Foto: R. Sanque
Se "a fidelidade à Bíblia e ao magistério da Igreja não é principalmente uma questão de palavras" – isto é, se a ortopraxia é verdadeiramente mais importante do que a ortodoxia –, então é altamente provável que uma nova definição de uma verdade de fé tradicional, capaz de permitir uma adesão mais profunda ao Evangelho, possa ser considerada como uma "reinterpretação" fiel, ortodoxa, daquela verdade da fé, "independentemente da diferença no plano terminológico". E também independentemente do fato de que essa nova definição possa nascer do diálogo com uma outra tradição religiosa.
A reportagem é de Claudia Fanti, publicada na revista Adista Documenti, nº 52, 27-06-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto, aqui reproduzida via IHU, com grifos nossos.
Está aqui, na "tentativa de distinguir entre uma nova concepção da fé, entendida como reinterpretação, ou, ao contrário, como rejeição da própria fé", que se desenvolve a aventura espiritual do teólogo norte-americano Paul Knitter, um dos maiores representantes da Teologia do Pluralismo Religioso, assim como ele mesmo a relata no livro "Senza Buddha non potrei essere cristiano" [Sem Buda não poderia ser cristão], recém-publicado pela editora Fazi (Roma, 2011, 320 páginas), a segunda publicação da coleção de livre pesquisa espiritual "Campo dei Fiori", dirigida por Elido Fazi, junto com Vito Mancuso (e inaugurada pela obra-prima do ex-frei dominicano Matthew Fox "In principio era la gioia").
Trata-se do testemunho pessoal e convincente de quem atravessou a fronteira do budismo para abraçá-lo e depois a atravessou novamente para voltar à própria religião: "O meu diálogo com o budismo – pergunta-se o autor – tornou-se um cristão budista? Ou um budista cristão? Sou um cristão que compreendeu mais profundamente sua própria identidade com a ajuda do budismo? Ou me tornei um budista que ainda conserva vestígios cristãos?".
Na realidade, como o Pe. Luciano Mazzocchi, missionário xaveriano e animador do movimento Vangelo e Zen, enfatiza na “Introdução", "quando duas tradições religiosas se fundem ao ponto de se tornarem a única energia que faz viver, então não há mais filiação alguma. Há apenas o homem que caminha".
E, no caso de Knitter, um homem que, ressalta Mazzocchi, "deu um passo até agora tentado só por poucos: vestido pela sua fé católica, emitiu o voto budista do Bodhisattva, ou seja, prometeu não querer entrar na paz do nirvana até que todos os seres não tenham lá entrado".
O caminho que leva a enriquecer a própria espiritualidade mediante o diálogo com as outras fés é, em sentido, inevitável: "O homem de hoje – continua Mazzocchi – é maior, mais vasto, mais profundo, mais complexo, mais maduro do que as tradicionais respostas religiosas e os sistemas teológicos em que estas foram encaixotadas", chegando a "experimentar a verdade como o seu modo de se relacionar com a alma que tudo pervade", consciente de que nenhuma religião é um ponto de chegada, mas só uma sinalização preciosa "ao longo do caminho da história humana".
É nesse quadro que se coloca a luta interior conduzida por Knitter com relação às "interrogações desconcertantes e desestabilizantes" sobre a natureza de Deus, o papel de Jesus, o significado da salvação: "Acredito realmente naquilo que eu digo acreditar, ou naquilo que eu deveria acreditar como membro da comunidade cristã?".
E é justamente olhando "para além das fronteiras tradicionais do cristianismo" que o teólogo é capaz de encontrar respostas mais satisfatórias e frutíferas às suas perguntas: só depois de ter "começado a levar a sério e a explorar as Escrituras de outras religiões" é que ele foi capaz de compreender mais adequadamente "o que significa a mensagem de Jesus no mundo contemporâneo".
E, entre as religiões, foi o budismo que constituiu um dos dois recursos mais úteis (o outro é a teologia da libertação), que lhe permitiram continuar desenvolvendo a sua tarefa pessoal de cristão e de teólogo, permitindo-lhe rever, reinterpretar e reafirmar as doutrinas cristãs sobre Deus (capítulos 1-3), sobre a vida após a morte (capítulo 4), sobre Cristo como Filho único de Deus e Salvador (capítulo 5), sobre a oração e o culto (capítulo 6) e sobre o compromisso para conduzir o mundo rumo à paz e à justiça do Reino de Deus (capítulo 7), na consciência de que, como admite o teólogo na Conclusão, "no final da jornada, a casa para onde eu volto é Jesus".
E se, olhando para trás, para toda a sua vida, Knitter não consegue se imaginar "como cristão sem esse envolvimento com o budismo", é claro, porém, que a sua "preocupação principal" é que "os genes teológicos que eu transmito sejam ainda cristãos, que a minha reinterpretação do credo cristão, embora verdadeiramente diferente, não seja totalmente diferente daquilo que era antes dela". Que, portanto, "este livro contribua para uma boa teologia cristã".
E, junto com essa preocupação, uma convicção e uma esperança: "Acredito e espero justamente que, se Karl Rahner tem razão ao dizer que os cristãos do futuro deverão ser místicos, eles também deverão ser místicos inter-religiosos". Tweet
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