até parece um pensamento medieval, onde as pessoas só fariam sexo depois do casamento. Teoricamente, deveria ser assim, mas desde que o mundo é mundo sabemos que as coisas não seguem necessariamente esse rumo.
É óbvio que cada um faz aquilo que achar melhor. Eu prefiro continuar acreditando num Deus não-excludente, que me ama e enxerga meu interior ao invés do meu exterior.

Anônimo disse...

João, a questão da castidade é simples e complexa.

Como eu posso praticar sexo somente após o casamento, se a igreja não permite casamento entre homossexuais? Praticarei a castidade pra sempre?

Existem pessoas que realmente foram chamadas para o celibado. Eu não fui, e muitos também não foram.

Aqui eu não tenho como contar a minha historia de vida. Mas quando me vi gay, não existia nenhuma igreja que podesse me orientar para eu viver a minha sexualidade dignamente. Entrei em depressão dos 13 aos 19 anos.

Sofri sozinho...

Não sou promiscuo. E prego o amor e a fidelidade entre homossexuais que se amam. Para que vivam uma vida reta.

A biblia que dizem condenar a homossexualidade, também condena a mulher mestruada de encostar em alguem. Proibe a mulher de cortar os cabelos. Diz que o sábado deverá ser guardado para o Senhor. Por que ninguem segue essas leis? Complexo, não?

Qual relacionamento é mais correto, o de duas pessoas (gays) que se amam e são fiés a esse amor, ou um casal hetero que são casados e não são fiés ao amor?

No meu antigo relacionamento, nós éramos espelho para muitos casais heteros. Fomos muito elogiados pela nossa união, cumplicidade e amor.

Nosso amor não acabou, só que ele se foi... resolveu ser padre...

Mas, João, respeito seu ponto de vista.

Fecho com uma explicação de um padre amigo: As pessoas pessoas buscam grandes transofrmações de Deus. Mas Deus é tão simples, que as pessoas não enxergam a grandeza simples que Ele tem para nós.

Abç a todos.
Marcelo Santos

Anônimo disse...

Parabéns a todos do site Diversidade Católica pelo ideal cristão.
O Amor de Jesus posto em prática!
Parabéns!
Luciano.

Anônimo disse...

Amo esse site ricamente ornado de filhos e filhas de Deus.
Creio que cada um sinta-se livre em Cristo Jesus para adorar a Deus em qualquer igreja, seja ela inclusiva LGbts ou tradicional.
Eu frequento a 3 anos uma igreja Inclusiva LGbT protestante e decididamente é muito bom adorar a Deus livre da recriminação alheia.
Em muitas igrejas sei que grupos de homossexuais se reúnem separadamente com e sem acompanhamento de padres e pastores.
Creiamos tenhamos certo que como diz a PAlavra, a salvação é a todo o que crê e for batizado! só a todo hétero? só a todo homo? só a todo homem? só toda mulher? só a todo branco? só a todo preto? Não! A salvação é todo o que CRÊ E FOR BATIZADO... AO QUE CRÊ INDEPENDENTE DE COR E SEXO.
GRAÇA E PAZ!

Equipe Diversidade Católica disse...

Porque "o Espírito de Deus sopra onde quer", amigo... E porque o maior de todos é o amor, não é? Que assim seja! :-)))

Rodolfo Viana disse...

Algumas coisas podem e devem ser mais simples, só estamos abrindo caminho.

: )

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