(Saiba mais sobre a data aqui; caso se interesse pelo tema, não deixe de ler o artigo "Transfobia: as pedras na Geni", da jornalista Laura Gheller, aqui.)
Porque, enquanto for preciso que pessoas tenham coragem para simplesmente serem quem são, ainda teremos muito o que caminhar. E vamos, de mãos dadas.
Recentemente recebi uma imagem que circulava na rede separando os gays em "bichinhas e homossexuais" (é esta imagem aqui), abaixo da imagem li inúmeros comentários e revi algumas coisas que sempre me chamaram a atenção: a primeira, a necessidade de se enquadrar e limitar as coisas ou os comportamentos; e a segunda, reflexo da primeira, é a forma como as pessoas falam de si mesmas quando se referem à sua orientação sexual.
Quem nunca ouviu uma pessoa dizendo que é gay, mas é supernormal, não é efeminado, não tem trejeitos de gays, é super discreto, é tão normal nem sequer parece ser gay? Indo mais além, quem nunca ouviu algumas pessoas dizendo que não são e não gostam de efeminados, dos viadinhos, das pintosas, de gente que fala fino demais ou que tem trejeitos, de pessoas espalhafatosas que chamam a atenção pra si?
Já fiz muito isso, até já contei por aqui que apontava meu dedinho para tudo quanto é lado e distribuía muitos julgamentos.
Não sei o que passava na minha cabeça, aliás, sei sim! Eu acreditava que ser LGBT e ser digno era duas coisas que se opunham de tal forma que era impossível viver dignamente não sendo heterossexual.
Não parecer LGBT, era mais que um mecanismo de defesa, era uma qualidade e uma condição fundamental para que eu fosse respeitado. Qualidade esta que devia ser preservada, reforçada e exaltada.
Vivia me policiando para não ter nenhum tipo de comportamento que pudesse ser identificado como gay, que desse a entender que eu era diferente, que evidenciasse minha verdadeira orientação. O futebol sempre me entregou!
Como não consegui negar o que sou, durante um tempo me tornei no dizer de uma amiga, um gay de respeito. No entender dela, um gay de respeito é um gay que se nega, que socialmente se passa por aquilo que não é, que nega sua sexualidade, seus desejos, enfim, um gay que fica com meio corpo fora do armário, e na primeira complicação volta correndo para dentro dele. E hoje, observando a maneira como as pessoas se descrevem, vejo que não era só eu que pensava desta maneira... Muita gente pensa assim!
Há uma cultura da invisibilidade, uma apologia a negação de si próprio, uma recomendação sutil de que devemos levar uma vida “contida”, isto é, sejamos gays e lésbicas, mas vivamos sob uma roupagem heteronormativa, nos tornemos palatáveis para turma da moral e dos bons costumes, sem chocar ou levantar bandeiras.
E olhando para essas pessoas que vivem angustiadas e presas em convenções sociais é que cresce meu respeito e minha admiração pelas travestis e pel@s transexuais.
Não tenho dúvidas de que são as travestis e transexuais as mais agredidas, as mais atacadas e as mais incompreendidas. São as que mais têm direitos negados, as que mais são discriminadas. Inclusive pela população LGBT.
São as travestis que mais encontram dificuldades de ingresso no mercado de trabalho, de acesso aos serviços públicos. Sofrem com a falta de atendimento e tratamento adequado, com a carência de políticas públicas que atendam suas especificidades. São elas que são as mais apontadas na rua, na escola, alijadas do meio familiar, invisíveis para o poder público. Sob elas ainda pesa o estigma da marginalidade. E a elas muitas vezes, é negado um dos direitos mais fundamentais do ser humano: o direito a um nome!
Durante muito tempo travestilidade e transexualidade para mim eram sinônimos de sujeira, imoralidade e prostituição. Por anos acreditei no estereótipo de travesti que me passaram: barraqueiras, agressivas, desbocadas e ainda usavam gilete no dente. Figuras ameaçadoras, que resolviam tudo na base do tapa.
Me incomodava estar num mesmo ambiente ou lhes dirigir a palavra. Pensava que se existia um grupo que devia ser discriminado, este era o das travestis, já que elas faziam por merecer, a regra da discrição servia para tod@s, e se tem um segmento que chuta para longe essa regra são as travestis. Mereciam as pedradas e as dificuldades que a vida lhes impunha por “não saberem se comportar decentemente”. Sinceramente ainda tenho certa dificuldade de compreendê-las, mas passei a olhá-las de outra forma.
Todas as travestis que conheci são pessoas imponentes, valentes, combativas, assertivas, mesmo as que não são militantes. Tem consciência da discriminação que sofrem, dos preconceitos, das agressões a que estão sujeitas, e de que a vida não é fácil! Reagem a isso, nem sempre da melhor maneira, mas enfrentam tudo de cabeça erguida, argumentam e dão combate.
Com o tempo percebi que o que me incomodava nas travestis não era a falta de discrição e sim o fato de que as travestis me tiravam do meu lugar confortável de gay respeitável. Eram elas a expressão mais clara de que era possível viver como se quer, não importando o tamanho das dificuldades, dos perrengues ou do que os outros iriam pensar.
Elas atestavam a minha covardia, a minha falta de coragem e os meus preconceitos. Uma demonstração clara de que eu ainda tinha muitas amarras para soltar e correntes para me livrar.
Aí num exercício de humanidade levei meu olhar para além do que meus olhos estavam acostumados a enxergar, para além do que meus preconceitos me diziam e vi nas travestis e transexuais pessoas tão frágeis como todo e qualquer ser humano, cheias de sonhos, planos, vontades e, acima de tudo, cheias de coragem pra enfrentar os desafios cotidianos.
Mas o melhor foi percebê-las cheias de vida, de alegria e graça, mesmo com todas as dificuldades que a vida lhes impõe!
São humanas, capazes de grandes gestos de solidariedade, de demonstração de carinho e cuidado com o próximo, e por incrível que pareça, tem gente que insiste em ignorá-las, como se fosse possível!
Admiro as travestis e @s transexuais, pois além de me tirarem da minha zona de conforto, elas transgridem e transcendem qualquer rótulo que a sociedade, os acadêmicos, o poder público, ou quem quer que seja, tentem lhes impor, Estão acima de definições, são complexas, intensas, únicas e vivas demais para se sujeitaram a ficar presas nas molduras que tentam lhes colocar!
Vivem a me surpreender e ter a oportunidade de conviver com elas é receber uma lição nova a cada dia. Lição de vida, de solidariedade, de luta!
À elas a minha admiração e o meu profundo respeito. E um beijo para quem tem a coragem de ser travesti!
- Flavio Alves
Este post é parte da Blogagem Coletiva no Dia da Visibilidade Trans, promovida pelas Blogueiras Feministas. Tweet
2 comentários:
Lindo, lindo, lindo texto!
Um beijo para quem tem a coragem de ser travesti!
Murilo, o blog do Flavio, Ideias Canhotas, é muito bom. Vale frequentar. :-)
Beijo, querido. :-)
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