Do querido Murilo Araújo (em mais um editorial brilhante para o Vestiario.org), que já chegou no Rio de Janeiro e nos dará a alegria de participar do nosso evento amanhã (saiba mais aqui), partilhando conosco seu testemunho de gay cristão:
(...) me deparei com a seguinte notícia, hoje mais cedo: “Pastor diz em sermão que governo deveria matar homossexuais”. Minha primeira reação foi pensar: “como assim? Que ano é hoje? Inquisição, é você? Não, pera… Inquisição era coisa dos católicos, e o cara aí não é padre, é pastor.” Depois de me dar conta de que a história parecia verdadeira mesmo, de que estamos mesmo em 2012, minha segunda reação foi uma mistura de nojo e revolta. A terceira foi vir escrever.
Sei que a crítica que essa figura precisa receber pode até parecer óbvia, sei que um cara desses merece nada mais que desprezo pela sua suprema imbecilidade, sei até que muita gente deve estar começando a encher o saco de me ver falar sempre dessa questão de religião no debate sobre homofobia. Mas desculpa, eu não consegui ficar na minha. Se me revolto só de pensar que ainda existe gente encarando a homossexualidade dessa maneira, imaginem o tamanho da indignação que me bate quando vejo uma suposta autoridade propagar esse tipo de discurso de ódio, com a mesma tranquilidade (e uma pitada a mais da veemência) com que mandaria as pessoas rezarem antes de dormir.
E não é o primeiro caso: na semana passada, após Barack Obama ter defendido abertamente o casamento entre pessoas do mesmo sexo, o pastor Charles Worley, da Carolina do Norte, sugeriu que gays e lésbicas fossem trancados em campos de concentração, rodeados por cercas eletrificadas, como uma forma de se ver livre deles e delas – afinal de contas, isolados do resto do mundo, “eles não podem se reproduzir”.
Desta vez, no mesmo estado (onde um referendo popular proibiu casamento e união civil entre homossexuais um dia antes da declaração de Obama), foi a vez do pastor Curtis Knapp ir ainda mais longe e defender morte. Assim, direto. Pelo menos teve a decência de esclarecer que a ideia não era dele, e mencionar o suposto autor original, ninguém mais ninguém menos que Ele, o “Todo-Poderoso”: “Você dirá: Oh, eu não posso acreditar, você é horrível. Você é um neanderthal. É disso que você está chamando Deus? Ele é um neanderthal? As Escrituras são a sua palavra ou não? Se é a sua palavra, ele ordenou. É sua ideia, não a minha. E eu não me envergonho disso. Ele disse que os colocará à morte. (…) Você tem uma ideia melhor? Uma ideia melhor do que a de Deus?”.
E o que me deixa mais curioso nessa história é a apropriação indevida das tais boas ideias de Deus, usadas apenas na hora em que interessa. Duvido muito que estes mesmos pastores que invocaram a citação bíblica de Levítico para destilar sua homofobia deixem de comer moluscos quando queiram (Levítico 11, 10), ou de fazer a barba quando incomodar (Levítico 19, 27; Levítico 21, 5) ou ainda que ordenem que as mulheres de suas igrejas raspem as cabeças se não desejarem usar véus dentro dos templos (Carta de Paulo aos Coríntios 11, 6). Não é estranho ser fundamentalista para algumas coisas, relativizando outras com tanta tranquilidade?
Penso na quantidade de fieis presentes dentro destas igrejas, ou até mesmo fora delas, que certamente sairão pelas ruas repetindo este tipo de discurso de ódio, e promovendo todo tipo de violência. Acho que todo mundo tem memórias de algum homofóbico (por menos religioso que seja) afirmando que Deus fez o homem para a mulher, como justificativa para não apoiar a igualdade de direitos. Isso para não falar dos muitos casos de espancamentos a chute, pedra e lâmpada. Ou dos constantes assassinatos – que é exatamente o que o tal pastor está querendo que o governo faça.
E quem calará a boca destas figuras? Quem, se a sociedade também homofóbica dá a eles o direito de dizer as babaquices que quiserem, sob o suposto princípio da liberdade de expressão? É por essas e outras que ainda escrevo sobre este assunto. Se eles podem dizer aquilo que quiserem, ao menos precisamos nos preocupar em escancarar o preconceito e a intolerância. (...)
Leia também:
Porque nada justifica a homofobia. Nem a Bíblia
Leia o texto do Murilo na íntegra aqui Tweet
2 comentários:
A Bíblia não é homofóbica, ela é claríssima ao se referir ao homossexualismo como pecado, e isso também não deve ser relativizado nem por heterossexuais e nem por homossexuais. Pecado é pecado e isso não se discute, não se barganha com Deus.
Tendo isso em conta percebe - se o preconceito e a discriminação que os homossexuais sofrem afinal se homossexualismo é pecado, todos os outros pecados que nós humanos cometemos são igualmente pecados, não existe uma hierarquia de pecados piores e menos piores, o único realmente o pior de todos é a blasfêmia contra o Espírito Santo. Então nenhum cristão homossexual é pior do que os cristãos heterossexuais, assim como nenhum cristão heterossexual é superior aos cristãos homossexuais.
Fazer o que esses pastores americanos fazem é levantar o santo nome de Deus em vão, pois com certeza Jesus Cristo teria uma atitude radicalmente oposta em relação aos homossexuais. Precisamos aprender a separar a pessoa do pecador dos seus pecados, mas infelizmente ainda confundimos e o resultado é a intolerância.
Minha preocupação não é teológica, pois cada um responderá por seus pecados no Tribunal de Cristo e no Juízo Final.
Minha preocupação é social e política. Penso que a verdadeira igualdade só existe se as pessoas e os movimentos sociais estiverem dispostos a ter os mesmos deveres e não apenas os mesmos direitos. Porque se quiserem apenas igualdade de direitos sem igualdade de deveres estaremos diante de uma nova supremacia de uma nova elite, e não diante de uma nova igualdade e o fim de mais uma opressão. Para compreender melhor do que estou falando é só consultar bons blogs sobre MRM (Men's Rights Movement) dos EUA, Inglaterra e Austrália para descobrir a verdadeira face do Movimento Feminista. Não há igualdade de direitos, e sim as mulheres oprimindo os homens porque elas alcançaram privilégios, nada a ver com direitos.
Se o movimento LGBTS não tiver a mesma mentalidade e o mesmo comportamento e atitudes do movimento feminista receberá meu apoio até onde minha consciência cristã permitir.
Cara Evelin,
Antes de mais nada, gostaríamos de agradecer o seu contato, pois temos a consciência de que esse diálogo é importante para melhor compreensão de nossa proposta.
O Diversidade Católica se posiciona absolutamente a favor da mensagem de Cristo, sem admitir qualquer espécie de concepção pervertida ou luxuriosa. O grupo surgiu da reunião de algumas pessoas, tanto homo quanto heterossexuais, que vivenciaram, através de amigos e familiares, a dor profunda do preconceito, da falta de caridade e da falta de informação.
Com relação à classificação da homossexualidade como pecado, gostaríamos de sugerir a leitura deste texto aqui, em que procuramos esclarecer esse ponto à luz da doutrina católica, que não considera a homossexualidade pecado propriamente e que com frequência é alvo de alguns mal-entendidos.
Sabemos que a Bíblia possui alguns versículos que, em uma leitura fundamentalista e descontextualizada, poderiam servir de munição em favor do preconceito e da discriminação. Para melhor abordagem desta temática, sugerimos a leitura atenta dos diversos textos disponibilizados aqui no blog e em nosso site.
Com relação à interpretação das passagens bíblicas que mencionam atos homoeróticos, você encontrará algumas considerações interessantes aqui, aqui e aqui.
Sugerimos que se mantenha o coração aberto a novas idéias e perspectivas, pois do contrário esse diálogo torna-se absolutamente vazio, restando apenas ofensas e ataques que não nos levam a lugar nenhum.
Com relação às suas considerações sobre o MRM e os movimentos feminista e LGBT, embora não sejamos, como grupo, ligados à militância, temos um entendimento diferente do seu acerca da defesa dos direitos civis das minorias políticas. Mulheres, negros, indígenas, LGBTs foram e vêm sendo, historicamente, tratados como cidadãos de segunda classe, com os mesmos deveres dos demais, mas privados de uma série de direitos e objetos de uma série de violências físicas, psicológicas e sociais, e é em prol do esclarecimento dessa situação e pela construção de uma sociedade efetivamente igualitária que esses grupos procuram se articular. É complicado falar em defesa dos direitos de grupos que já são historicamente privilegiados na nossa sociedade, como os homens, os brancos ou os heterossexuais (como se viu em recente polêmica acerca da proposta de um "dia do orgulho hétero", ao qual inclusive a própria CNBB se opôs, por desnecessário). Os ativistas pelos "direitos dos homens" aos quais você se referiu, inclusive, têm sido considerados por entidades de defesa de direitos civis como grupos de ódio (v. aqui, por exemplo).
Esperamos ter contribuído para o aprofundamento da sua reflexão a respeito do tema. Mais uma vez, obrigado por sua visita e contribuição! :-)
Fique sempre com Deus e com o Amor de Maria.
Equipe Diversidade Católica
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