quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Nem as orelhas estão livres


Eu juro que estava planejando uma coisa enormemente legal para esta postagem, mas uma coisa não exatamente legal, mas enormemente surpreendente, se interpôs e ganhou. Deixo o próximo post para frivolidades, e neste trago o pitoresco e insólito caso de violência homofóbica que atingiu heterossexuais. Isso diz muita coisa, não?

Bom, alguns dias atrás, um homem teve metade da orelha decepada num legítimo ataque homofóbico. A grande diferença é que ele não é gay. A cidade é São João da Boa Vista, uma dessas centenas de cidades do interior de São Paulo que transpiram a cultura do rodeio e do cowboy. O evento é a Exposição de Agropecuária Industrial e Comercial. Tudo nos trilhos, quando de repente algo acontece! Pai e filho se encontram e, pasmem, eles se abraçam! Diante de tão obscena prática, um grupo de sete jovens se aproxima e, numa exemplar demonstração de zelo pela instituição da família e dos bons costumes, perguntam: -Vocês são gay? Fico imaginando o que terão pensado pai e filho, que, possivelmente atônitos, respondem: -Não. -Ah, parecem dizer os jovens, e vão embora. Cinco minutos depois retornam e atacam os imorais. O filho tem ferimentos leves. O pai acorda com meia-orelha a menos. Arrancaram-na às dentadas.

Esse caso revela duas coisas surpreendentes e perturbadoras. A primeira é: Você não precisa ser gay para ser vítima de um ataque homofóbico. Você basta parecer ser gay. Isso quer dizer que mais do que uma posição política, a relação héteros x gay se guiam em parâmetros éticos. Precisamos desse lamentável acontecimento para que tomássemos consciência disso, mas quando se chega ao ponto em que a sociedade espontaneamente cria instrumentos repressores não de práticas de sexualidade, mas tão-somente de afeto, temos de nos perguntar das razões pelas quais essas coisas acontecem. Nunca o ideal de "somos todos pessoas" foi tão forte. Pena que foi pro mal. "Somos todos pessoas" na hora de apanhar de grupos de jovens homofóbicos.

A segunda revelação é ainda mais contundente. Gostaria de usar um exemplo. Dois homens gay caminham em direção ao bar. Um deles está vindo do trabalho, usa terno, e, além da cueca fio-dental por debaixo da calça de brim, nada nele é gay. O outro usa uma calça verde-limão, uma regata vermelha e tênis cinza. Na direção dos dois vem um "grupo de jovens". Eles estão à cata de "viados" há horas. Têm uma necessidade inexplicável de bater em "viados". Como se isso apaziguasse alguma coisa não sabem o quê. Quem vocês acham que eles vão atacar primeiro. Nosso amigo "flamboyantly gay" ou o cara de terno? O ponto é: O alvo dos ataques homofóbicos é de uma inspiração eminente e fundamentalmente do imaginário. Antes de um problema social e de saúde pública, os ataques homofóbicos são de uma matiz ideológica. Por isso são crimes de ódio. Por isso é tão urgente que as pessoas do Brasil e do mundo encarem esse problema: o problema de nem sequer tolerarmos o que discorda de nós.

As estatísticas dos últimos anos revelam que, em média, a cada dia uma pessoa é morta no País em ataques homofóbicos. O Caso de São João da Boa Vista nos mostra que o ser ou não ser gay é o fator menos determinante nessas assassinatos. Em última instância, a aparência delas às condenou à tortura moral e física e à morte. Como podemos tolerar isso? Como podemos não tolerar dois homens se beijando mas tolerar um homem matando outro? Terá nossa homofobia raízes tão fortes que preferiremos matar pessoas a matar nossos preconceitos? Vamos pensar nisso. Vamos pensar que vivemos num mundo onde nem abraços são tolerados.

- Getúlio FM
Reproduzido via Blogue do Frido

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