quarta-feira, 15 de junho de 2011

É o batismo que une a Igreja

Female face of humanity: David Trood

"O batismo une a Igreja, não a ordenação", afirmou o teólogo e escritor Anthony T. Padovano aos mais de 1.800 católicos de espírito reformista reunidos nos dias 10-12 de junho no Cobo Hall de Detroit, nos EUA.

A reportagem é de Jerry Filteau, publicada no sítio National Catholic Reporter, 11-06-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto, aqui reproduzida via IHU com grifos nossos.

Dirigindo-se ao encontro nacional inaugural do Conselho Católico Norte-Americano no dia 11 de junho, ele disse: "O papa não unifica ou santifica a Igreja ou a torna católica ou apostólica. Essa é a obra do Espírito e da comunidade. O papa é um sinal institucional de uma unidade já alcançada pelos fiéis. O papa não cria uma comunidade de fiéis, nem valida os batismos, nem faz com que a Eucaristia ocorra".

Padovano foi o primeiro presidente da Corpus, uma organização originalmente formada para buscar o retorno dos padres casados ao ministério, mas que agora defende o "ministério inclusivo", ou seja, também a ordenação de mulheres.

A maior parte do seu discurso centrou-se no fato de que as mudanças na história da Igreja, a necessidade dessa mudança e como o sensus fidelium, o sentimento dos fiéis, assim como as crenças e as práticas da Igreja muitas vezes precederam o reconhecimento por parte das autoridades da Igreja de que a mudança era necessária.

"Esse consenso dos fiéis nunca é válido se é forçado", disse. "Em um sistema totalitário, a força é um fator para a criação de complacência. Em uma comunidade de fé, o consentimento deve ser livre".

"A Igreja aprendeu, no início de sua história, que o Espírito é mais bem discernido em comunidade, nos conselhos, nos sínodos. Assim, a aceitação dos gentios não era confiável para a Igreja no ano 35 e mesmo assim tornou-se doutrina no ano 50 no Concílio de Jerusalém", afirmou.

"Em nossa época", acrescentou, "vemos que as mulheres padres não eram uma opção confiável para a comunidade há um século e agora parece ser um imperativo. O ecumenismo era impensável para os católicos em geral em 1865 e tornou-se um ensinamento conciliar em 1965. Uma celebração de comunhão liderada pelos leigos era proibida em 1935 e foi promovida em 1995".

"O que fez a diferença?", perguntou. "A comunidade e a sua experiência com os gentios, ou com as mulheres, ou com os protestantes, ou com os leigos esclarecidos. O Espírito levou a comunidade a aceitar o que os administradores da Igreja antes denunciavam".

Estruturas magisteriais
"Há três estruturas de magistério ou de ensino na Igreja: a episcopal (papal), a teológica e a comunitária", disse Padovano.

"O ensino é formalmente expresso pelo magistério episcopal", acrescentou, mas "esse ensino não é autêntico e não pode ser considerado infalível a menos que um verdadeiro diálogo entre bispos e teólogos e a comunidade em geral seja uma parte substancial dele".

Ele citou o beato cardeal John Henry Newman: "O corpo dos fiéis e seu consenso é a voz da Igreja infalível". "Seguindo o exemplo de Newman, uma doutrina não acolhida não é infalível. A infalibilidade do ensino depende da infalibilidade em acreditar e em acolher, e não o contrário", disse.

Aplicando isso à recepção dos ensinamentos do Concílio Vaticano II, ele comentou: "A comunidade afirmou os grandes temas desse Concílio: colegialidade, renovação litúrgica e bíblica, ecumenismo, liberdade religiosa e de consciência. A turbulência dos últimos 50 anos não foi causada pela resistência ao Concílio, mas sim pelo seu desejo de implementar o Concílio e de fazer isso mesmo quando os administradores da Igreja resistem aos seus esforços".

Novamente citando Newman ao afirmar que a verdade "é a filha do tempo", Padovano disse: "O sensus fidelium pode acolher uma doutrina em uma era e rejeitá-la em outra, não porque os fiéis são frívolos, mas porque sentem a emergência de novas circunstâncias, muitas vezes antes do que os administradores da Igreja".

"Assim, o celibato obrigatório pode fazer sentido em um século, mas não no outro", e as mudanças no tempo, na cultura ou nas circunstâncias podem igualmente mudar o que os fiéis acreditam com relação a questões como as mulheres padres, o controle de natalidade ou a separação Igreja-Estado, afirmou.

Se as autoridades da Igreja estivessem mais em sintonia com o sentimento dos fiéis nos últimos 50 anos, argumentou Padovano, o ensino da Igreja agora seria diferente com relação ao controle da natalidade, ao sacerdócio casado, à ordenação de mulheres, às relações entre pessoas do mesmo sexo, à unidade ecumênica, à crise dos abusos sexuais por parte do clero, e "à responsabilidade fiscal e à má administração hierárquica".

Lei civil x Lei da Igreja
Ele também dedicou parte da sua conferência à diferença entre a lei civil e a lei da Igreja, "que está mais próxima da teologia do que da jurisprudência", observando que a Igreja "oficialmente permite a ilegalidade".

Entre os exemplos, ele citou a recusa das Igrejas Católicas orientais a aceitar o celibato obrigatório e o fato de que "os bispos, até mesmo o bispo de Roma, não concordaram" com o Código de Direito Canônico de 1917 que ordenou que toda diocese realizasse um Sínodo a cada 10 anos.

Quando o Papa João XXIII, em 1962, ordenou que todos os cursos de seminário fossem ensinados em latim, praticamente todos os seminários ignoraram isso, porque muitos dos seus professores não podiam falar essa língua, e muitos alunos não conseguiam entendê-la, e "Roma permitiu que o costume contrário prevalecesse" sobre a ordem papal, disse.

"O fato de jejuar um tempo antes de receber a Comunhão é ignorado. Quando comer carne nas sextas-feiras era proibido, os países católicos da Europa simplesmente não cumpriam a lei, e ela foi alterada", comentou.

O princípio de que, "na Igreja, a lei não é válida a menos que seja aceita pela comunidade" remonta a Santo Agostinho, há 16 séculos, disse.

Ele observou que o cânone final no Código de Direito Canônico, que rege todo o resto, diz que "a salvação das almas (...) é sempre a lei suprema da Igreja". Esse cânone mostra que a intenção fundamental de toda a lei da Igreja "é a espiritualidade ao invés da complacência", afirmou.

Pedindo um maior reconhecimento hierárquico de que a fé da Igreja "não é confiada a uns poucos, mas sim a todo o povo de Deus", Padovano disse: "Quando perdemos de vista as palavras de Lucas de que o Pentecostes era para 'todos', criamos não uma Igreja do Pentecostes, mas sim uma Igreja sem Pentecostes, que tem um lugar para a hierarquia, mas não para o povo de Deus".

"Por que quereríamos tal Igreja?", questionou. "É evidente que Cristo não a quereria. Nem nós".

O Conselho Católico Norte-Americano, formado há três anos para fazer avançar a reforma na Igreja, convocou o encontro em Detroit em um esforço para desenvolver uma agenda de reformas e para reverter o que os seus líderes – e praticamente todos os seus participantes – veem como um programa sustentado, com os Papas João Paulo II e Bento XVI e muitos bispos dos EUA nomeados por eles, para reverter muitas das reformas do Vaticano II.

Para saber mais, leia também:
Hans Küng pede revolução pacífica contra absolutismo romano

Um comentário:

Rafa disse...

Muito, muito bom! Como bem dizia Jesus: "Quem tem ouvidos para ouvir, ouça"

Bj

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