quinta-feira, 14 de abril de 2011

A Igreja da acolhida para os homossexuais


Dez anos de atuação do Kairòs na Itália, quatro anos de atuação do Diversidade Católica no Brasil, um mês de atuação da Pastoral da Diversidade em São Paulo...

O bispo mexicano Raul Vera Lopez virou notícia ao declarar, em sua homilia de 27 de março, que a Igreja é a casa também dos LGBTs. "Jesus fundou a Igreja para reunir aqui dentro os que estavam fora, para acolher os que sofrem exclusão e rejeição (…) para que também estes encontrem o amor de Deus”. Em sua diocese - El Satillo, no norte do México, célebre bastião de defesa dos direitos humanos - a inclusão de gays na Igreja Católica agora é uma prioridade. Além de recentemente se haver ali realizado o “IV Fórum da Diversidade Sexual, Familiar e Religiosa”, há agora um ministério para gays, que defende a ampliação não só dos direitos humanos dos LGBTs mas também do senso de dignidade daqueles cuja emergência das margens da sociedade é causa de tantos conflitos para tantos católicos.

Nesse sentido, a diocese apóia, por exemplo, a criação de uma associação que congregará famílias que têm filhos ou filhas que apresentam preferências sexuais diversas - iniciativa defendida pelo IV Fórum da Diversidade Sexual, Familiar e Religiosa. Será a primeira associação do gênero a contar com o apoio oficial de uma diocese no México.

Pouco a pouco, pois, a história vai se desenrolando e o caminho da transformação - não sem suas dificuldades e percalços - vai sendo percorrido. Passo a passo. É diante dessa constatação, e num espírito de esperança e fé na constante conversão da Igreja ao Evangelho de Jesus, que reproduzimos a matéria abaixo.

Uma religião do amor ou das regras? Do prêmio ou do dom? Sexta-feira passada, em Florença, na Itália, o grupo de cristãos homossexuais Kairòs, por ocasião dos seus primeiros dez anos de atividade, organizou um encontro com o padre Alberto Maggi, biblista e teólogo (áudio em italiano disponível para download aqui).

A reportagem é de Delia Vaccarello, publicada no jornal L'Unità, 11-04-2011, e reproduzida pelo IHU em 12-04-11. A tradução é de Moisés Sbardelotto. Os grifos são nossos.

"Sob as volutas da antiga e sugestiva ex-igreja das Leopoldinas de Florença, éramos muitos amigos do Kairòs, católicos homo, fiéis provenientes das paróquias da cidade e de algumas Igrejas evangélicas... Todos diferentes, em idade (muitos jovens) e em histórias de fé", conta Innocenzo Pontillo, do Kairòs.

Pouco antes do encontro, foi possível conversar por telefone com o padre Maggi. Pergunto-lhe se verdadeiramente o Antigo Testamento contém referências de condenação à homossexualidade.

"Não podemos utilizar a Bíblia pró ou contra uma tese. A homossexualidade não estava entre os conhecimentos da época", indica, referindo-se depois ao hoje: "É preciso ter em conta que a Igreja tem a capacidade de dar novas respostas às novas necessidades".*

O encontro de Florença é um sinal da Igreja da acolhida. "Nós, do Kairòs, estamos hospedados em várias paróquias da cidade e sentimos muito próximas as comunidades batista e valdense", acrescenta Pontillo. O Kairòs nasceu porque três rapazes tocados pelo suicídio de Alfredo Ormando diante de São Pedro se perguntaram "como fazer para criar espaços de acolhida para os cristãos homossexuais dentro da Igreja".

Ainda em 2007, sacudidos pelo suicídio do jovem Matteo em Turim, lançaram a ideia de uma vigília em memória de todas as vítimas da homofobia. Foi a primeira de muitas. A vigília é uma oportunidade; Kairòs é a palavra grega que quer dizer "o momento em que a história de cada indivíduo pode empreender um novo caminho rompendo os laços com o passado".

O padre Maggi, por telefone, destaca a diferença entre "a antiga religião baseada nas leis e a nova que se funda sobre a acolhida e sobre o amor. Deus olha para as necessidades e não para os méritos; não Se concede como um prêmio, mas como um dom. Se compreendermos isso, a vida muda totalmente. É fundamental viver a mensagem de libertação de Jesus que nos convida a colocar à frente de tudo o bem do outro e não a regra, a obrigação, o preceito".

E os marginalizados dos quais se fala nos Evangelhos, o leproso, o publicano? "Jesus os busca", acrescenta padre Maggi. Os marginalizados de hoje são também os homossexuais? "As pessoas não devem ser etiquetadas, são pessoas. Jesus as busca para lhes dar a felicidade que se obtém dando-se aos outros".

Foram muitos os momentos intensos do curso daquela noite. O discurso do biblista mostrou como Jesus infringia a lei judaica quando se aproximava dos outros, fossem o leproso ou o publicano, considerados impuros. Infringe-a para fazer sentir a proximidade de Deus.

Pontillo refere alguns testemunhos: "Matteo contou que, há alguns anos, enquanto fazia a catequese, uma outra catequista havia explicado às crianças que a Aids era a justa punição criada por Deus para prostitutas e homossexuais. Matteo havia ficado em silêncio, sentindo-se como o leproso, condenado só por aquilo que era".

O Kairòs conta com 40 pessoas, entre homens e mulheres, que são chamados pelas comunidades cristãs, pelas escolas e pelas paróquias a levar o seu testemunho. Muitos, conclui Pontillo, "depois dos encontros, nos dizem: confrontando-se com vocês, podem ser derrubados muitos preconceitos inúteis".

Testemunhos também com vídeos: no YouTube, Dario, Caterina, Bernardo, Natascia, Andrea, Alessandra, cristãos homossexuais relatam porque irão para o Europride [festa europeia do orgulho gay] de junho em Roma (informações em www.gionata.org).

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* O Pe. Maggi refere-se ao fato de que os textos bíblicos foram escritos num período da história em que não se reconhecia a existência de pessoas com uma orientação sexual específica e permanente para outros do mesmo sexo. As referências encontradas na Bíblia, portanto, são a atos homossexuais de indivíduos tidos como heterossexuais - como todos então. Tais atos eram tidos como condenáveis não pela homossexualidade em si, mas pelo contexto em que aconteciam. Você encontra mais informações aqui e no filme Assim me diz a Bíblia.

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