segunda-feira, 18 de julho de 2011

Menos parada e mais passeatas

A idéia de que o Brasil é um país tolerante com a homossexualidade é falsa. Do ponto de vista legal, milhões de cidadãos brasileiros recebem tratamento discriminatório em virtude de sua orientação sexual. Tal discriminação se manifesta tanto de forma concreta, em leis que ignoram a especificidade individual dos homossexuais, quanto de maneira abstrata, sob a forma de assédio moral, que se apresenta na escola, na família ou no ambiente de trabalho.

A polêmica causada pela propaganda eleitoral da candidata Marta Suplicy, que indiretamente levantou questões sobre a orientação sexual do Prefeito Gilberto Kassab, exemplifica bem o tipo de preconceito insidioso que afeta o dia-a-dia dos homossexuais brasileiros e que precisa ser combatido.

A responsabilidade por esse combate é matéria de governo e das instituições, mas também pertence aos homossexuais, que detêm o interesse primeiro pela afirmação e proteção de sua individualidade, em todos os seus aspectos.

No Brasil, a proteção aos direitos homossexuais é mínima. Fala-se muito, mas faz-se muito pouco. Enquanto em países latino-americanos e europeus os legisladores há anos debatem e votam sobre a igualdade jurídica dos cidadãos, o Congresso brasileiro se recusa a debater a matéria de forma conseqüente. Inexiste qualquer instrumento legal produzido pela atual legislatura com o fim de reduzir a situação de desigualdade em que se encontram milhões de brasileiros. A escassa proteção jurídica com que podem contar os homossexuais é fruto da ação exclusiva do Judiciário e de políticas públicas levadas a cabo pelo Executivo. O Congresso ignora os homossexuais.

Ao mesmo tempo, a reprodução de estereótipos negativos alimenta a intolerância. Todo homossexual brasileiro já ouviu uma piada que feriu sua dignidade e seus sentimentos. As televisões do país, por exemplo, abandonam o julgamento ético e a responsabilidade social e dão cursos de preconceito ao apresentar homossexuais em seus programas como figuras caricatas, objetos ridículos do humor nacional.

A ridicularização do homossexual à guisa de entretenimento reforça o preconceito e deseduca toda uma geração de crianças e jovens, que aprendem a considerar a homossexualidade ridícula, tratando-a e sentindo-a como tal. As conseqüências negativas desse comportamento no indivíduo podem ser profundas e trazem prejuízos à sociedade como um todo.

Em São Paulo, como em tantas outras cidades brasileiras, uma vez ao ano, milhões de pessoas participam da Parada Gay. Saem às ruas para celebrar a diversidade e reivindicar direitos iguais para os homossexuais. Tais paradas travestem-se de festa e de evento social, mas não se há de esquecer que sua finalidade é a mesma de uma passeata de trabalhadores lutando por melhores salários. No caso, congrega cidadãos que, coletivamente, reclamam direitos individuais negados e tratamento legal igualitário.

Em todos os outros dias do ano, porém, quando não há Paradas Gay, as demandas homossexuais saem de cena. As milhões de pessoas que, num domingo por ano, saem às ruas em reivindicação por direitos iguais diluem-se na paisagem das cidades. Tornam-se invisíveis a olho nu.

No entanto, para o indivíduo, a experiência quotidiana de ser brasileiro, homossexual e discriminado continua. É importante que os milhões que marcham e dançam pelas ruas nas inúmeras Paradas Gay do Brasil continuem marchando sozinhos, em suas vidas privadas, combatendo o preconceito onde ele se materializa: no dia-a-dia. A missão é olhar a sociedade nos olhos, ser reconhecido, celebrar o que é comum na natureza humana e exigir respeito.

Ao contrário do que se possa sugerir, a natureza homossexual não pode ser vista como limitação às possibilidades existenciais ou profissionais de ninguém. A orientação sexual não define nem diminui a existência das pessoas. Não é justo que tenha reflexos no gozo de direitos individuais. Por meio de seu trabalho, nas mais diversas profissões, os homossexuais oferecem contribuição enorme ao desenvolvimento do País. Merecem participar integralmente da sociedade brasileira, em todas as suas dimensões, sem qualquer tipo de limite.

- Alexandre Vidal Porto, diplomata e escritor
Publicado originalmente em O Globo em 19/10/2008 e reproduzido via eagora.org.br

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