sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

A missão de um bispo: primeiro os pobres, os presos, os doentes, os estrangeiros

Imagem daqui

O perfil do bispo contemporâneo em debate: para o bispo recém-eleito de Novara, na Itália, Franco Giulio Brambilla (foto), o cardeal Carlo Maria Martini delineia a figura pastoral do bispo sobre o pano de fundo dos grandes textos da tradição bíblica, que enfatizam a sua dedicação, amorosidade e o mandato que vem de Cristo.

A opinião – escrita por ocasião do lançamento do novo livro do cardeal Martini, intitulado Il vescovo [O bispo] (Ed. Rosenberg & Sellier, 92 páginas) – foi publicada no jornal Corriere della Sera, 22-01-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto, aqui reproduzido via IHU.


Vou saudar o cardeal Martini. Em poucos dias, farei o ingresso como novo bispo da diocese de Novara. Ele foi o da minha maturidade de padre. Falamos longamente com o olhar no momento presente da Igreja e do mundo. A sua voz imperceptível intervém pouquíssimo, com palavras afiadas e encorajadoras.

A certa altura, ele me pergunta: que programa você tem para Novara? Ele pede que o secretário busque um pequeno livro, ainda quente da imprensa: Il vescovo [O bispo]. Ele me diz: quis escrever de minha mão com dificuldade. Ele será lançado em alguns dias dias. Em casa, leio-o de uma vez só.

É um pequeno livro pensado no rastro da grande tradição do Liber pastoralis, de Gregório Magno a Carlos Borromeu. Ele não frequenta os grandes picos da teologia. Protela-os conscientemente. Devia ser – diz a nota introdutória do editor – a primícia da coleção La cura delle parole. É como o número zero, confiado a "um verdadeiro mestre do cuidado com as palavras". E assim foi escrito. Ele quer falar do bispo para "arrancá-lo do nicho e vê-lo em contato com as pessoas (...) com uma imagem menos vaporosa e hierática, mais viva e sem falsas pretensões".

Martini, mestre da Palavra, é capaz de tecer sobre a trama da linguagem humana uma reflexão sapiencial, tingida de ironia e desencanto, de pontas marcantes e saborosas notações. Ele a entrega a todos aqueles que se perguntam sobre o sentido de autoridade na Igreja e sobre a sua presença na sociedade civil.

As palavras precisam de cuidado, senão se consomem. Ou, melhor, corrompem a nossa relação com o real, porque são a porta para o mistério do ser. A etimologia do termo "bispo" (de epi-skopein: supervisor, guardião, guia, pastor) tende a esmagar a sua figura sobre a questão da autoridade. Essa, na comunicação pública, goza hoje de uma má fama. Martini a remove da sua concentração sobre o poder de governo para colocar o bispo em relação com a Palavra e a sua ação santificadora. Quando estava em Milão, ele dizia frequentemente que sentia o ônus de ser um símbolo também para a cidade.

A figura pastoral do bispo é lida sobre o pano de fundo dos grandes textos da tradição bíblica, que enfatizam a sua dedicação, amorosidade e o mandato que vem de Cristo. Surge daí uma imagem persuasiva que faz do bispo um "servidor da Palavra de Deus". O próprio Martini foi como que o seu ícone: "Ele deve ter o Evangelho dentro de si mesmo e, assim, ser um Evangelho vivo".

Surpreenderá muito, até mesmo aqueles que não frequentam a língua da Igreja, a sua insistente referência ao vínculo do bispo com a Igreja celeste: ele deve "ser homem de oração, sobretudo de oração de intercessão". Para concluir de modo icônico: "Se queremos um bispo profeta, é preciso dar-lhe muito tempo para rezar".

A imagem perfilada por Martini no capítulo crucial do pequeno livro relê radicalmente o tema da autoridade. O seu poder é iluminador e libertador, que participa dos gestos de libertação do mal de Jesus e transmite a força do fermento evangélico. A autoridade na Igreja tem a forma testemunhal, porque coloca em contato vital a consciência com a Palavra. Como disse em um texto fulgurante, o terreno não existe sem a semente: "Terra e semente foram criados um para o outro. Não faz sentido pensar na semente sem uma relação própria com o terreno. E este último sem a semente é deserto inabitável. Fora da metáfora: o homem, assim como nós o conhecemos, se cortar toda a sua relação com a Palavra, torna-se estepe árida, torre de Babel".

A ponta de diamante da figura do bispo, segundo Martini, se desdobra no terceiro capítulo de modo agradável por parte de todos. Passam-se em resenha todos os contatos do bispo: com os não crentes, os pobres, os doentes, os encarcerados, os estrangeiros. Depois, a ampla rosa das relações eclesiais: os fiéis, os colaboradores, os padres e diáconos, os teólogos, o seminário, os religiosos, o mundo missionário. Para terminar com as instituições, os judeus e o mundo da mídia. É o capítulo mais "martiniano", onde se desenha a imagem do bispo que se deixa guiar – na dialética com o mundo – pela pergunta: Quid hoc ad Evangelium?, "o que eu faço e digo, o que tem a ver com o Evangelho?”.

Um texto provocativo que não despreza nem o debate com o peso burocrático da vida da Igreja e a sua relação com as diversas instâncias da Igreja universal.

Enfim, à margem do livro, as características atuais de um bispo: a integridade, a lealdade, a paciência e a misericórdia. Esculpidas com o estilete de um sábio bíblico e entregues idealmente a um jovem bispo. Como a conclusão final do livro: "Um homem humilde, que vence as durezas com a sua doçura, que sabe ser discreto, que sabe rir de si mesmo e das suas fragilidades. Que sabe reconhecer seus próprios erros, sem muitas autojustificações. Portanto, acima de tudo, um homem de verdade".

Um Martini clássico!

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