terça-feira, 23 de agosto de 2011

Estatuto da diversidade sexual, entrevista com Maria Berenice Dias


A Ordem dos Advogados do Brasil – OAB está preparando, por meio da Comissão da Diversidade Sexual, um Estatuto da Diversidade Sexual, para garantir, em uma única legislação, os direitos dos homossexuais. “A criação do Estatuto é uma reivindicação antiga do movimento Lésbicas, gays, bissexuais e transexuais - LGBT. Eles sentem falta de uma legislação única, que trate de todas as questões envolvendo a diversidade sexual”, disse Maria Berenice Dias, presidente da Comissão da Diversidade Sexual, em entrevista à IHU On-Line realizada por telefone.

Dignidade, igualdade e não discriminação são os princípios básicos que regem o Estatuto da Diversidade Sexual. Segundo Berenice Dias, a decisão do STF, de reconhecer a união homoafetiva deve ser considerada um avanço, mas, para garantir seus direitos, a comunidade LGBT deve lutar pela criminalização da homofobia. “Precisamos criminalizar a homofobia, porque não é possível condenar um agressor se não existe uma lei nesse sentido”.

Maria Berenice Dias é desembargadora aposentada do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, advogada especializada em Direito Homoafetivo e vice-presidente e fundadora do Instituto Brasileiro de Direito de Família.

Confira a entrevista, reproduzida via IHU.


Por que a OAB quer criar o Estatuto da Diversidade Sexual?
A criação do Estatuto é uma reivindicação antiga do movimento LGBT. Eles sentem falta de uma legislação única, que trate de todas as questões envolvendo a diversidade sexual. Há bastante tempo venho apoiando essa iniciativa e, desde que me aposentei, tenho buscado formação no âmbito da ordem dos advogados em todos os estados para capacitar os advogados a trabalharem com o direito homoafetivo e com a elaboração do Estatuto.

Essas comissões para elaborar o Estatuto começaram a ser criadas em todo o Brasil e, no último ano, levei à Ordem dos Advogados Federal a proposta de criar uma comissão nacional para elaborar uma legislação completa, que traga regras e penalização de posturas homofóbicas. Esse processo também está sendo elaborado em parceria com os movimentos sociais que integram as comissões em todo o país.

Qual a previsão para que esse Estatuto seja concluído e comece a vigorar?
Neste momento, estamos recebendo sugestões de toda a comunidade LGBT e da comunidade jurídica. A expectativa é apresentar o projeto ao Senado Federal no final do mês de agosto.

E como a sociedade pode participar de sua construção?
Todas as pessoas podem participar. Divulgamos o sumário do projeto e estamos agregando as ideias dos participantes. As pessoas podem encaminhar sugestões para o endereço de e-mail estatutods@mbdias.com.br.

Juridicamente, o Estatuto tem um caráter legal? Ele de fato irá garantir direitos aos homossexuais?
Sim. A proposta é dar um tratamento igualitário à população LGBT e aos seus vínculos afetivos. O Estatuto irá tratar a união homoafetiva da mesma maneira que trata do direito de família, por exemplo.

Quais serão os princípios fundamentais do Estatuto?
Os princípios fundamentais são aqueles que estão na Constituição. Os mais importantes são os princípios da dignidade, da igualdade e o da não discriminação. Outro princípio importante de ser ressaltado é do direito à felicidade, que ainda não está na Constituição brasileira. Felicidade é o que a população LGBT busca: eles querem ter o direito de serem felizes com as suas características, sem que isso seja alvo de preconceito, de discriminação, de exclusão no âmbito de tutela do direito.

Em que aspectos o Direito ainda deve avançar para garantir os direitos dos homossexuais?
O Direito ainda tem muito a avançar, pois não existe uma legislação para garantir os direitos homossexuais no Brasil. Embora não exista uma lei efetiva em relação aos homossexuais, os direitos deles estão sendo reconhecidos pela Justiça. Então, a partir de agora, precisamos criminalizar a homofobia, porque não é possível condenar um agressor se não existe uma lei nesse sentido.

E já está tramitando no Congresso algum projeto de lei nesse sentido?
Sim. Há vários anos. O projeto 122 já foi arquivado e desarquivado, posteriormente, pela senadora Marta Suplicy. As iniciativas a favor da comunidade LGBT avançam de uma maneira muito vagarosa no âmbito do Legislativo. Por isso, defendemos a ideia de criar um Estatuto que englobe todos os direitos dos homossexuais.

Que avanços jurídicos já foram alcançados em relação aos direitos dos homossexuais?
Há dez anos estamos lutando para que os direitos dos homossexuais sejam reconhecidos pelo Judiciário. Depois de muitos anos, eles começaram a avançar e culminaram com a decisão do Supremo Tribunal Federal – STF, no dia 5 de maio de 2011, que referendou a ação que a Justiça já vinha deferindo e reconhecendo como uma entidade familiar. Então, hoje os homossexuais têm direito ao casamento, um dos direitos fundamentais da pessoa: o direito de constituir família de uma maneira igualitária. De certa maneira, os poderes Judiciário e Executivo avançaram na medida em que adotaram várias políticas públicas e criaram institutos e espaços de discussão das questões da população LGBT.

Como avalia a postura do governo em relação aos homossexuais e o recuo na distribuição dos kits contra homofobia?
A não distribuição dos kits não chegou a ser um recuo, mas a perda da possibilidade de um avanço.

Como vê as manifestações após a aprovação do STF, principalmente em relação às igrejas evangélicas, uma vez que muitos se pronunciaram contra a união homoafetiva? A posição dessas igrejas reflete, de alguma maneira, a posição de parte conservadora da sociedade?
Em primeiro lugar, reflete. Porque eles têm uma grande maioria no Congresso. Essas igrejas acabam se escondendo atrás de dogmas religiosos para querer discriminar pessoas, quando a função do legislador é outra: incluir todos os cidadãos no âmbito jurídico. Os legisladores têm a obrigação de editar leis que protegem a todos. Essa movimentação das igrejas tem um caráter um pouco assustador, pois não estão agindo, como dizem, em nome Jesus para garantir os direitos de professar sua fé. Não vejo como os direitos dos homossexuais podem afrontar os princípios religiosos.

Existe alguma política pública para os homossexuais?
O Brasil ainda não tem políticas públicas nesse sentido, apesar de todo o interesse dos movimentos. As manifestações homofóbicas demonstram que não podemos viver numa sociedade em que os cidadãos se desrespeitam. No momento em que não se respeita o direito do outro, não se assegura o direito de ninguém. Isso gera muita insegurança à população.

É possível comparar o sistema jurídico brasileiro com o de outros países em relação à garantia dos direitos dos homossexuais?
Muitos países asseguram os direitos dos homssexuais. Eles têm acesso ao casamento e a uma legislação protetiva e de combate à homofobia. Em termos legislativos, o Brasil está muito atrasado comparado ao resto do mundo.

Que avanços se podem esperar com o Estatuto?
A ideia é fazer uma mobilização nacional, que acabe provocando o legislador a abrir mão desse descaso com que trata as questões homossexuais. O Estatuto seria um marco importante em termos de cidadania, em termos de democracia e em termos de igualdade.

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