domingo, 29 de janeiro de 2012

Jesus Cristo, um profeta que incomoda


Sabemos ouvir a Palavra dos nossos profetas que nos falam, certamente, de outra maneira, mas que nos trazem a novidade do nosso Deus?

A reflexão é de Raymond Gravel, sacerdote de Quebec, Canadá, publicada no sítio Culture et Foi, comentando as leituras do 4º Domingo do Tempo Comum (29 de janeiro de 2012). A tradução é de Susana Rocca, aqui reproduzida via IHU, com grifos nossos.


Eis o texto.


Referências bíblicas:
1ª leitura: Dt 18,15-20
2ª leitura : 1 Co 7, 32-35
Evangelho: Mc 1,21-28

A primeira leitura e o Evangelho de hoje nos falam de profetismo. Um profeta com nome misterioso para aquele ou aquela que é profeta e que tem bonita missão para a pessoa que a exerce. E, no entanto, todos e todas nós deveríamos ser profetas. O Concílio Vaticano II afirmou que todos os batizados participam na função profética de Cristo. Mas o que é exatamente? O que é um profeta?

1. O profeta: Segundo o dicionário, profeta é aquele ou aquela que prediz o futuro. É completamente falso, porque a pessoa que prediz o futuro, é um astrólogo ou um cartomante ou um vidente. Isso não tem nada a ver com o profetismo. Basicamente, o profeta não é a pessoa que adivinha o futuro, mas aquele ou aquela que fala em nome de alguém… como cristão em nome de Cristo, em nome de Deus. O profeta não prediz o futuro; lê o presente. E, se acontece de ele ter que falar do futuro é porque ele utilizou o tempo para analisar o presente, ler os sinais dos tempos e poder alertar sobre o futuro. Um profeta deve ter discernimento e muito bom senso.

Na primeira leitura, hoje, o livro do Deuteronômio recorda ao povo de Israel que, doravante, Deus não falará mais diretamente; ele utilizará um intermediário, um profeta para falar ao povo: “Javé seu Deus fará surgir, dentre seus irmãos, um profeta como eu em seu meio, e vocês o ouvirão. Foi o que você pediu a Javé seu Deus, no Horeb, no dia da assembléia: ‘Não quero continuar ouvindo a voz de Javé meu Deus, nem quero ver mais este fogo terrível, para não morrer’.” (Dt 18,15-16). Além disso, foi difícil reconhecer Moisés como profeta, assim como foi difícil reconhecer Cristo como profeta.

No Evangelho de hoje, o evangelista Marcos faz uma bonita declaração: “As pessoas ficavam admiradas com o seu ensinamento, porque Jesus ensinava como quem tem autoridade e não como os doutores da Lei” (Mc 1,22), isso não impediu que alguém contestasse às suas palavras: “Que queres de nós, Jesus Nazareno? Vieste para nos destruir? Eu sei quem tu és: tu és o Santo de Deus!” (Mc 1,24). É curioso, porque mesmo sabendo quem é, igualmente o homem contesta e recusa a novidade da Palavra que ele traz. Mas quem é, por conseguinte, este homem apresentado por Marcos como um possuído, que reconhece a identidade do Cristo do Evangelho e que se opõe ao seu ensinamento? É necessário que seja alguém com autoridade: um líder da comunidade, um padre, um escriba, o pároco da época… que recusa a novidade do Evangelho, como acontece tantas vezes ainda hoje. E lá, Jesus o manda calar (Mc 1,25). E o evangelista acrescenta: “Todos ficaram muito espantados e perguntavam uns aos outros: “O que é isso? Um ensinamento novo, dado com autoridade... Ele manda até nos espíritos maus e eles obedecem!” (Mc 1,27).

Sem querer fazer um paralelo com a atualidade, parece-me que se Marcos precisa tratar de um ensinamento novo, diferente daquele dos padres e dos escribas do tempo, esse ensinamento deve ter chocado, mobilizado, agitado mesmo aos responsáveis religiosos da época. Mas o Cristo do Evangelho não aponta ao homem mesmo, mas ao seu encerramento, à sua recusa de acolher a novidade de Deus que se manifesta através dele, das suas leis, dos seus preceitos e dos seus regulamentos que asfixiam e que trancam as pessoas numa culpabilidade que é contrária ao Espírito de Liberdade do Cristo do Evangelho. Um exegeta francês anônimo escreve: “E exatamente o sentido da ordem de Jesus ao espírito do mau: Silêncio! Sai deste homem! Jesus veio para que os seres humanos tenham vida e a tenham em abundância. A sua autoridade é unicamente um poder de vida e não de morte. Os escribas acabavam esterilizando a Lei. Jesus a libera de qualquer constrangimento para oferecer uma Palavra criadora de vida. E nós, em Igreja, que fazemos desta Palavra? Bastante frequentemente transformamos as palavras do Evangelho em demasiados preceitos morais, jurídicos, que encerram na consciência na culpa, em vez de fazer chamadas do Espírito de Liberdade que quer nos colocar de pé, fazer de nós pessoas acordadas, vivas”.

2. O profeta hoje: Quem são os profetas de hoje? O cardeal belga Godfried Danneels escreve: “O nome de Deus é Jesus de Nazaré. Porque é pelo Filho que eu conheço o Pai. É a via de acesso. Posso, evidentemente, falar do Pai mas sempre está escondido, por trás, o nome do seu Filho. É um homem concreto que viveu conosco e entre nós, que deixa vestígios na história. É um Deus histórico”. Se eu acompanho a reflexão do Cardeal Danneels, devo dizer que esse Deus histórico encarnado em Jesus de Nazaré continua sempre vivo, hoje, através de nós, a sua Igreja. O que significa que o nome de Deus, hoje, é Cristo Ressuscitado e o Cristo Ressuscitado somos nós. É por isso que, todas e todos nós somos profetas pelo nosso batismo e pelo nosso compromisso como discípulos do Ressuscitado, visto que somos o seu Corpo. Então a pergunta que nos fazemos é a seguinte: Que rostos de Deus, de Cristo, nós damos a conhecer ao mundo no qual vivemos? O rosto de um Deus vingativo? Guerreiro? Juiz? Mesquinho? Hipócrita? Ou um rosto de um Deus de Amor? De tolerância? De perdão? De divisão? De paz? De esperança?

Diz-se, com frequência, que atualmente os homens e as mulheres não querem mais ouvir falar de Deus. Será que é realmente de Deus que as pessoas não querem mais ouvir falar? Não será exatamente de determinados rostos de Deus que são apresentados a elas? Ouvir certos líderes de hoje, que encarnam um Deus perverso: que julga, que condena e que exclui, posso compreender que há crentes que não querem mais ouvir falar. Mas, se lhes apresentam um Deus de Amor que acolhe o outro, qualquer outro, no respeito e na dignidade, parece-me que os cristãos de hoje como os de ontem, seriam menos reticentes a esse Deus da história, que é um Deus de Liberdade e de Amor.

Concluindo, podemos pedir a Deus, nas nossas orações, que nos envie profetas para falar em seu nome. Ousaria dizer: Parem de lhe pedir e comecem a reconhecer aqueles que já estão aqui e que nos falam Dele, porque como bem fala um exegeta do Quebec, Jean-Pierre Prévost: “O problema não está do lado de Deus, que nos envia sempre os profetas que necessitamos, mas sim da nossa parte e da acolhida que lhes damos”. Sabemos ouvir a Palavra dos nossos profetas que nos falam de outra maneira, certamente, mas que nos trazem a novidade do nosso Deus?

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