domingo, 13 de fevereiro de 2011

A propósito do Pai Nosso (2)



Damos hoje continuidade à proposta iniciada no domingo passado de publicar, em partes, a reflexão de Simone Weil sobre a oração do Pai Nosso. Para meditar, orar e, esperamos, aprofundar a fé. Um bom domingo a todos!

Seja feita a vossa vontade
Nós nunca estamos absoluta e infalivelmente certos da vontade de Deus, a não ser em relação ao passado. Todos os acontecimentos já sucedidos, quaisquer tenham sido, estão de acordo com a vontade do pai Todo-Poderoso. Isto está implícito na noção de onipotência. O futuro também, tal como venha a ser, uma vez consumado, o terá sido de acordo com a vontade de Deus. Não podemos acrescentar nem subtrair nada a esta conformidade. Então, após um apelo do desejo (venha a nós o vosso reino) em direção ao possível, uma vez mais pedimos aquilo que é (seja feita a vossa vontade). Mas não mais uma realidade eterna como é a santidade do Verbo. Aqui o objeto de nossa demanda é aquilo que se produz no tempo. Mas pedimos a conformidade infalível e eterna daquilo que se produz no tempo com a vontade divina. Depois de ter, pelo primeiro pedido, arrancado o desejo ao tempo para aplicá-lo ao eterno, e tê-lo assim transformado, nós retomamos este desejo, tornado ele próprio, de certa forma eterno, para aplicá-lo de novo ao tempo. Então nosso desejo rasga o tempo para encontrar atrás a eternidade. É aquilo que se passa quando sabemos fazer de todo acontecimento sucedido, qualquer tenha sido ele, um objeto do desejo. Eis aí algo totalmente diferente da resignação: a palavra aceitação mesma é muito fraca. É preciso desejar que tudo que aconteceu tenha sucedido, e nada além disto. Não porque o que tenha acontecido seja bom aos nossos olhos, mas porque Deus o permitiu, e porque a obediência do curso de acontecimentos a Deus é em si própria um bem absoluto.

Assim na terra como no céu
Esta associação de nosso desejo à vontade toda-poderosa de Deus deve estender-se às coisas espirituais. Nossas ascensões e quedas espirituais e aquelas dos seres que amamos mantém um relacionamento com o outro mundo, mas são também acontecimentos que se produzem aqui embaixo, no tempo. Neste sentido, cada detalhe neste imenso mar de acontecimentos está articulado com o todo de um modo conforme à vontade de Deus. Posto que nossas faltas anteriores já foram cometidas e nós devemos desejar que elas tenham sido cometidas. Devemos estender este desejo ao futuro, considerando o dia em que ele tenha se convertido em passado. Esta é uma correção necessária à demanda de que o reino de Deus venha a nós. Devemos abandonar todos os desejos por aquele da vida eterna, mas precisamos desejar a vida eterna, ela própria, com desprendimento. O apego à salvação é ainda mais perigoso que os outros. É preciso pensar na vida eterna como pensamos na água quando mortos de sede, e ao mesmo tempo desejar para si e para os seres queridos a privação eterna desta água, mais do que estar plenos dela contra a vontade de Deus, se tal coisa fosse concebível. As três demandas precedentes estão relacionadas às três Pessoas da Trindade, o Filho, o Espírito e o Pai, e também às três partes do tempo: o presente, o futuro e o passado. As três demandas seguintes se referem mais diretamente às três partes do tempo em outra ordem, presente, passado, futuro.

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Texto original:

WEIL, Simone. À propos du "Nôtre Père", In Attente de Dieu. Paris: Flamarion, 1996. Tradução de Elisa Cintra.

Tradução publicada originalmente no site da Comunidade Mundial de Meditação Cristã no Brasil

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