Ilustração: Max Kostenko e Karan dang
Eu juro que estava planejando uma coisa enormemente legal para esta postagem, mas uma coisa não exatamente legal, mas enormemente surpreendente, se interpôs e ganhou. Deixo o próximo post para frivolidades, e neste trago o pitoresco e insólito caso de violência homofóbica que atingiu heterossexuais. Isso diz muita coisa, não?
Bom, alguns dias atrás, um homem teve metade da orelha decepada num legítimo ataque homofóbico. A grande diferença é que ele não é gay. A cidade é São João da Boa Vista, uma dessas centenas de cidades do interior de São Paulo que transpiram a cultura do rodeio e do cowboy. O evento é a Exposição de Agropecuária Industrial e Comercial. Tudo nos trilhos, quando de repente algo acontece! Pai e filho se encontram e, pasmem, eles se abraçam! Diante de tão obscena prática, um grupo de sete jovens se aproxima e, numa exemplar demonstração de zelo pela instituição da família e dos bons costumes, perguntam: -Vocês são gay? Fico imaginando o que terão pensado pai e filho, que, possivelmente atônitos, respondem: -Não. -Ah, parecem dizer os jovens, e vão embora. Cinco minutos depois retornam e atacam os imorais. O filho tem ferimentos leves. O pai acorda com meia-orelha a menos. Arrancaram-na às dentadas.
Esse caso revela duas coisas surpreendentes e perturbadoras. A primeira é: Você não precisa ser gay para ser vítima de um ataque homofóbico. Você basta parecer ser gay. Isso quer dizer que mais do que uma posição política, a relação héteros x gay se guiam em parâmetros éticos. Precisamos desse lamentável acontecimento para que tomássemos consciência disso, mas quando se chega ao ponto em que a sociedade espontaneamente cria instrumentos repressores não de práticas de sexualidade, mas tão-somente de afeto, temos de nos perguntar das razões pelas quais essas coisas acontecem. Nunca o ideal de "somos todos pessoas" foi tão forte. Pena que foi pro mal. "Somos todos pessoas" na hora de apanhar de grupos de jovens homofóbicos.
A segunda revelação é ainda mais contundente. Gostaria de usar um exemplo. Dois homens gay caminham em direção ao bar. Um deles está vindo do trabalho, usa terno, e, além da cueca fio-dental por debaixo da calça de brim, nada nele é gay. O outro usa uma calça verde-limão, uma regata vermelha e tênis cinza. Na direção dos dois vem um "grupo de jovens". Eles estão à cata de "viados" há horas. Têm uma necessidade inexplicável de bater em "viados". Como se isso apaziguasse alguma coisa não sabem o quê. Quem vocês acham que eles vão atacar primeiro. Nosso amigo "flamboyantly gay" ou o cara de terno? O ponto é: O alvo dos ataques homofóbicos é de uma inspiração eminente e fundamentalmente do imaginário. Antes de um problema social e de saúde pública, os ataques homofóbicos são de uma matiz ideológica. Por isso são crimes de ódio. Por isso é tão urgente que as pessoas do Brasil e do mundo encarem esse problema: o problema de nem sequer tolerarmos o que discorda de nós.
As estatísticas dos últimos anos revelam que, em média, a cada dia uma pessoa é morta no País em ataques homofóbicos. O Caso de São João da Boa Vista nos mostra que o ser ou não ser gay é o fator menos determinante nessas assassinatos. Em última instância, a aparência delas às condenou à tortura moral e física e à morte. Como podemos tolerar isso? Como podemos não tolerar dois homens se beijando mas tolerar um homem matando outro? Terá nossa homofobia raízes tão fortes que preferiremos matar pessoas a matar nossos preconceitos? Vamos pensar nisso. Vamos pensar que vivemos num mundo onde nem abraços são tolerados.
- Getúlio FM
Reproduzido via Blogue do Frido Tweet
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