Ilustração: Penpho
"É verdade que Deus nos torna capazes de perdoar, porque outros o testemunharam; mas, ao mesmo tempo, ele é incapaz de perdoar sem nós. Mesmo sendo divino, o perdão continua sendo humano, no sentido de que ele nunca é fácil de oferecer e de acolher. Requer muito esforço, vontade, renúncias, sacrifícios, generosidade e sobretudo muito amor"
A reflexão é de Raymond Gravel, sacerdote do Quebec, Canadá, publicada no sítio Les Reflexions de Raymond Gravel, 08-09-2011, comentando a leitura do Evangelho do 24º Domingo do Tempo Comum.
A tradução é de Moisés Sbardelotto, aqui reproduzida via IHU, com grifos nossos.
Eis o texto.
No discurso sobre a Igreja do evangelho de Mateus e sobre as relações entre discípulos, na semana passada tínhamos um convite à misericórdia para com aquele ou aquela que rompe a unidade da comunidade, e hoje temos um convite ao perdão ilimitado e incondicional para com aquele ou aquela que nos fere.
1. O Perdão: uma necessidade humana e cristã
Pedro pergunta: "Senhor, quantas vezes devo perdoar o meu irmão que peca contra mim? Sete vezes?" (Mt 18, 21). No primeiro século, rabinos judeus tinham legislado em matéria de perdão; haviam chegado à conclusão de que se podia perdoar a mesma pessoa por três vezes, mas, na quarta ofensa, era preciso se tornar mais severo.
Pedro, querendo mostrar a sua boa vontade, sugere sete vezes, o número perfeito... Mas a resposta do Cristo do Evangelho vai muito além: "Não te digo até sete vezes, mas até setenta vezes sete" (Mt 18, 22). Portanto, o perdão cristão deve ser ilimitado e incondicional. Não há mais lugar para a vingança, o rancor, a cólera.
Ben Sirac, o Sábio, ainda no Antigo Testamento, reconhecia que o rancor e a cólera eram uma abominação que não resolvia nada, mas cuja obstinação criava situações ainda piores do que a ofensa que havia sido feita: "Cólera e furor são ambos execráveis; o homem pecador os alimenta em si mesmo" (Eclo 27, 33). O exemplo mais evidente que temos hoje é a situação entre Israel e Palestina. Mas, atenção! Isso não significa que não devemos buscar a justiça. É preciso fazer de tudo para restaurar a justiça. Mas não se deve fazer isso com rancor, cólera e vingança.
Mas por que Ben Sirac acrescenta: "Aquele que quer vingar sofrerá a vingança do Senhor" (Eclo 28, 1)? Deus seria rancoroso e vingativo? Não, eu não acredito nisso. As afirmações do Sábio reconhecem simplesmente a nossa responsabilidade diante do perdão. Se somos incapazes de perdoar, como podemos implorar o perdão de Deus para nós? "Um homem guarda rancor contra outro homem, e pede a Deus a sua cura!?" (Eclo 28, 3). Não é Deus que recusa o perdão; somos nós os incapazes de acolhê-lo. Porque, para acolhê-lo, é preciso ser capaz de oferecê-lo.
Essa é a nossa responsabilidade diante do perdão. É um pouco como dizia o evangelista Mateus na semana passada: "Tudo o que ligardes sobre a terra será ligado no céu, e tudo o que desligardes sobre a terra será também desligado no céu" (Mt 18, 18). A nossa missão consiste em libertar as pessoas, desligá-las, mas, como nós não temos a capacidade de fazê-lo, Deus não pode fazê-lo em nosso lugar.
2. Um perdão a oferecer e a acolher
O perdão não pode ser acolhido se não for sobretudo oferecido. Esse é o sentido da parábola de hoje, no Evangelho de Mateus, que quer ilustrar o sentido do perdão e a grandeza do perdão cristão. O montante de dinheiro devido pelo servo ao qual o patrão pede as contas, 10 mil talentos ou 60 milhões de moedas de prata (Mt 18, 24) é tão enorme e desproporcional que é impensável reembolsar uma tal quantia. Está além de toda compreensão; seriam necessárias centenas de anos de trabalho para consegui-la.
Porém, o rei da parábola, Deus, se deixa enternecer pelo homem que chega até a fazer com que ele acredite que poderá ser reembolsado: "Dá-me um prazo, e eu te pagarei tudo!" (Mt 18, 26). "Cheio de compaixão [comovido até as entranhas], o senhor o deixou ir embora e perdoou-lhe a dívida" (Mt 18, 27).
Essa primeira parte da parábola quer mostrar a grande generosidade de Deus, a grandeza e a gratuidade do seu perdão para todos nós, seus servos. Se Cristo nos mostra a grandeza e a gratuidade do perdão de Deus é oferecido e acolhido, é para nos convidar a fazer o mesmo com os outros. Mas eis que o próprio servo se dirige ao irmão, a um companheiro que lhe deve apenas 100 moedas de prata, uma soma ridícula com relação à sua dívida. E se recusa a oferecer o perdão que lhe foi oferecido tão generosamente: "Mas, sem nada querer ouvir, este homem o fez lançar na prisão, até que tivesse pago sua dívida" (Mt 18,30).
Nesse ponto, se assiste a uma inversão da situação, uma mudança na atitude do rei: "Servo mau, eu te perdoei toda a dívida porque me suplicaste. Não devias também tu compadecer-te de teu companheiro de serviço, como eu tive piedade de ti?" (Mt 18, 32-33). Pode-se ver uma vingança da parte de Deus, ofendido pela atitude do servo, ou se pode ver um ensinamento sobre a justiça retributiva, que uma certa teologia continua promovendo na Igreja.
Não acredito que se possa fazer uma tal leitura da parábola. Acredito, ao contrário, que a parábola nos convida a revelar o rosto misericordioso de Deus, como Jesus de Nazaré soube fazer na sua vida até a morte na cruz: "Pai, perdoa-lhes; porque não sabem o que fazem" (Lc 23, 34). Porque, se Deus se revela na história humana, mediante as mulheres e os homens da história, ele só pode ser o que se diz sobre ele. Por isso, ele assume o rosto que lhe damos, a partir do que nós somos.
Em outras palavras, é verdade que Deus nos torna capazes de perdoar, porque outros o testemunharam; mas, ao mesmo tempo, ele é incapaz de perdoar sem nós. Não é isso, talvez, o que dizemos no Pai Nosso: "Perdoai-nos as nossas ofensas assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido" (Mt 6, 12)? Não nos esqueçamos, sobretudo, que a misericórdia não dispensa o restabelecimento da justiça, mas não se trata de uma justiça retributiva com relação a Deus. A justiça se aplica entre nós: "Com a medida com que tiverdes medido, também vós sereis medidos" (Mt 7, 2), ou também "Tudo o que quereis que os homens vos façam, fazei-o vós a eles" (Mt 7, 12).
3. O perdão divino
Pode-se até dizer que o perdão humano também é divino, no sentido de que nos permite superar o reflexo humano da vingança, do rancor, da violência, do mal pelo mal. O perdão anula a lei do talião, a justiça retributiva. O perdão nos faz superar a nós mesmos: "Se amais somente os que vos amam, que recompensa tereis? Não fazem assim os próprios publicanos?" (Mt 5, 46).
Mas, ao mesmo tempo, mesmo sendo divino, o perdão continua sendo humano, no sentido de que ele nunca é fácil de oferecer e de acolher. Requer muito esforço, vontade, renúncias, sacrifícios, generosidade e sobretudo muito amor. Além disso, quando se sabe até que ponto o perdão liberta e dá novamente a vida, tanto àquele que o acolher, quanto àquele que o oferece, é lá que o humano toca o divino e torna todos os perdões possíveis.
Para terminar, o perdão não é esquecer a ofensa que foi feita, como se se pudesse fazer com que o passado não tivesse acontecido; o perdão é um compromisso para o futuro. A esse respeito, gostaria de lhes propor a reflexão do padre Jacques Sommet, ex-deportado a Dachau, que escreve:
"Um perdão verdadeiro é algo muito difícil, porque somos habitados pelo nosso próprio passado, fixados pelas cicatrizes recebidas ou pelas feridas que foram causadas; é como uma espécie de morte. A inimizade e o ódio não continuam sendo, talvez, realidades entre as mais duradouras da história pessoal e coletiva? Cristo, com a sua paixão, oferece a graça de uma fraternidade renovada... Ele mesmo está em atitude de perdão... A sua paixão é, de certo modo, um perdão realizado antes de ser uma palavra... Perdoar é fazer com que, lá onde haja ferida e injustiça, haja abertura de si e do outro à descoberta da grandeza do dom de Deus, uma abertura que passa justamente pela consciência das feridas que um faz ao outro. E quando isso é possível, vemos então uma promessa e uma esperança, lá, onde, caso contrário, estaríamos encurralados no desespero".
Leituras:
Eclo 27,33-28,9
Sl 103 (102)
Rm 14,7-9
Mt 18,21-35
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