terça-feira, 25 de outubro de 2011

A boa alma carnavalesca da Parada

Foto via Gay1

Carnavalizaram a Parada. E que bom! Depois que Mikhail Bakhtin me explicou alguns conceitos, vejo a carnavalização com muito bons olhos e um grande sorriso de contentamento. Explicou-me Bakhtin que a carnavalização é essencialmente transgressora, subversiva e me mostrou a força de transformação política, social e cultural que há nisso. Com ele aprendi que o carnaval abarca todos, sem discriminação, sem limites, sem rótulos, que o carnaval horizontaliza, inclui. Descobri que o carnaval não pode ser confinado nem controlado: ele toma de assalto os espaços públicos, não segue regras nem respeita manuais de comportamento. Não cerceia, não cala, não amarra. O contrário disso: liberta, iguala, dá voz. Não há marginalização no carnaval, todos são trazidos para o centro da cena, inclusive quem no dia a dia vive à margem. O que fica calado, sufocado e castrado pela censura da cultura oficial, que dita o que é permitido e aceitável, toma conta do cenário. O bizarro, o diferente, o que não é tolerado frente à normatividade se torna o senhor do espetáculo, tem elevada sua auto-estima e adquire outra perspectiva de mundo. E é por tudo isso que não cabe a acusação de alienação no carnaval, pois ele não é pensado, ele é vivido. Não se reflete sobre novos modos de ver ou de viver, a experiência é concreta, é sensorial. A vida é vista e vivida de outra forma, uma forma radicalmente nova e revolucionária, pois não é apenas o modo de ver e viver que é novo, a própria inserção social adquire novos contornos e nada é mais revolucionário que isso, que essa transgressão: a vivência, na prática, da superação do cotidiano opressor.

A carnavalização promove metamorfoses, transexualidades, excentricidades, superação de limites. Masculino e feminino se misturam e se reinventam. Masculino e feminino não são suficientes. Enquadramentos não dão conta da tamanha diversidade, pluralidade e transgressão. Travestis, transexuais, lésbicas, gays e bissexuais ultrapassam o que se espera dos gêneros – nas roupas, nas vozes, nos modos de ser e agir. A tudo subvertemos. O mundo fica às avessas, caem as fronteiras entre o sagrado e o profano, entre o sublime e o vulgar. Não há mais obediência à ordem pré-estabelecida. Desejos são permitidos e liberados. Recorrendo à fantasia, à máscara ou ao desnudamento de modos, de roupas e de mascaramentos, todos podem revelar sua identidade mais legítima. A Parada é uma grande catarse coletiva. E isso, claro, é uma afronta aos moralistas, aos conservadores. E daí a importância do caráter carnavalesco da Parada: a livre expressão, o não-controle, o organismo vivo que cresce e se movimenta por si mesmo. Multifacetado, polifônico, polissêmico - liberto.

No carnaval, nenhum excesso é demais. Nenhuma transgressão ultrapassa os limites. A carnavalização reinventa modos de ser e estar no mundo. E aí é que o aspecto carnavalesco da parada é redentor. Nada é erro, nada é desvirtuante. Somos todos apenas seres humanos em busca da felicidade. Por isso mesmo é que apavoramos, assustamos, inibimos e agredimos os moralistas, os conservadores, os homofóbicos. Quanto mais nos mostramos, dançamos, gritamos, festejamos e não nos enquadramos em seus paradigmas, mais desafiamos a sociedade hipócrita e homofóbica que nos quer cercear o espaço, nos controlar o movimento, nos privar a sexualidade e nos tornar invisíveis. Nós quebramos tabus. Nosso carnaval viola o que é socialmente aceito, o que é comum, desloca significados, faz a vida adquirir outra configuração. Vamos às ruas e subvertemos a ordem imposta, vivenciando livremente sentimentos considerados pecaminosos e passíveis de punição.

Estando em grupo e à luz a do dia, imagine o inferno que vive aquele conservador tacanho, aquele moralista atrofiado, ao ver tanta gente na rua, à luz do dia, cantando e dançando, feliz, celebrando a vida e o amor que eles tanto querem e se esforçam para sufocar. Deve ser muito penoso. Por isso usam de toda artimanha para internalizarmos o moralismo que apregoam. Portanto, reflita bem sobre isso, reflita mesmo, preste atenção para não fazer o jogo do inimigo, não carregue o opressor dentro de si, não reproduza o seu discurso, deixe que os outros vivam o que desejam e precisam viver. Muitos não sabem o quanto podem ser felizes, o quanto podem ser livres, nem o quanto podem ter de apoio, muito menos quantos somos. Muitos se sentem absolutamente solitários e oprimidos e outros tantos terminam por achar que não há saída. A Parada mostra que ninguém está só, que há lugar para todos e que a vida é possível. Quantos se lembram da sensação de descobrir que não estava só e do que isso significou? Então, relaxe e deixe que a Parada tenha suas funções política, cultural e social. Ou faça muito melhor: não relaxe! Corra e participe da maior quantidade de Paradas e manifestações que você puder e participe ativamente de grandes transformações: subverta, transgrida, revolucione!

- Ivone Pita
Reproduzido via Gay1

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