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Recentemente, coloquei um comentário no Facebook apoiando os direitos dos homossexuais na questão de formarem uma família (adoção de crianças, casamento civil, dependência em planos médicos, direito de herança, entre outras) e me surpreendi com alguns comentários que traziam um ranço do século XV. É claro que não sou nenhuma “Alice no país das maravilhas” e sei que a questão é controversa, mas confesso que não esperava ouvir, nos tempos de hoje, argumentos tão rasos e preconceituosos em relação a essas questões. Ou a qualquer outra que diga respeito aos direitos de um cidadão comum, que apenas tem uma opção sexual diferente da que prega o, aqui, maldito senso comum.
Acabei me dando conta de que o processo pelo qual passa hoje essa questão parece ter a mesma dinâmica pela qual passou o preconceito em relação à cor da pele. Ainda me lembro de um tempo no qual parecia divertido fazer piada com a cor da pele de alguém. E que esse tipo de absurdo sequer era questionado pelos demais membros da sociedade, influenciando crianças com o pior sentimento possível: o preconceito. Incrível como o grau de hipocrisia com esse assunto era extremamente elevado. Nos discursos oficiais, todos eram contra o preconceito de cor. Mas, em reuniões menores ou em ocasiões sociais, não faltavam piadas sobre pessoas negras.
Essa mesma hipocrisia reina hoje no mundo corporativo, só que com viés muito forte para a homofobia. Ok, ninguém é espancado entre uma reunião e outra por assumir sua homossexualidade, mas não tenho dúvida de que enfrentam hoje o mesmo preconceito velado pelo qual já passaram negros e mulheres (não que esses preconceitos tenham acabado totalmente no mercado, mas, pelo que vejo, estão hoje em menor intensidade). Conversando com alguns amigos (gays ou não), as histórias são sempre as mesmas. Diante do público, o discurso politicamente correto de que as empresas não fazem qualquer tipo de distinção entre raça, sexo ou opção sexual. Mas, nos corredores e nas reuniões privadas, não faltam piadas sobre o tema. Um amigo me confessou que na empresa na qual trabalha até uma “lista dos que são” é feita de maneira informal durante as reuniões.
Isso sem contar o preconceito velado na hora de se discutir a carreira de um homossexual. A pergunta que fica é: se a opção sexual de um cidadão em nada interfere na sua vida profissional, por que deveria interferir na hora de avaliar a sua progressão de carreira? Aqui nesse ponto tenho certeza de que muitos vão colocar o chapéu do “politicamente correto” e dizer que esse tipo de discriminação não existe na hora das promoções. Então proponho um exercício simples: antes de afirmarem categoricamente que não existe qualquer tipo de discriminação (mesmo que inconsciente), olhem por um instante para os cargos mais altos das empresas nas quais trabalham e contem quantos negros, mulheres e homossexuais existem. Garanto que, somados, não chegarão aos cinco dedos de uma só mão. E isso independe do número de cargos de liderança que existam na companhia.
O que me traz uma outra questão: vai ser fácil contar as mulheres e negros, pelo simples fato de que eles não têm como “esconder” a sua situação. Já um homossexual, garanto que não será tão fácil assim identificá-lo em cargos de liderança. Não porque não existam, mas porque, nesse nosso ambiente corporativo dito “liberal”, muitos deles escondem sua opção por não se sentirem confortáveis o suficiente para assumi-la integralmente. São poucos os “corajosos” que o fazem dentro desses ambientes hostis, nos quais impera a hipocrisia do “aceito, mas faço piada”.
As questões que coloco são simples: por que incomoda tanto a um terceiro a opção sexual de alguém se essa opção não interfere em nada na sua vida? Por que se preocupar de o outro gostar de uma coisa ou de outra, se esse gostar diz respeito apenas a ele? Por que fazer piada com um assunto que não lhe diz respeito, mas que desrespeita o outro ao fazê-lo? E por último, mas não menos importante: por que preterir alguém ou negar-lhe algum direito se a sua contribuição para a sociedade, para a empresa e para o entorno é a mesma que a dos demais e que a diferença entre ele e você não passa apenas de uma preferência que não lhe diz respeito?
Conversando com Mata Hari sobre o tema, ela me provocou com um exercício interessante para descobrir se realmente o preconceito sobre essa questão está ou não impregnado dentro da gente. Dizia ela: “imagine se o seu filho, ou sua filha, se declara gay. Qual seria a sua reação? O que você sentiria?”. No primeiro instante confesso que fiquei perplexo diante da pergunta. Por mais que apoie o tema, nunca tinha parado para pensar nessa hipótese. Mas fiquei feliz em seguida ao chegar a conclusão de que o mais importante para mim é que eles (meus filhos) sejam felizes e que vou apoiar qualquer que sejam as suas escolhas. E torcer para que, quando eles chegarem à vida adulta, esse cenário já seja apenas uma má lembrança do passado. Independente de suas escolhas.
Espero que esse respeito seja apenas uma questão de amadurecimento da sociedade, da mesma forma que aprendemos a respeitar indivíduos de outra cor ou sexo. Mas, não tenha dúvida, respeito se ensina em casa, começando com os nossos filhos. Acho que vou guardar esse texto para um futuro próximo.
- André Moragas
Reproduzido do blog "Na hora do cafezinho", do jornal O Globo (aqui) Tweet
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