Arte: Pablo Delgado
Reproduzimos abaixo artigo de Flavio Alves, publicado em seu ótimo blog Ideias Canhotas:
Apesar do título desta postagem, eu não gosto e nunca gostei de citações bíblicas para embasar qualquer tipo de opinião. O alcance de uma simples citação bíblica fora de contexto é gigantesco, e traz conseqüências inimagináveis.
Já perdi amigos queridos por conta de discussões sobre valores religiosos, já me distanciei de familiares por causa de diferenças doutrinárias. Enfim, já perdi demais por causa de fundamentalismo e isso faz com que eu evite ao máximo fazer qualquer tipo de discussão que descambe para um embate religioso.
Penso que a partir do momento que a argumentação de uma pessoa se sustenta na bíblia, ou em qualquer outro livro dito sagrado e inquestionável, o debate já está prejudicado, perdido para sempre.
Eu particularmente acredito que enveredar por este caminho é perda de tempo, é se nivelar por baixo, como se eu dissesse: “Eu tenho esse pecado, mas você tem aquele”, fica numa discussão de quem peca mais que não contribui para que o debate consiga avançar, é discutir com base em uma moral que não é a minha.
Assim, acompanho vários militantes e entidades nas redes sociais e confesso que me causa certo desconforto em ver alguns militantes e defensores dos direitos das LGBT entrando em alguns debates com segmentos ditos cristãos, buscando contradições na Bíblia, ou nas religiões que estes professam. É muita pregação e pouca política!
Sinceramente, o que eu acabo por ver é uma tremenda demonstração de força e organização destes setores obscurantistas, e ações isoladas e pontuais do movimento LGBT.
Vejamos: A tramitação do PLC122/06 gerou uma intensa movimentação dos segmentos religiosos, como a Marcha da "Família" liderada pelo obtuso Silas Malafaia, a distribuição de panfletos "anti-gay", pregações e atos públicos, correntes pela internet, numa campanha suja e mentirosa contra as LGBTs.
Tal nível de organização já deu resultados, há hoje no Senado um movimento para sepultar o PLC122/06 e colocar um substitutivo mais brando em seu lugar, a suspensão da produção dos materiais do Programa Escola sem Homofobia, e as ações de juízes evangélicos afrontando a decisão do STF que reconheceu as uniões estáveis de casais homoafetivos são bons exemplos.
Além disso, este segmento conta com o apoio e a simpatia de grandes meios de comunicação, empresas poderosas que alcançam imensos contingentes de pessoas diariamente, que se mostram capazes de cristalizar preconceitos e estereótipos, disseminar o ódio, além de convocar tais setores a marcharem publicamente contra o avanço dos direitos humanos.
E nós nessa história toda?
Às vezes perdemos nosso tempo batendo boca com religiosos, trocando ofensas pelas redes sociais com fundamentalistas, utilizando a Bíblia como base das nossas argumentações, versículos e mais versículos. Em minha opinião é malhar em ferro frio, o debate nesse caso é inócuo. Um dogma, seja ele de qualquer religião, não pode e não deve servir para a sustentação de qualquer argumentação racional.
Enquanto não compreendermos que nenhum direito é dado, que o pouco de democracia que existe em nosso país foi conquistado com luta, que muita gente tombou para que pudéssemos votar pra presidente, governador, deputado, prefeito, síndico e até na chapa do grêmio da escola não vamos avançar.
Enquanto não compreendermos que estes setores que hoje nos atacam estão organizados politicamente, que seu discurso medieval encontra ressonância na direita conservadora, e continuarmos tendo pouca ação e participação política vamos continuar patinando.
Enquanto não percebermos que nossa luta é a luta pela democracia, por mais direito, é a luta por um país mais justo, e enquanto não percebermos que é necessário que nos organizemos para pressionar o Estado por mais mudanças, que temos condições de interferir nos rumos do país e que é necessário que tenhamos uma ação política e politizada vamos continuar “xingando muito no twitter”!
O que deve orientar e fundamentar nossas discussões é a consolidação e o aperfeiçoamento de nossa democracia. Essa é a nossa causa, a construção de um país livre e plural.
Não vou passar minha vida tentando convencer as igrejas a me aceitarem, aliás, não faço a menor questão disso, minha causa é outra, mas vou me organizar e lutar para que elas sejam obrigadas a me respeitar. Não tenho a menor intenção de mudar religião nenhuma, mas posso e devo lutar mudar o meu país para melhor, esse direito eu já tenho e ninguém vai me tirar! Tweet
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