Foto: Michael Poliza
A pressão que um abaixo-assinado exerce sobre os governantes da Igreja ou do Estado não é normalmente uma pressão para agir, mas sim para reconhecer uma realidade que eles preferem ignorar e para reconhecer a força do interesse público a respeito. Essa pressão é apropriada.
A opinião é de Andrew Hamilton, SJ, professor da United Faculty of Theology, de Melbourne, em artigo para o sítio Eureka Street, revista eletrônica dos jesuítas da Austrália, 20-07-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto, aqui reproduzida via IHU, com grifos nossos.
Eis o texto.
Nas últimas semanas, a mídia deu alguma cobertura a um abaixo-assinado que circula entre os católicos australianos. A petição foi composta por um grupo de leigos/as chamado Catholics for Renewal, formado por católicos que têm sido ativos na vida da paróquia. Eles esperam que muitos católicos assinem o abaixo-assinado e que os bispos comuniquem o seu conteúdo ao Papa Bento XVI quando o encontrarem no final do ano.
O abaixo-assinado oferece um quadro sombrio do estado da Igreja Católica. Ele fala de uma Igreja que perdeu o contato com os jovens. Muitos católicos mais velhos também se tornaram cada vez mais desafeitos. A Igreja tem sido incapaz de oferecer uma pastoral às comunidades, especialmente nas áreas rurais.
O documento atribui o mal-estar, em parte, a falhas na governança, manifestadas no tratamento dado aos abusos sexuais por parte de representantes da Igreja, no processo pelo qual o bispo Morris foi demitido, na atitude com relação às mulheres dentro da Igreja e na incapacidade dos bispos de adotar estratégias pastorais adequadas às suas próprias dioceses. Ele também oferece um ponto de vista de uma Igreja fiel e propõe que sínodos pastorais sejam realizados, reunindo os recursos dos/as leigos/as e dos clérigos.
A petição levanta duas questões: sobre a verdade da sua argumentação e sobre o lugar que tais abaixo-assinados gerados por leigos/as têm na governança da Igreja Católica.
Embora alguns relatos da mídia tenham apresentado a petição como radical, suas afirmações e solicitações são moderadas. Sua leitura da perda geral de contato por parte da Igreja com os jovens é apoiada pela declínio na participação da missa. O afastamento dos jovens católicos tem sido notado há muitos anos, e observadores também notaram a desilusão mais recente de muitos católicos mais velhos.
A falta extrema de recursos, especialmente nas dioceses rurais, e a inadequação das estratégias pastorais atualmente disponíveis para enfrentá-la são cada vez mais evidentes. Assim como os efeitos corrosivos que o fracasso anterior de lidar adequadamente com os abusos sexuais teve na confiança na governança.
A falta de um devido processo evidente na nova tradução da missa para o inglês e no tratamento dado a Morris também foi amplamente criticada. O desejo de uma Igreja na qual as mulheres sejam tratadas como iguais, que seja livre da homofobia e na qual o estado da Igreja e das estratégias de pastoral possa ser discutido honestamente deve ser irrepreensível, mesmo que a forma como esse desejo pode ser melhor conservado e consagrado na prática seja uma questão de debate.
A proposta de que sínodos diocesanos sejam realizados é modesta. Mas, embora eles provavelmente não irão incluir aqueles que abandonaram a Igreja e não possuam poder executivo, a discussão aberta e honesta da situação das Igrejas locais e de sua reparação só pode ser útil. Eles podem formar a fundamentação das estratégias pastorais que irá se basear mais do que em retórica.
A segunda questão levantada pelo documento diz respeito ao lugar dos abaixo-assinados dentro da Igreja.
Para alguns católicos, os abaixo-assinados parecem ser inadequados. Eles acreditam que o papa e os bispos receberam a responsabilidade de Deus para guiar e liderar o seu povo e que eles são responsáveis apenas diante de Deus. Os abaixo-assinado de leigos/as católicos/as pressupõem um nível de propriedade da Igreja que eles não têm e que só pode turvar as águas. Os bispos australianos, portanto, deveriam jogá-los na cesta do lixo, como muitos bispos europeus fizeram quando leigos/as católicos/as pressionaram pela reforma da Igreja.
Esse ponto de vista não é convincente. Ele supõe que a responsabilidade do bispo que vem de Deus pelo seu povo é incompatível com a sua responsabilidade ao seu povo e com a responsabilidade pela Igreja que todas as pessoas recebem com o batismo. Essas formas de responsabilidade atuam em diferentes níveis e são consistentes umas com as outras. Cada uma deve ser expressada na forma pela qual bispos e povo se envolvem uns com os outros.
Nesse contexto, abaixo-assinados ocasionais parecem ser uma forma tão apropriada de engajamento dentro da Igreja, quanto o são na vida política. A pressão que uma petição exerce sobre os governantes da Igreja ou do Estado não é normalmente uma pressão para agir, mas sim para reconhecer uma realidade que eles preferem ignorar e para reconhecer a força do interesse público a respeito. Essa pressão é apropriada.
Os abaixo-assinados têm o valor uma vez atribuídos aos canários das minas [os pássaros, por serem mais sensíveis, adoeceriam antes que os mineiros, que poderiam fugir ou se defender dos gases tóxicos]. Seu testemunho podia ser descartado pelos proprietários das minas que desejassem que seus negócios continuassem como de costume. Mas essa recusa não tornava a mina um espaço salubre e habitável. Para promover a saúde da empresa e dos seres humanos nela envolvidos, normalmente era melhor alimentar os canários e ouvir o seu canto. Tweet
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