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Hoje ninguém mais tem dúvida de que família é mesmo um conceito plural.
As fotografias antigas mostravam um casal sentado ao centro e rodeado de filhos, todos muito sérios. Hoje, não só as fotos adquiriram colorido. A família também. As imagens atuais estampam manifestações de afeto e sorrisos de felicidade.
A formatação da família não decorre exclusivamente dos sagrados laços do matrimônio. Pode surgir do vínculo de convívio e não ter conotação de ordem sexual entre seus integrantes. Tanto é assim que a Constituição Federal esgarçou o conceito de entidade familiar para albergar não só o casamento, mas também a união estável e a que se passou a ser chamada de família monoparental: um dos pais com a sua prole.
Desta verdadeira revolução provocada no sistema jurídico não se apercebeu o legislador ao, apressadamente, aprovar o Código Civil. Apesar de ter sido editado no ano de 2002, o projeto original datava do ano de 1958, antes mesmo da Lei do Divórcio, outro paradigma que rompeu o modelo da família indissolúvel, patriarcal e verticalizada.
Assim, a lei que rege as relações familiares do século 21 é da metade do século passado e isso no que não reproduziu o código anterior que era do ano de 1916. Muitos institutos simplesmente foram copiados. Basta lembrar a mantença da presunção da paternidade em plena era do DNA.
Porém, a todas estas mudanças é sensível a Justiça que não pode deixar sem resposta quem lhe bate às portas e nem consegue aplicar leis velhas a situações novas. Afinal, ausência de lei não significa ausência de direitos.
Foi atentando a esta realidade que, a muitas mãos, o Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM elaborou o Estatuto das Famílias, que se transformou no Projeto de Lei nº 2.285/2007, de relatoria do Deputado Sérgio Barradas.
Fazendo uso das modernas técnicas legiferantes de construir microssistemas para regrar situações que merecem tratamento integrado, o Estatuto das Famílias traz regras não só de direito material, mas também processual para imprimir às demandas a agilidade que é tão indispensável quando se trata de direitos que dizem de modo tão significativo com a vida das pessoas. Também o Estatuto veio albergar no âmbito de proteção todas as estruturas familiares presentes na sociedade. Com esta concepção claro que não poderia continuar condenada à invisibilidade as uniões de pessoas do mesmo sexo. Com o nome de união homoafetiva foram inseridas no conceito de entidade familiar sendo-lhes assegurados os mesmos direitos de todas as famílias, inclusive o direito à adoção.
Apesar de parecer uma novidade, estes avanços de há muito estão sendo reconhecidos pela jurisprudência de todas as instâncias e tribunais. De enorme repercussão duas recentes decisões do STJ. Há cerca de um mês assegurou benefício previdenciário ao parceiro sobrevivente. E, em decisão histórica, invocando o princípio da proteção integral, concedeu a um casal de
lésbicas a adoção de duas crianças.
A partir dessas decisões não há como manter-se o substitutivo apresentado e que simplesmente exclui do Estatuto das Famílias os direitos assegurados às famílias homoafetivas, bem como proíbe, expressamente, o direto à adoção. Também não há como continuarem tramitando dois projetos de lei com a mesma finalidade.
O surpreendente é que, ao invés de assegurar direitos, criminalizar a homofobia, acanha-se o legislador. Comprometido com um fundamentalismo religioso e conservador, afronta um punhado de princípios constitucionais.
Ainda bem que a Justiça arrancou a venda dos olhos e assume o seu papel mais significativo: fazer justiça!
- Maria Berenice Dias, advogada
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