sexta-feira, 4 de março de 2011

Modernizar o catolicismo com amor ao próximo e solidariedade

Escultura: Daniel Firman

Para o padre Antônio Trasferetti, “a questão da união civil, como vida familiar, aceita no interior da Igreja Católica, bem como adoção de crianças, reprodução assistida, e outros temas, constituem um desafio para a teologia moral nos próximos anos”. Em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line, ele afirma que “os homossexuais são filhos de Deus, pagam seus impostos, trabalham, vão ao shopping, estudam como qualquer outra pessoa e merecem respeito e cidadania. Devemos combater o preconceito social que mata com palavras, olhares e balas de revólveres”.

Doutor em Teologia Moral, pela Pontifícia Universidade Lateranense, e em Filosofia, pela Pontifícia Universidade Gregoriana, atualmente o padre Transferetti é diretor do Curso de Filosofia da PUC-Campinas e presidente da Sociedade Brasileira de Teologia Moral (SBTM). É autor de vários livros, entre os quais citamos "Teologia na pós-modernidade" (São Paulo: Paulinas, 2003), "CNBB, Aids e governo" (Campinas: Átomo, 2005), "Filosofia, ética e mídia"(2. ed. Campinas: Alínea, 2007) e "Teologia, ética e mídia" (Rio de Janeiro: Sotese, 2007).


Como a união civil entre pessoas do mesmo sexo é vista do ponto de vista da teologia moral?
Penso que a união civil entre pessoas do mesmo sexo é uma questão social e jurídica. Depende do congresso nacional aprovar leis regulamentando a vida social. Existem projetos de leis nesse sentido em discussão. Vai depender do debate no congresso e as possíveis determinações jurídicas. A teologia moral respeita a diversidade cultural e as diversas formas de relacionamento amoroso e social em nossa sociedade. Entretanto, ela encaminha seu pensamento para a constituição da família nuclear, compreendendo a necessidade da procriação dentro do contexto da lei moral natural.


Na sua opinião, por que a Igreja tem dificuldades em mudar sua posição em relação ao homossexualismo? Acredita que ela contribua no sentido de ser fraterna com os excluídos? Como conciliar a doutrina católica com a cidadania dos homossexuais?
A Igreja Católica, por meio do seu magistério, tem contribuído no sentido de promover a inclusão social. Muitos homossexuais estão inseridos em nossos trabalhos sociais e pastorais. Existe uma compreensão bastante ampla no sentido de promover a cidadania homossexual. O magistério eclesiástico pede solidariedade com as pessoas homossexuais, combate à discriminação e à violência. Os documentos “Declaração Persona Humana” (1975), “Carta aos bispos da Igreja Católica” (1986), “Considerações sobre propostas de leis não discriminatórias” (1992) e “Considerações sobre as uniões entre pessoas homossexuais” (2003) abordam a temática de um modo geral, colocando o posicionamento teológico e social do magistério. Entretanto, a Igreja tem dificuldades, no sentido de que ela não aprova as relações homoeróticas como forma de vida familiar, porque não constitui família (nuclear) e nem procria. A questão da “união civil”, como vida familiar aceita no interior da Igreja Católica, bem como adoção de crianças e a reprodução assistida, entre outros temas, constituem evidentemente um desafio para a teologia moral nos próximos anos.

Em que o senhor se baseia pela defesa da modernização do catolicismo? Como se daria essa modernização, considerando a trajetória de conservadorismo da Igreja Católica?
Penso que nossas paróquias e os milhares de movimentos sociais e pastorais devam acolher as pessoas homossexuais como acolhem qualquer pessoa. Não devemos permitir que se faça qualquer tipo de discriminação. Todas as pessoas são bem-vindas, independente da sua cor ou da sua orientação sexual. O evangelho do amor é para todos. Numa sociedade pluralista, a diversidade de vidas deve ser respeitada no seio da Igreja. Os homossexuais são filhos de Deus, pagam seus impostos, trabalham, vão ao shopping, estudam como qualquer outra pessoa e merecem respeito e cidadania. Devemos combater o preconceito social que mata com palavras, olhares e balas de revólveres. A modernização do catolicismo se baseia numa ordem social e pastoral nova que devemos construir, tendo inclusive os homossexuais como protagonistas, mantendo, evidentemente, os princípios éticos do amor ao próximo e da solidariedade social como pilares da vida social.

Para o senhor, como a mídia tem tratado a questão da união homossexual?
Penso que a mídia, de modo geral, tem contribuído com a cidadania homossexual. Há uns 15 ou 10 anos, era impossível qualquer diálogo sobre esse assunto. Hoje, já podemos conversar, vemos cenas de novelas envolvendo pessoas homossexuais, programas de auditório relatando histórias de pessoas homossexuais, cantores, atores, e as pessoas em geral compreendem melhor. A imprensa escrita tem denunciado cenas de violência ou de preconceito envolvendo pessoas homossexuais. Vejo avanço também nas questões sociais. Em muitas cidades brasileiras, existem grupos organizados de homossexuais e outros, prefeituras realizando trabalhos de cidadania envolvendo homossexuais. Ainda existe preconceito e violência, mas penso que, de um modo geral, ocorreram avanços significativos nos últimos anos.

E a sociedade ainda vê com preconceito a união civil entre homossexuais?
A sociedade ainda vê a questão da homossexualidade com preconceito. Um preconceito gerado em grande parte pela ignorância em relação ao tema. Nem todos os homossexuais conseguem ser o que são em seus ambientes de trabalho ou de estudo, por exemplo. Precisam camuflar sua verdadeira identidade sexual. Mesmo nos ambientes familiares, as pessoas homossexuais muitas vezes são desprezados por seus pais, parentes e amigos. Partidos políticos e outras organizações sociais também têm demonstrado preconceito. A cultura machista ainda reina em muitos ambientes. É preciso um trabalho árduo, em termos de mudança cultural, social e teológica para que o pequeno avanço que foi conquistado adquira maturidade. Penso que os próprios homossexuais precisam trabalhar mais no sentido de criar seus espaços e ampliar sua dignidade. A própria teologia precisa ter como protagonistas teólogos que realmente façam teologia a partir da sua condição de homossexual (masculino e feminino).

O que o senhor lembra como experiências marcantes na Pastoral Homossexual, que fundou em Campinas?
Foram muitas as experiências e as recordações. Muitas estão escritas no meu livro "Pastoral com homossexuais" (Petrópolis: Vozes, 1998). De modo especial, recordo as muitas cartas que recebi de pessoas homossexuais que eram discriminadas em suas famílias. Pessoas que possuíam muita fé em Deus foram batizadas, crismadas, mas expulsas do seio de suas famílias por causa da sua orientação sexual. É muito triste quando um pai ou uma mãe não sabe compreender seu filho (a) adolescente que está descobrindo a sua condição sexual. Essas pessoas precisam de carinho, amor, afeto e não de ofensas e/ou agressões.

Como os gays, lésbicas e transexuais católicos se sentem em sua Igreja?
Realizei uma experiência maravilhosa na Paróquia de São Geraldo Magela (periferia de Campinas), entre os anos 1994 a 1999. Além de acolhê-los, preparei moralmente a comunidade para o conhecimento dessa realidade. Acolhi não somente homossexuais e travestis, mas também seus pais, irmãos e amigos. Precisamos olhar com carinho não somente o homossexual, mas também a sua família. A partir de 2000, assumi outra paróquia e o meu trabalho com pessoas homossexuais tem sido menor. De todo modo, são e serão sempre bem acolhidos.

Considerando a união entre duas pessoas do mesmo sexo, como fica o conceito e o modelo de família pregado pela doutrina da Igreja?
O conceito e o modelo de família ensinados pela Igreja Católica continuarão sendo os mesmos, ou seja, a “família nuclear”. No futuro próximo, certamente teremos que conviver em harmonia com outras formas de vida “familiar”. A família pós-industrial (pós-moderna, pós-nuclear) do momento atual caracteriza-se por não ter uma única organização. Há muitas maneiras de entender e viver a realidade familiar. Fala-se em “lares sem filhos”, “lares uni-pessoais”, “lugares agregados” e tantas outras. Essas e outras formas apresentam-se como alternativas à instituição matrimonial. São sinais da tendência “desinstitucionalizadora” do mundo atual. É preciso abertura de mente e de coração para dialogarmos com maturidade com todas estas realidades desafiantes que se apresentam em nosso meio.

Publicado originalmente na Revista IHU Online em 7 de abril de 2008 ("Uniões homoafetivas. A luta pela cidadania civil e religiosa")
Texto: Graziela Wolfart
Os grifos são nossos.

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