Foto: Craig Easton
“O tempo do Advento é tempo de preparação: preparar o coração para acolher a novidade radical que é o próprio Deus irrompendo no mundo. O que requer de nós uma espera vigilante, uma esperança operosa e uma expectativa ativa. Uma espera que é preparação.”
A reflexão é de André Langer, pesquisador do Cepat, em artigo publicado no jornal Folha Diocesana, da diocese de São José dos Pinhais, PR, edição de novembro de 2011.
André Langer é sociólogo, com mestrado em Ciências Sociais pela Unisinos e doutorado em Sociologia pela UFPR. É também bacharel em Teologia.
Eis o artigo, aqui reproduzido via IHU, com grifos nossos.
“Alegrem-se os céus e a terra,
porque o Senhor nosso Deus virá
e terá compaixão dos pequeninos”
(Is 49, 13).
Possivelmente você, eu, outros, já dissemos: “Novamente é Tempo de Advento”, sem muita convicção, como se isso fosse apenas parte de um ciclo do tempo que anualmente se repete. Pelo efeito da repetição, torna-se algo automático, rotineiro, um costume, uma tradição. Ou como se o “advento”, na verdade, caracterizasse uma disposição psicológica para o final do ano, para os tempos de festas, as férias, o verão, o descanso, as viagens... Dessa maneira, o verdadeiro Advento vai sofrendo uma corrosão em seu sentido mais profundo, em sua dimensão de real preparação para o acolhimento do Salvador entre nós.
Uma passagem de São Paulo, na carta aos filipenses (4, 4-6), mostra de modo claro o espírito com que o tempo do Advento deve ser encarado: “Fiquem sempre alegres no Senhor! Repito: fiquem alegres! Que a bondade de vocês seja notada por todos. O Senhor está próximo. Não se inquietem com nada. Apresentem a Deus todas as necessidades de vocês através da oração e da súplica, em ação de graças.”
A alegria faz parte da preparação para o Natal. Já nos sabemos salvos e acolhidos no Senhor. Basta que destravemos o nosso coração, para que se abra à alegria que vem Dele. A verdadeira alegria não é sinônimo de risadas ou gargalhadas, muitas vezes superficiais e enganosas e que disfarçam tristezas interiores.
A verdadeira alegria brota do coração, como dom de Deus, por todas as maravilhas que Ele realiza, inclusive a encarnação de seu Filho Jesus. Assim, uma pessoa alegre, é alegre também quando suporta as adversidades da vida, o sofrimento... Por isso, a alegria é uma graça que podemos pedir ao longo deste Advento.
Alegria que brota da certeza da presença de Deus no meio do seu povo. “Canta de alegria, cidade de Sião; rejubila, povo de Israel! Alegra-te e exulta de todo o coração, cidade de Jerusalém (...). O Senhor, teu Deus, está no meio de ti” (Sf 3, 14.17).
A alegria expulsa o medo. Jesus, em várias ocasiões, precisa reconfortar os seus discípulos, dizendo-lhes: “Não tenham medo” (Jo 6, 20). O medo e a alegria não têm a mesma origem, nem produzem os mesmos frutos em nós. Enquanto o medo vem do espírito do mal e deixa o coração do cristão tímido e calculista, a alegria, vinda de Deus, faz explodir em bondade, generosidade, abertura e criatividade.
O tempo do Advento é, por isso mesmo, tempo de preparação: preparar o coração para acolher a novidade radical que é o próprio Deus irrompendo no mundo. O que requer de nós uma espera vigilante, uma esperança operosa e uma expectativa ativa. Uma espera que é preparação.
Esta preparação requer vigilância. “Cuidado! Ficai atentos, porque não sabeis quando chegará o momento. (...) Vigiai, portanto (...) para que não suceda que, vindo de repente, ele vos encontre dormindo. O que vos digo, digo a todos: Vigiai!” (Mc 13, 33-37). Uma advertência que repousa a nossa atenção sobre a práxis. Um exame de consciência que nos deve fazer retornar às nossas origens, ao nosso primeiro Amor.
Com certeza, descobriremos que reformas deverão ser implementadas: “Abram no deserto um caminho para Javé; na região da terra seca, aplainem uma estrada para o nosso Deus. Que todo vale seja aterrado, e todo monte e colina sejam nivelados; que o terreno acidentado se transforme em planície, e as elevações em lugar plano” (Is 40, 3-4). Séculos depois, Lucas colocará esta passagem na boca de João Batista, aquele que vem preparar o caminho para Jesus (Lc 3, 4b-6).
O Advento é, pois, um tempo forte (kairós) para dispor a nossa vida toda a serviço da vontade de Deus. Um tempo para tirar as amarras e a tibieza do nosso coração. Pode-nos ajudar nessa tarefa olhar para alguns personagens marcantes, que a Igreja nos coloca como modelos dessa preparação: João Batista, José e especialmente Maria. Cada um, a seu modo, preparou-se para acolher Jesus. João Batista, através do chamado à conversão e pelo batismo de conversão; José e Maria, renunciando aos seus projetos de vida para se abrirem ao apelo que Deus, através dos anjos, lhes fez. Maria, aplainando o caminho da sua vida, ao final do processo de discernimento e tomada de decisão, exclamou: “Faça-se em mim segundo a tua vontade” (Lc 1, 38).
Esse é o espírito com o qual o Tempo do Advento deve ser encarado. Algumas atitudes, práticas e gestos podem contribuir para alcançar os frutos desejados pelo Advento. Elencamos algumas práticas:
a) participação atenta e renovada da Eucaristia, com atenção às antífonas, leituras bíblicas, cantos, que expressam esperança e expectativa;
b) participação na Novena em Famílias, meio para aprofundar o espírito do Advento e reforçar os laços de comunhão e fraternidade;
c) mutirões para um Natal sem fome (coleta de alimentos, roupas...), que abrem para a solidariedade com os mais necessitados;
d) presépios que reproduzam o espírito desejado por São Francisco de Assis, na linha da simplicidade e da humildade descrita por São Paulo: “Tenham em vocês os mesmos sentimentos que havia em Jesus Cristo: Ele tinha a condição divina, mas não se apegou a sua igualdade com Deus. Pelo contrário, esvaziou-se a si mesmo, assumindo a condição de servo e tornando-se semelhante aos homens” (Fl 2, 5-7).
e) encontrar meios para se comprometer com as grandes causas do mundo de hoje e que dizem respeito ao “bem viver” de todos na Terra.
Um dos frutos desejados pelo Ciclo do Natal é o compromisso com a transformação do mundo, isto é, proporcionar a todas as pessoas e a cada uma “a passagem de condições menos humanas a condições mais humanas”, como disse Paulo VI na Encíclica Populorum Progressio, sempre em sintonia com a preservação da vida na Terra.
Esperança é semear, é plantar. A semente germinando espanta a fome e aproxima o dia da colheita, da fartura. Concluindo estas singelas reflexões, remetemos o leitor(a) à mensagem do poeta Thiago de Mello, ao último verso de Madrugada camponesa:
“Madrugada camponesa.
Faz escuro (já nem tanto),
vale a pena trabalhar.
Faz escuro mas eu canto
porque a manhã vai chegar.” Tweet
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