Desde a descoberta do HIV, há três décadas, e após o surgimento, há 15 anos, do coquetel de medicamentos que permite uma vida normal, o mundo espera notícias capazes de alterar os rumos da epidemia de Aids, que até hoje impõe sofrimento e perdas humanas.
Só no Brasil, a cada ano, são mais de 12 mil mortos, 35 mil novos doentes e incontáveis infecções.
Se uma vacina eficaz ainda é uma ilusão e a eliminação total do HIV no corpo da pessoa infectada parece distante, há, em contrapartida, a perspectiva da cura funcional da Aids, com a busca incessante de meios de destruir o poder de replicação do vírus, mantendo a boa qualidade de vida do paciente com um sistema imunológico forte, sem necessidade de tomar medicamentos diariamente.
Enquanto isso, a melhor novidade de 2011 é a evidência cabal de que o tratamento anti-Aids, iniciado no momento certo e seguido corretamente pelo paciente, praticamente impede a transmissão do HIV a um parceiro sexual. Além dos benefícios individuais, o tratamento passa a contribuir decisivamente com a prevenção coletiva.
Ao mesmo tempo, crescem as possibilidades do uso dos medicamentos por pessoas HIV negativas, antes ou logo depois da possível exposição ao risco.
Derrotar a Aids tornou-se cientificamente possível, mas o tratamento como prevenção também é capaz de acionar interesses comerciais, relaxar o uso de preservativos e fazer explodir os custos dos programas de Aids.
Quanto mais pessoas tomam os remédios inadequadamente, mais aumentam as chances de resistências. E muitas das transmissões são recentes, antes de o indivíduo com HIV iniciar o tratamento.
Pioneiro no fornecimento dos antirretrovirais, o Brasil terá que decidir as melhores maneiras de frear a epidemia usando essa valiosa ferramenta de que dispõe, obviamente sem diminuir o papel prioritário da camisinha, dos insumos e das ações de prevenção. O caminho não será fácil, pois aqui as drogas que salvam vidas não chegam a todos os que precisam, já que milhares de pessoas não tiveram acesso ao diagnóstico e não sabem que têm o vírus.
O Brasil nem sequer conseguiu eliminar o HIV em crianças, como fizeram muitos países. A demora em financiar decentemente o SUS, as falhas de gestão que levam a episódios de desabastecimento de medicamentos, o alto custo e a falta de transparência da política nacional de genéricos anti-Aids, que decidiu abrir mão da quebra de patentes, complicam o cenário.
Outro problema é a ênfase dos programas governamentais na vulnerabilidade universal, o conceito de que todos são igualmente afetados pela Aids, o que tem produzido equívocos, como as campanhas de incentivo ao teste anti-HIV dirigidas à população em geral, que geram mídia, sim, mas que identificam poucos novos casos.
A infecção pelo HIV no Brasil tem impacto maior em alguns grupos, prioritários para diagnóstico precoce e eventual tratamento.
São pessoas que já sofrem intensa discriminação e têm negligenciadas suas necessidades de prevenção em Aids. É o caso do jovem gay, que tem 13 vezes mais chance de se infectar do que o heterossexual e que nunca foi alvo de campanha do Ministério da Saúde.
Ou o Brasil elimina o preconceito, para zerar a transmissão, ou se distanciará do sonho possível de vencer a Aids.
- Caio Rosenthal (médico infectologista do Instituto de Infectologia Emílio Ribas) e Mário Scheffer (comunicador social e sanitarista, doutor em ciências pela Faculdade de Medicina da USP, é presidente do Grupo pela Vidda São Paulo)
Reproduzido via Conteúdo Livre
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A Folha de S. Paulo publicou hoje, Dia Mundial de Luta contra a Aids, uma matéria relevando que, para 20% dos paulistanos, só gays e prostitutas pegam Aids. Por falar em preconceitos...
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Caso se interesse pelo assunto, há um bom texto no Blogay: "Alguns erros e acertos em relação ao vírus HIV" Tweet
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