Foto via The Cool Hunter
Quando no interior do grupo de homossexuais católicos de Milão denominado “Il Guado” se discutiu em convidar Luigi Bettazzi, bispo emérito de Ivrea, para falar sobre o Concílio Vaticano II, alguns expressaram o medo de que o encontro pudesse colocar na sombra a questão dos homossexuais na Igreja e as dificuldades que estes encontram no confronto com uma hierarquia que parece ser incapaz de acolher e compreender a experiência gay de católicos. Mas, no fim, o encontro com o bispo emérito de Ivrea, no dia 06-02-2010, no salão paroquial de S. Maria Bartrade, superou qualquer temor.
A notícia é da agência italiana Adista, 15-02-2010.
Testemunho privilegiado do evento conciliar (uma “graça” – afirmou – pela qual ainda hoje agradeço a Deus”), uma experiência vivida em estreito contato com um protagonista importante, o cardeal Lercaro (de quem era bispo auxiliar), Bettazzi encarnou a novidade do Concílio Vaticano II na realidade dos grupos eclesiais que buscam, com muito esforço, manter a sua especificidade de gênero com a própria pertença eclesial. Na sua reflexão, o bispo indicou alguns ensinamentos importantes daquela experiência e que podem ser lidos como um paradigma interpretativo da atualidade. Ele os organizou partindo das três grandes Constituições que o Concílio aprovou.
Começou falando da Gaudium et Spes, a constituição com que a Igreja optava, de maneira solene, de não ter mais como únicos interlocutores somente os católicos, mas todos os homens e todas as mulheres “de boa vontade”. Esta opção significou uma escolha definitiva do próprio magistério: não é por acaso que, desde então, nenhuma encíclica é publicada sem que os interlocutores sejam sempre todos os homens.
"Quem crê no Cristo está salvo!", é o título de um livro que o próprio Bettazzi publicou há alguns anos, retomando um versículo do Evangelho de São João (3,15). Durante o encontro o próprio Bettazzi observou como aquele mesmo versículo pode ser lido de muitas maneiras: a primeira, ("Quem crê em Cristo, será salvo") coloca o acento sobre a adesão de fé em Cristo, vê na adesão à Igreja a única estrada para a salvação. A segunda (“Quem crê, em Cristo será salvo”) que coloca o acento sobre a seriedade com que nós respondemos à nossa vocação humana, vivendo-a com a fidelidade de quem “crê”, de quem assume a responsabilidade de ter em conta, nas suas opções, as exigências e as necessidades dos que partilham da sua humanidade.
Lida à luz desta mensagem, Bettazzi recordou com força, que a condição homossexual adquire um significado radicalmente novo que expulsa as polêmicas que, nestes últimos dias, foram protagonizadas por alguns bispos italianos ao fazerem afirmações muito duras em relação aos homossexuais, taxando como “aberrante” a sua condição e pedindo o afastamento da Igreja e dos sacramentos. Somente quem esquece o ensinamento do Vaticano II na Gaudium et Spes, afirmou Bettazzi, pode pensar que a homossexualidade seja em si mesma um motivo que pode afastar as pessoas da Graça e que se possa, de fora, julgar o estado de Graça de uma pessoa que não esconde a sua própria homossexualidade, negando-lhe à priori, o acesso aos sacramentos.
Depois de ter analizado, por meio da Sacrosanctum concilium, a importância da recuperação da centralidade da liturgia na vida, não só da Igreja, mas também dos crentes, para realizar, inclusive, uma relação diferente entre a instituição eclesiástica e a experiência vivida pelos indivíduos, Bettazzi refletiu sobre a Dei Verbum, convidando a não considerar a Palavra de Deus como algo estranho nas nossas vidas, mas na direção de uma escuta atenta e responsável do texto bíblico para chegar àquele discernimento requerido pelas situações específicas. Neste sentido, a história de tantos homossexuais crentes se insere, como a história de todos os homens e como a história de cada um, no percurso, do qual o próprio Concílio foi um capítulo particularmente significativo e particularmente importante: a história de um Deus que se comunica e se narra ao homem e que, usando os instrumentos de que o homem pode entender, chama a humanidade toda à salvação. Uma história em que nenhum de nós deve se sentir como o utilizador final de serviço que outros lhe confeccionaram, mas deve sentir-se como o protagonista da história do amor com o qual o próprio Deus, em Jesus Cristo, de modo admirável o chamou à existência e, de modo ainda mais admirável, o chamou à salvação.
Fonte: Boletim eletrônico IHU, 16/2/20210. Reproduzido via site do Diversidade Católica, aqui Tweet
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