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Vamos aprendendo a ver a história de uma maneira não linear nem inevitável. Há sempre surpresas pela frente e, parafraseando num outro sentido Borges, descobrimos “caminhos que se bifurcam”. Quem preveria, no começo de 2011, tudo o que foi acontecendo da Tunísia ao Ocupar Wall Street? Mas esses processos não aparecem de repente, eles vão sendo preparados nos subterrâneos da história. O mexicano Pablo Gonzalez Casanova vê as sementes desses movimentos lá atrás, 18 anos antes, no primeiro de janeiro de 1994, na primeira aparição pública do Zapatismo e de seu subcomandante Marcos, com outra maneira de fazer política. Poderíamos também pensar em tudo o que janeiro de 2001 desocultou, no primeiro Fórum Social Mundial de Porto Alegre, com tantas práticas plurais que mostraram a falácia de um neoliberalismo estagnado e hoje claramente em crise. Alain Touraine disse que maio de 1968, ainda mais atrás, não tinha tido um dia seguinte, mas teria um amanhã. O ano que termina trouxe à luz do dia um processo que se foi constituindo aos poucos. E assim entramos em 2012 mais preparados para o inesperado que pode surgir à tona. Dizem que o calendário maia previu, para o final de 2012, uma mudança de era. Mas trata-se ali da visão de uma história circular e predeterminada como a dos gregos, movida pelos astros ou por divindades ocultas.
Entretanto, o futuro é mais incerto e frágil do que podemos esperar, num certo sentido mais livre, para bem e para mal. Estando em Madri, quando na Puerta del Sol surgiu o M-15, senti que virtualidades profundas emergiam. Estas e outras continuam ou surgem em 2012. No ano que passou se falava de primavera árabe e de inverno europeu. A primavera, grito de liberdade, pode ser capturada por grupos fundamentalistas, como há temores da Tunísia e no Egito. Mas também, à sombra meio incerta da Turquia, podemos pensar na coexistência de uma sociedade secular com uma forte presença religiosa. Tudo vai depender das propostas e articulações das forças presentes na sociedade. Nos Estados Unidos, há um espectro amplíssimo, que vai do libertário Ocupar ao troglodita Tea Party. E um meio de caminho imobilizado pela decepção da esperança em Obama.
No Brasil, há um dinamismo que se desenvolve em sentido diferente de outras crises. Com isso não parece haver lugar para sair às praças no protesto, como certa imprensa e uma oposição raivosas gostariam. Temos uma política que, de 2003 para cá, vem trazendo autoconfiança nacional e apoio social a mudanças reais. País emergente, ator relevante no plano internacional, tenta superar aos poucos suas desigualdades históricas, seu clientelismo enraizado e uma corrupção instalada desde muitas décadas.
Mas não podemos ficar olhando o 2012 que surge como meros espectadores. A dinâmica da cultura digital e de suas redes sociais permite construir, em ações propositivas, novas pistas e então evitar recaídas autoritárias. Tudo depende da mobilização social e de vários atores. Não se trata de um voluntarismo ingênuo, mas da somatória de articulações e de decisões vindas de muitos lados, dos movimentos culturais, ecológicos, de gênero, de inserção no mundo produtivo e principalmente, como em 1968, da rebeldia dos jovens. E aí está também o desafio para as religiões, chamadas a rever-se nos novos cenários. No caso da Igreja Católica, na cúpula, ela parece imobilizada na rigidez e fixada em receitas tradicionais. Mas na base do “povo de Deus”, alguma coisa fervilha, contaminada pelo dinamismo social e influenciando sobre este último.
Não façamos previsões deterministas ou apenas fruto de intenções, mas exerçamos nosso direito de propor e de criar. Temos diante de nós muitos cenários possíveis. Ao final deste ano poderemos ver crescer de um lado, a sombra de incertezas de um mundo que morre nos estertores da reação e do medo. Aliás, é curioso constatar como boa parte dos pensadores em moda é pessimista quanto ao futuro. Eles se fixam em pensamentos obscuros e negativos, com suas análises abstratas descoladas do real e do cotidiano.
Mas por outro lado, e aí vão nossas apostas e propostas, poderão surgir realidades e práticas surpreendentes, uma “inesperada primavera”, como disse João XXIII nos anos sessenta, no sentido contrário dos “mestres do pessimismo”. Deveríamos saber descobrir como utopias já vão brotando no meio de nós, colaborando com elas e inaugurando insuspeitados caminhos de libertação.
- Luiz Alberto Gómez de Souza
Sociólogo, diretor do Programa de Estudos Avançados em Ciência e Religião da Universidade Candido Mendes.
Reproduzido via Amai-vos Tweet
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