sábado, 19 de novembro de 2011

O papel dos leigos e leigas cristãos em um período de crise da fé


Diante de "tempos radicalmente novos", como os leigos e leigas cristãos se posicionam e vivem a sua fé, em diálogo com a sociedade civil? Para nos ajudar a responder a essa pergunta, a IHU On-Line entrevistou o teólogo leigo italiano Christian Albini, ativo participante da Igreja diocesana de Crema, na região da Lombardia, na Itália, e autor de diversos livros e de um blog em que publica diversas reflexões religiosas.

Para Albini, uma mudança estrutural da Igreja é inevitável. "O catolicismo europeu correspondia a um ambiente totalmente cristão, em que o outro, o diferente, estava do lado de fora. Na Igreja planetária, ao invés, a convivência com a alteridade é a norma. A cristandade passou", afirma.

É a partir dessa perspectiva que Albini analisa, nesta entrevista concedida por e-mail, a questão da pedofilia, do sacerdócio e da formação sacerdotal para o século XXI, das novas questões teológicas e de figuras centrais na vida da Igreja italiana, como o cardeal emérito de Milão, capital da Lombardia, Carlo Maria Martini, e do recém criado cardeal Gianfranco Ravasi, que trabalhou durante muitos anos com Martini.

Nesta entrevista, Albini analisa o futuro da Igreja Católica a partir do ponto de vista de um leigo. Por isso, afirma, "é necessário desenvolver uma reflexão sobre a sinodalidade como participação de todo fiel na vida da Igreja e, portanto, também dos processos decisórios". Sem uma elaboração desse tipo, defende, "teremos uma Igreja clerical, em que o papel da hierarquia irá continuar sendo concebido na perspectiva do poder e não do serviço".

"Como leigo, todas as perspectivas que a minha Igreja me colocou à disposição consistiam em 'dar uma mão' em atividades projetadas e geridas pelo clero. Não! Não é possível! Se somos todos batizados, se somos povo sacerdotal, se recebemos o mesmo Espírito em uma Igreja-comunhão, é absurdo que à maior parte de nós não seja reconhecida uma identidade, ministérios, carismas", resume.

Christian Albini, nascido em 1973, em Crema, na Itália, é casado e pai de dois filhos. É formado em Ciências Políticas pela Università degli Studi di Milano e licenciado em Ciências Religiosas pelo Istituto di Corso Venezia. É membro da Associação Teológica Italiana. Na diocese de Crema, é membro da presidência do Conselho Pastoral e colabora com a Cáritas, a pastoral familiar e o Centro Diocesano de Espiritualidade. Na comunidade paroquial de San Giacomo, faz parte de um grupo de famílias e atua em um Centro di Ascolto delle Povertà. Autor de livros e artigos sobre temas teológicos, espirituais e filosóficos, Albini fez parte da redação da revista Aggiornamenti Sociali. Hoje, também mantém o blog
Sperare per Tutti. É cofundador do Centro Viandanti.

Confira a entrevista, aqui reproduzida via IHU, com grifos nossos.


IHU On-Line – Como o senhor analisa a conjuntura da Igreja Católica no fim desta primeira década do século XXI? Que “sinais dos tempos” podem ser destacados nesse período dentro da vida da Igreja?
Christian Albini –
Em 1974, o missionólogo Walbert Bühlman falava de uma “Terceira Igreja às portas”, defendendo que o centro geográfico e vital do cristianismo está se deslocando, como já ocorreu no passado. Se, no primeiro milênio, foi prevalente o cristianismo oriental, no segundo a presença cristã caracterizou mais o mundo ocidental. Bühlman, a partir das tendências demográficas e dos sinais de vitalidade das diversas igrejas locais, defendia que o século XXI seria caracterizado por um ulterior recentramento rumo ao hemisfério Sul do planeta.

Hoje, nós chegamos aí! A Igreja Católica já é uma realidade planetária cujo centro de gravidade está se tornando os continentes que eram, tempos atrás, colônias ocidentais, como explicou nas suas obras o historiador e sociólogo Philip Jenkins. Em 1900, dois terços dos 270 milhões de católicos se encontravam na Europa. Hoje, os fiéis europeus são menos do que um quarto dos cerca de 1,2 bilhão de católicos. Em 2050, serão apenas 15%, muitos dos quais imigrados da África, da Ásia e da América Latina. É uma mudança se precedentes, da qual é impossível prever as consequências.

A cúpula da hierarquia parece querer controlar essa mudança, mantendo os arranjos até agora em curso. Basta pensar no último consistório, em que o número dos cardeais italianos (10 em 24 nomeações) é um dado fora da história. Além disso, os eclesiásticos que cobrem os postos de maior responsabilidade, no Vaticano como nas várias igrejas nacionais, são quase sempre aqueles mais alinhados com a visão da Cúria Romana, razão pela qual bispos nascidos na Índia ou na Bolívia pensam como em Roma. Na base, muda tudo, mas na cúpula não se toca em nada. É uma ilusão! Uma mudança também estrutural da Igreja é inevitável.

Seguramente, o catolicismo perderá aquela uniformidade que o caracterizou no segundo milênio. Não haverá mais um mundo católico definido e circunscrito (a Europa) com um único centro (Roma). O catolicismo que herdamos do passado é totalmente interno a um mesmo paradigma teológico, litúrgico, espiritual e jurídico, que se estruturou na Idade Média e depois com o Concílio de Trento, em resposta ao “desafio” protestante, que surgiu do encontro do cristianismo com a civilização greco-romana. O enraizamento da Igreja Católica em outros ambientes e em outras culturas, não assemelháveis entre si, suscitará novas germinações, novas histórias e tradições. Decairá um paradigma dominante, mas coexistirá uma pluralidade de variáveis da identidade católica (africana, asiática, europeia, latino-americana…). Irão se separar, indo cada uma pelo seu próprio caminho? Irão se influenciar e se enriquecer mutuamente? Eu espero esse segundo cenário, com uma articulação das teologias, das liturgias, das espiritualidades, das normas.

Será um catolicismo menos autocentrado. O catolicismo europeu correspondia a um ambiente totalmente cristão, em que o outro, o diferente, estava do lado de fora. Na Igreja planetária, ao invés, a convivência com a alteridade é a norma. A cristandade passou. É uma situação que me parece mais próxima daquela da Igreja das origens, diversificada no seu interior e misturada com outros sujeitos. Considero-a mais adaptada a responder aos desafios da pós-modernidade, na qual um cristianismo homogêneo e monolítico poderia resistir só como seita, como fortaleza assediada que, ao seu redor, só vê inimigos. Seria um fundamentalismo residual. E seria uma traição da universalidade do Evangelho, cuja semente está presente em todo ser humano, em todo povo, em toda cultura. Nós cremos em um Deus de seres humanos, um Deus que se encarna na história e nos encontra no nosso “aqui e agora”.

IHU On-Line – Um dos cardeais que mais se destacou como defensor das propostas do Vaticano II e de um diálogo mais profundo entre modernidade e Igreja foi Carlo Maria Martini. Como o senhor avalia a sua importância e o seu impacto na Igreja italiana e também mundial?
Christian Albini –
Carlo Maria Martini é indubitavelmente um dos homens da Igreja ao qual é reconhecida uma autoridade moral maior, mais em razão da sua mensagem do que do seu papel institucional. Não por acaso ele está entre os autores católicos mais lidos em nível mundial. O seu mérito foi o de pôr em primeiro plano alguns elementos fundamentais: o primado da Palavra de Deus, com base no qual o texto bíblico, estudado segundo as descobertas da exegese histórico-crítica e assimilado na oração, é o ponto central da vida cristã e de todo discurso pastoral ou espiritual; a adoção de uma perspectiva contemplativa em que o cristianismo não é vivido como ideologia, como código moral ou como identificação com uma instituição religiosa, mas como encontro com o Senhor Ressuscitado que suscita comunhão; a escolha de ouvir, a despeito do julgar e do repartir ensinamentos caídos do céu, que torna possíveis a confiança e o encontro.

Esses conteúdos foram comunicados adotando uma linguagem simples e acessível, diferentemente de uma certa terminologia eclesial que a maioria não compreende, e um estilo humilde e manso, que propõe mas não se impõe. Tudo isso lhe permitiu dialogar e anunciar a esperança cristã a 360 graus, dialogando com não crentes ou crentes de outras denominações.

Em Milão, a Igreja de Martini não se fechou nos recintos sagrados, esteve presente, mas não invasiva, nas situações cruciais vividas pela cidade: o terrorismo, o secularismo, a corrupção política e a perda dos valores morais. Também graças a ele, a comunidade cristã soube ser um sinal e um ponto de referência.

Não sou capaz de quantificar a sua influência, mas certamente não é de se ignorar. O fato é que, pelo menos na Itália, instaurou-se uma situação de fato pela qual a comunicação pública da Igreja é fortemente condicionada pela cúpula da Conferência Episcopal, razão pela qual os bispos tendem a não se expor e têm poucas margens de intervenção em primeira pessoa sobre as questões “ardentes”. Dou um exemplo. Há pouco tempo, em uma diocese do norte da Itália, um bispo havia aceitado confrontar-se em um debate público com um homem político, conhecido pelas suas posições críticas com relação ao recente magistério católico em matéria de bioética. De Roma, chegou-lhe a indicação de delegar um outro, porque a sua simples presença, independentemente do que dissesse, poderia soar como uma implícita legitimação do interlocutor!

É difícil, em um contexto desses, avaliar o seguimento de Martini, ao qual sua aposentadoria concedeu um posterior espaço de liberdade. Pense-se no livro-entrevista "Diálogos Noturnos em Jerusalém", que foi um grande sucesso. Neste período, prevalece um estilo de presença na sociedade que é o oposto do que foi praticado por Martini, razão pela qual aqueles que gostariam de seguir o seu exemplo continuam, por assim dizer, “sob proteção”.

Apesar disso, a sua influência está presente em muitos documentos importantes do episcopado italiano que são frutos de uma elaboração coletiva. As orientações pastorais nacionais para a próxima década, "Educare alla vita buona del Vangelo", também são marcados por uma importante carta pastoral que Martini havia dedicado profeticamente ao tema educativo há mais de 20 anos ("Dio educa il suo popolo"). Isso quer dizer que diversos bispos fazem referência a ele!

IHU On-Line – Qual é o significado de fundo da crise da pedofilia vivida pela Igreja nos últimos anos? Como o senhor analisa a resposta do Vaticano e que consequências futuras isso pode trazer para a Igreja em geral?
Christian Albini –
No meu entendimento, os episódios ligados à pedofilia demonstram que uma formação dos sacerdotes que aponte unicamente ao aspecto intelectual, à adesão à doutrina e ao magistério da Igreja, a uma espiritualidade formalística, é insuficiente. Não me convencem as explicações que apontam o dedo contra o laxismo [permissividade, licenciosidade] em matéria de moral e de sexualidade que teria se afirmado depois do Concílio e depois de 1968.

Os casos de pedofilia se referem a uma orientação fortemente tradicionalista, como demonstram os casos do ex-arcebispo de Vienna, Groër, e do fundador dos Legionários de Cristo, Marcial Maciel. A questão é a formação humana dos sacerdotes, a atenção à dimensão psicológica dos sacerdotes, a atenção à dimensão psicológica, a educação a uma espiritualidade que não seja devocionalística, mas que favoreça o conhecimento de si mesmo e o discernimento.

Entre os padres, conheci muitas personalidades não resolvidas, desequilibradas, cuja escolha de vida levou mais a uma carência do que a um crescimento interior. As problemáticas ligadas à sexualidade, que absolutamente não me parecem diminuir, são só um aspecto da questão que se manifesta muito mais frequentemente em atitudes de autoritarismo e de aridez afetiva, ou na exibição de um “Eu” ideal, o qual não correspondeu ao “Eu” real, em uma espécie de desdobramento esquizofrênico.

Há também pessoas maravilhosas, que são autênticas testemunhas da fé, mas a minha sensação é de que elas souberam enfrentar melhor suas próprias fragilidades, com as quais todos nós devemos acertar as contas ao longo de toda a vida, não graças à instituição, mas graças a um percurso interior próprio.

Sobre a resposta do Vaticano, acredito que se deva distinguir entre os casos do passado, em que prevalecia a tendência a encobrir, e os mais recentes, em que se adotou um maior rigor. Considero, no entanto, que muitas avaliações poderão ser feitas adequadamente só historicamente, porque agora é muito difícil distinguir entre os fatos objetivos e o sensacionalismo alimentado por muitos meios de comunicação. Toda essa crise pode ser, para o clero católico, a ocasião para uma profunda revisão, a menos que não se ceda à tentação de enfiar a cabeça na areia. Não basta localizar os pedófilos e intervir. Se se cai no erro de pensar que tudo se resolve tirando as maçãs podres do cesto, não se vê a mentalidade e as práticas que favoreceram indiretamente essas situações. O cardeal Lehmann alertou para o fato de atribuir exclusivamente ao indivíduo pecador as falhas da Igreja, que é o modo de pensar que favoreceu as piores práticas de encobrimento. E Timothy Radcliffe, com maior franqueza, afirmou que a crise da sexualidade entre os padres está ligada ao poder e ao modo em que o poder funciona em todos os níveis na Igreja. A partir dessa consciência, se deveria dar início a um sério exame.

IHU On-Line – Como o senhor analisa a questão do sacerdócio hoje? Que papel os sacerdotes devem ter na Igreja contemporânea e que tendências o senhor percebe para o futuro do sacerdócio?
Christian Albini –
Diante da crise do sacerdócio, tenta-se inverter a tendência, repropondo a centralidade do padre na comunidade e reafirmando uma dignidade sua superior à dos outros fiéis enquanto mediador e representante de Cristo. Apesar disso, há a exigência, por causa da queda numérica dos sacerdotes, da maturação de uma reflexão pastoral com relação ao se pensar um padre “na” comunidade e não “na cúpula” da comunidade.

Claramente, é uma linha sem perspectivas. É verdade que, em números absolutos, os padres do mundo aumentam, mas menos do que o número dos batizados segundo as tendências demográficas. Na Europa, depois, a situação é de verdadeira escassez de vocações. O seminário da minha diocese contava com 21 estudantes nas várias classes de 1970, enquanto hoje tem seis. Há Igrejas locais que “importam” sacerdotes do exterior, frequentemente com grandes problemas de integração. É um modo de puxar um cobertor que se encurta.

Uma vez saídos dos seminários, depois, muitos jovens padres se defrontam com contextos em que a imagem ideal que formaram no seminário e que se encontra em tantos pronunciamentos oficiais não procede. A carga de trabalho é anormal, enquanto os poucos ordenados devem multiplicar os cargos para suprir a diminuição dos padres. É inevitável, se o padre continuar sendo considerado aquele que deve fazer de tudo um pouco.

Além disso, em um tempo de secularismo, o seu status social desceu muito de nível, assim como os êxitos da atividade pastoral são frequentemente decepcionantes. Por isso, então, há padres que vivem incomodados com o próprio ministério. Acabam desenvolvendo verdadeiras formas de mal-estar psicológico. Outros, ao invés, se refugiam na bolha do tradicionalismo, para a qual a conformidade a um certo modelo de sacerdócio torna-se a fonte das gratificações que faltam em outros lugares. O fato de se vestirem de um certo modo, de celebrar de um certo modo, de se ater a certos esquemas morais e doutrinais torna-se uma forma da qual o padre pode obter uma espécie de autossatisfação. É o amparo oferecido, em tempos de incerteza, pelas identidades fortes e rígidas que não se deixam colocar em discussão.

Acredito que o caminho a ser tomado pelos sacerdotes não é o de reforçar a autoridade do seu próprio papel, mas de se orientar a um ministério de paternidade espiritual, de oração, de anúncio da Palavra. O padre não deveria ser o “proprietário” da paróquia, mas aquele que, em uma comunidade, sustenta, compartilha, estimula, encoraja. Um sacerdote amigo me dizia que uma pessoa lhe fez refletir ao lhe dizer: “Não vim ao seu encontro, mesmo que quisesse falar com o senhor sobre o meu problema, porque eu tinha medo de perturbá-lo”. É um episódio que o fez refletir. O seu povo o percebia mais como um homem do “fazer”, comprometido em mil atividades, do que como uma presença a qual podia se aproximar confiante.

A minha convicção é de que o padre irá encontrar o seu caminho na Igreja de amanhã só junto aos leigos. Não o padre sozinho ou o leigo sozinho, mas juntos, confrontando-se, colaborando, compartilhando. Em uma diversidade de carismas, mas em um plano de paridade e de complementaridade, saindo das relações de poder que muito frequentemente prevalecem na Igreja. Se se der esse passo, se perfilará um novo rosto da Igreja, mais confiável na nossa sociedade.

IHU On-Line – Que tendências teológicas o senhor percebe que estão ganhando força no cenário mundial? Que novas questões estão surgindo no debate teológico?
Christian Albini –
Nesse âmbito, também estamos atravessando uma transição de êxitos imprevisíveis. O século XX foi um dos séculos de maior riqueza para a teologia em toda a história cristã, com grandes novidades e figuras de estatura gigantesca. Há, portanto, uma herança teológica do século XX que ainda deve ser assimilada integralmente.

Além disso, tratava-se de uma teologia, pelas razões que indiquei na minha primeira resposta, fundamentalmente eurocêntrica, com a única exceção parcial na teologia da libertação. Teremos a verdadeira novidade do século XXI com a emergência de teologias próprias dos outros continentes, que não se limitam a se mover no tabuleiro de xadrez fornecido pelas faculdades romanas. São teologias ainda em incubação, porque, neste momento, têm um porte circunscrito, sem um impacto sobre a Igreja universal.

No século XX, ainda, os teólogos tiveram um papel de estímulo à renovação, de endereçamento e de presença no debate público que hoje perderam, em grande parte, pelo menos na Igreja Católica. Muitos procedimentos disciplinares e documentos magisteriais redimensionaram e frearam a pesquisa teológica. Não faltam estudiosos de valor, mas não surgem com a força que tiveram figuras como De Lubac, Rahner ou Von Balthasar. Entre os italianos, lembro-me de Alberto Cozzi, Paolo Gamberini, Marcello Neri, Serena Noceti, Giovanni Cesare Pagazzi…

Diante de tempos radicalmente novos, a teologia avançou em territórios anteriormente inexplorados. Quando são ultrapassadas fronteiras, é preciso ousar, correr riscos, arriscar. Esse impulso foi freado pela preocupação, também compartilhável, de perder a herança da tradição. É uma exigência que se poderia, no entanto, realizar de um modo diferente! A consequência dessa freada é que a reflexão teológica hoje permanece confinada aos ambientes acadêmicos e está ausente no debate público.

De todos os modos, acredito que, na teologia de hoje, há “canteiros abertos”, nos quais os trabalhos devem prosseguir: o pluralismo religioso, as novas fronteiras da ética (bioética, ética sexual, ética ambiental...), a laicidade e a democracia, a pós-modernidade, a justiça social no contexto da globalização, a relação com a ciência, a dimensão feminina, o aprofundamento da comunhão para ir rumo a uma Igreja menos clerical. São todos capítulos enormes.

Gostaria de indicar algumas pistas ao longo das quais estou me movendo na minha pesquisa pessoal. Sobretudo, considero que se deva trabalhar muito sobre o léxico da teologia. Se eu tivesse que indicar um projeto de pesquisa coletivo para os jovens teólogos, seria o de um novo léxico. De um lado, porque muitos conceitos tradicionais não dizem nada para a cultura contemporânea; por exemplo, termos como sacramento, graça, dogma... É preciso reexpressá-los e reapresentá-los, como também sugeria João XXIII na abertura do Concílio Vaticano II.

Por outro lado, o pensamento moderno e contemporâneo produziu conceitos novos, que não pertencem à linguagem teológica e que, de fato, não encontram lugar nos dicionários e nos manuais. A teologia não pode, porém, se permitir ignorá-los, se não quiser permanecer insignificante para o homem e a mulher de hoje. Pelo contrário, deveria assumi-los e oferecer uma contribuição a respeito, em uma perspectiva cristã. Penso em conceitos como diálogo, democracia, identidade (o que vai tocar em inumeráveis questões, pense-se em toda a questão da sexualidade...).

Uma outra pista de trabalho, que pode parecer um pouco “fora de moda”, é a recuperação de uma teologia sapiencial como na tradição monástica. Com a afirmação da teologia como ciência acadêmica, uma passagem estudada por Chenu, passou-se para o segundo plano a dimensão mais propriamente espiritual do discurso teológico em favor da racional. Essa escolha ajudou a teologia cristã a estar “dentro” da cultura ocidental do segundo milênio, uma cultura marcada pelo racionalismo científico e filosófico, mas, no longo prazo, também a empobreceu.

A crítica ateia da religião, creio, se desenvolveu no Ocidente até porque fez perder de vista outras dimensões da busca humana da verdade, até chegar a uma razão que menospreza a fé. Não se pode renunciar à razão, naturalmente. Mas apontar exclusivamente a ela – como o magistério também parece fazer, com os apelos à natureza –, dissolve a diferença cristã e corre o risco de se tornar contraproducente. De qual razão se fala, visto que, de fato, existem diversos paradigmas de racionalidade, nenhum dos quais pode ser canonizado como de autoridade? O fracasso do projeto iluminista está justamente na insustentabilidade da ideia de uma razão “absoluta”. Quando Bento XVI deseja uma ampliação do conceito de racionalidade, isso não pode não comportar uma recuperação do específico do dado espiritual ao qual toda autêntica racionalidade não pode não se abrir pelo menos como eventualidade, como possibilidade.

Por fim, para o futuro da Igreja Católica, acho que é necessário desenvolver uma reflexão sobre a sinodalidade como participação de todo fiel na vida da Igreja e, portanto, também dos processos decisórios. Sem uma elaboração desse tipo, que quer dizer a recuperação de um patrimônio que remonta aos primeiros séculos cristãos, teremos uma Igreja clerical, em que o papel da hierarquia irá continuar sendo concebido na perspectiva do poder e não do serviço, desmentindo, de fato, a realidade eucarística e comunional da Igreja.

IHU On-Line – Como o senhor vê o papel dos leigos e leigas na vida da Igreja e na teologia de hoje? Pessoalmente, como o senhor procura viver o seu laicato em sua Igreja local?
Christian Albini –
O que eu já disse sobre a complementaridade entre padres e leigos e sobre a sinodalidade constitui a minha ideia de fundo. Por outro lado, a realidade me parece muitas vezes distante disso. Os leigos são bons só quando estão alinhados, quando cantam no coro, e é a hierarquia que dá a partitura e que rege.

No pós-Concílio, na Itália, tivemos figuras de leigos que se destacavam pela sua autoridade moral. Penso em Carlo Carretto, Giorgio La Pira, Giuseppe Lazzati… Pessoas que tinham uma voz própria e que sabiam distinguir entre aquilo que pertence à essência da fé e aquilo que é opinável. Hoje, não temos mais figuras desse tipo, porque os espaços para tomar a palavra se reduziram na Igreja Católica. Procurou-se resolver a questão do laicato com os movimentos, segundo a tendência de ver nestes últimos o futuro da Igreja. Como dizendo: para os leigos, existem os movimentos; se quiserem um lugar, é ali. Os movimentos, com a sua solidez interna e sua fidelidade à hierarquia, conquistaram poder, dentro e fora da Igreja, mas não resolveram os problemas pastorais postos pelo secularismo. E, enquanto isso, os leigos não homologados aos movimentos passaram para a marginalidade, mesmo que tudo não seja imóvel. No espaço da internet, por exemplo, estão aumentando os lugares de confronto e de livre expressão.

Como vejo a contribuição que os leigos podem dar? Deus, como ocorreu em Jesus, se encarna sempre em uma história, com os seus lugares, a sua língua, os seus sabores, as suas situações. E nós somos tempo, somos história. Deus, então, toma forma em nós fazendo-se presente nos nossos lugares, línguas, sabores e situações... A história de um leigo cristão, com a sua vivência familiar, civil, laboral evidentemente não é a mesma de um ordenado! Vivendo a experiência do matrimônio, do trabalho, dos lugares da convivência cotidiana, o leigo é portador de um ponto de vista, na teologia e na pastoral, sem o qual se constroem castelos de areia e sem o qual a fé fala por fórmulas, mas não na vida. Hoje, a Igreja Católica paga as consequências de um atraso nesse sentido.

Pessoalmente, cresci com um pároco que foi, na minha diocese, um dos protagonistas do período conciliar e me acostumei a ver a Igreja não como um “assunto de padres”. Além disso, ele me ensinou que o cristão não é alguém que confia ingenuamente em respostas pré-preparadas por outros. Comecei, tocado pela sua abertura mental, a me interessar primeiro pela filosofia e depois pela teologia. Queria entender, ir até o fundo, dar-me conta pessoalmente se a mensagem cristã verdadeiramente era uma mensagem universal ou, ao invés, uma superstição anacrônica.

Para mim, a fé sempre teve uma dimensão muito forte de dúvida, de busca, ousaria dizer de luta. Apesar de todas as minhas objeções e as minhas quedas, o rosto do Senhor crucificado e ressuscitado entrevisto na oração sempre foi, para mim, no fim, mais persuasivo do que todo o resto. O discernimento me levou a me sentir chamado ao matrimônio, mas continuei estudando teologia, e foi um percurso difícil. Na Itália, não existem faculdades teológicas nas universidades estatais. Para um leigo, é mais difícil estudar teologia, porque não garante nenhuma renda. Para levar adiante a escolha familiar e as exigências trabalhistas, tive que me limitar a um magistério em ciências religiosas, sem poder me dedicar aos estudos acadêmicos em teologia.

Continuando as minhas pesquisas, acima de tudo como autodidata, comecei a escrever e a publicar. Fui aceito – talvez um caso mais único do que raro – na Associação Teológica Italiana, justamente pelas publicações que consegui produzir, mesmo sem possuir títulos acadêmicos. Há alguns anos, busco me comunicar com um público mais vasto por meio de um blog bastante seguido. Participo nas atividades da minha Igreja local em nível tanto paroquial quanto diocesano, principalmente no setor caritativo. Sou, enfim, um cristão de paróquia comum, que não pertence a nenhuma realidade associativa e que busca dar uma contribuição com seu próprio empenho e com suas próprias reflexões. Parece-me que é uma contribuição apreciada, visto que é exigida por várias partes, dentre as quais vocês, com esta entrevista.

Mas, há uma nota fora do tom. É um caminho que eu construí um pouco sozinho, por tentativa e erro, e que não seguiu uma trajetória linear, definitiva. Como leigo, todas as perspectivas que a minha Igreja me colocou à disposição consistiam em “dar uma mão” em atividades projetadas e geridas pelo clero. Não! Não é possível! Aqui, não se trata de fazer reivindicações para o desejo de contar, de ter um pouco de poder. Se somos todos batizados, se somos povo sacerdotal, se recebemos o mesmo Espírito em uma Igreja-comunhão, é absurdo que à maior parte de nós não seja reconhecida uma identidade, ministérios, carismas. Eu não quero substituir o padre. Desejo que os padres existam. Mas também desejo encontrar o lugar que o Senhor pensou para mim na comunidade cristã e na sua missão. Acredito, de fato, que uma Igreja hierárquica, no sentido do poder e não da comunhão e do serviço, é uma invenção humana que trai o Evangelho e a autêntica tradição da Igreja, dos apóstolos ao Vaticano II.

“Encontrar o meu lugar” – é importante dizer – não significa só um “fazer” em sentido ativístico. Significa também encontrar a dimensão espiritual que me pertence. Muito frequentemente, a Igreja é um lugar de iniciativas mais do que de encontro com Deus, onde talvez se ensina ao leigo uma doutrina ou uma ética, mas não se ouve a Palavra dentro da sua própria vida. Talvez, a crise da fé do Ocidente depende também do fato de que a Igreja anuncia e pratica um cristianismo “manco”.

Portanto, considero que é responsabilidade dos leigos e dos padres que compartilham essa intuição ativar-se juntos para dar-lhe impulso e difundi-la nas paróquias e nas dioceses. Estamos fazendo isso, em pequena escala, em Crema e procuramos fazer isso em escala maior com o Centro Viandanti, do qual eu sou um dos fundadores, que está começando a somar as colaborações de grupos do Centro-Norte da Itália.

(...)

IHU On-Line – Qual a sua opinião sobre a presença dos cristãos, particularmente católicos, na vida social e política da Europa hoje?
Christian Albini – Nos últimos 15 anos, na Itália, os expoentes mais influentes da hierarquia fizeram a escolha de intervir diretamente no jogo político, fazendo pedidos aos partidos mais complacentes e tentando se atribuir uma espécie de papel de “religião civil”. Como se isso pudesse substituir e compensar a secularização!

Depois, tentou-se fazer da Itália um modelo a ser seguido. É uma estratégia que, no curto prazo, recompensa, mas, em longo prazo, torna a Igreja menos confiável, ao mesmo tempo em que a fazer parecer como um ator em um jogo de poder.

Além disso, enquanto o magistério deveria dar indicações de fundo, houve intervenções que visavam sustentar ou combater procedimentos e soluções legislativas particulares, fazendo-as tornar-se quase como novos “dogmas” e instrumentalizando o conceito problemático dos “valores inegociáveis”. Tudo isso levou a alianças com as áreas políticas que mais se prestavam ao jogo, em troca de um apoio não declarado, mas que, de fato, existiu. E quando se essas alianças se fortalecem, perde-se a liberdade de ser crítico e profético... Por isso a afonia de tantos bispos e leigos, para os quais ou se alinhavam ou eram cortados dos canais da comunicação eclesial, como ocorreu com tantos.

Considero que a presença cristã na vida pública é significativa não se a Igreja adquirir influência, mas se testemunhar com sua própria ação aquilo que anuncia e souber dialogar com todas as partes políticas, não para negociar trocas, mas para se confrontar sobre valores. Fazendo críticas, mas reconhecendo também o positivo de cada área e de cada projeto. Não uma Igreja que se une a uma parte para contar mais, mas uma Igreja que está em relação com todos para ser fermento na massa.

Cabe, depois, aos católicos que optam pelo compromisso político, com base em suas capacidades, em sua autoridade moral, assumir a responsabilidade, sem receber “ordens de escuderia”, de decidir como dar concretude às suas próprias convicções e, portanto, quais soluções legislativas e de governo buscar.

IHU On-Line – Que cenários futuros da Igreja o senhor percebe para o confronto ou o diálogo com a contemporaneidade?
Christian Albini –
É um discurso muito vasto. Muito sinteticamente, vejo a pós-modernidade como a decadência de uma perspectiva única e unitária na sociedade. Acabou a civilização cristã e não há um outro paradigma que a substitua, mas sim uma coexistência de visões de mundo diversas. A única moldura comum é dada pela economia de mercado e pelas relações consumistas que ela institui. Pluralismo e consumismo constituem um duplo desafio para a Igreja, diferente de todos os da história passada. As estratégias no campo político, sobre as quais falava antes, parecem-se ser a tentativa de conservar uma hegemonia já decadente. Por isso, são necessariamente perdedoras, além de não evangélicas.

Ao desafio do consumismo, responde-se só com um testemunho de caridade e de gratuidade, partindo dos últimos, injetando anticorpos no sistema, edificando comunidades alternativas em que vale a fraternidade e não a utilidade. A nossa pastoral ainda é excessivamente centrada na maximização da participação nos sacramentos, como se se tratasse de “distribuir” a maior quantidade possível deles. Os sacramentos são o ponto de partida, ao qual se dedica a maior parte das energias, enquanto deveriam ser o ponto de chegada. Os cristãos se comportam exatamente como todos os outros, e muitos vão à missa, como se fosse um acréscimo. Pelo contrário, a missa deveria ser a fonte e o cume de um estilo de vida de seguimento do Evangelho nos momentos e nos lugares da convivência cotidiana. Toda a vida do fiel deveria testemunhar uma diferença cristã que nasce da oração e da escuta da Palavra.

Ao desafio do pluralismo, muito semelhante às origens da história cristã, se responde não com a competição com as outras crenças e visões de mundo, mas sim com a capacidade de localizar nelas a presença do Espírito. É preciso um cristianismo capaz de aprender, capaz de se deixar enriquecer pelos outros. Um cristianismo assim, que sabe dialogar sem renunciar à sua própria identidade, torna-se capaz de testemunhar aos outros que, no Evangelho, as suas riquezas encontram cumprimento. Não busca assimilá-las, mas abre com elas um canal de troca, confiando unicamente na força da Palavra.

Uma figura que, em muitos aspectos, me pareceu estar próxima dessa posição é a de Raimon Panikkar. Reconheço-me nesta sua afirmação: “A Trindade é a experiência extraordinária, concreta e particularmente, de uma visão que existe na estrutura do ser humano”. A Trindade presente, embora desconhecida, em tudo e em todos. Nesse caminho, a Igreja Católica continuará sendo universal até no pluralismo, senão pode se estagnar longamente em um desvio sectário. Depende de todos nós...

(Por Moisés Sbardelotto)

2 comentários:

Pedro disse...

Cheguei ao final!
Fenomenal...!

Equipe Diversidade Católica disse...

Sabia que você ia gostar, Pedrinho! :-)

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