Ilustração: Kareena Zerefos
Meu filho se chama Marina. Ou pelo menos, é assim que ele gosta de ser chamado na maior parte do tempo. Ninguém sabe o motivo da escolha do nome, ou a razão da rejeição pelo nome que seu pai e eu lhe demos, o fato é que se um estranho lhe pergunta “Qual é o seu nome?”, a resposta é invariavelmente “Marina”.
Antes de ser Marina, ele fora Yellow, Blue Meanie, leãozinho, Pato Fu, e uma infinidade de nomes que não me recordo no momento. Depois de Marina, ele eventualmente se transforma em Sonequita, Denguinho, Pocoyo… Certa vez, entre sorrisos amarelos, justifiquei que a escolha do nome Marina viria de uma personagem de desenho animado, quando ele me olhou, inquisitivo. Não, não era esse o motivo. Marina era ele, não era uma personagem. Mas liderado pelo desconforto causado pela resposta, vez ou outra ele completa “É Marina por causa do Peixonauta.”
Pergunto-lhe se não gosta de seu nome – Benjamin. Nome bonito, que papai e eu escolhemos. Não gosta, quer bater no Benjamin. Benjamin foi embora, jogou-se no mar. Benjamin atravessou a rua sem a mamãe. Em outra palavra, a qual ele ainda não consegue captar o significado, Benjamin morreu. E ele, quem é? É Marina.
Se eu disser que nunca me preocupei com isso, estarei mentindo. Quando a fase do nome Marina passou da primeira semana, uma luz se acendeu eu minha cabeça. Yellow durara bastante, mas havia um motivo explicável para isso, ao contrário de Marina, que surgira do nada. Mas o bicho pegou quando ele respondeu para outra pessoa que seu nome era Marina, Yellow nunca havia respondido isso. A questão é que nos importamos sempre com o que os outros pensam, pois o julgamento alheio é fermento para quaisquer conflitos internos que possamos ter.
Perguntei a duas psicólogas de correntes diferentes, e ambas responderam que era natural. Perguntei à coordenadora pedagógica da escola, que não viu nenhum problema. Tentei relaxar, mas sempre sinto uma contração involuntária de vergonha quando ele fala em vídeo para milhares de leitoras que seu nome é Marina. Certa vez, em um centro de compras, Marina pediu que lhe alugasse um carrinho especial. Estávamos de férias, sem nada para fazer ali, cedi. Marina queria o carro verde do Palmeiras? Não, Marina pediu o carro cor-de-rosa. A funcionária me olhou chocada: eu deixaria tal transgressão ocorrer? Mas rosa é de menina, ela ainda arriscou. Nem foi ouvida por ele, embora tenha sido por mim. Então Marina passeou no shopping no carrinho cor-de-rosa.
É curioso que eu tenha ficado extremamente revoltada com o comentário da moça do shopping de que rosa era para meninas. Não, respondi, não é para meninas. Você pode usar a cor que quiser. No entanto, me contorço com a escolha de nome. Mas Marina é nome de menina, arrisco eu. Marina é o nome da sua coleguinha da escola, é o nome da nossa vizinha. A Marina do Peixonauta é menina também. E o Benjamin, é menino ou menina? É Marina.
Meu filho tem 2 anos e 4 meses. Ele não tem distinção de sexo, e nunca foi ensinado a diferenciar brinquedos de meninos ou meninas. Brinca de bonecas, brinca de cozinha, mas troca tudo por um carrinho. Com sua familinha de pano, ainda não se identifica com o menininho, ou a menininha. Ele permanece sendo o bebê, de sexo neutro. Meu filho gosta de colocar colares e pulseiras cor-de-rosa, e gosta também do relógio do papai. Meu filho é uma criança normal, e refrear qualquer impulso natural dele é transformar isso em um bloqueio que ricocheteará daqui a alguns anos em forma de frustração e negação do que ele possa vir a ser: hetero, homo, trans. Chamar-se de Marina não vai causar isso, e certamente não mudará sua orientação.
Então, meu filho se chama Marina.
- Nanda, no blog Mamíferas
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*O título do post é uma cópia descarada de um artigo da revista Mothering, que pode ser ouvido em áudio (inglês) aqui. Esse artigo, juntamente com outros da revista Mothering, foi um dos que me fez perceber que não há problema algum em meu filho se chamar Marina às vezes, e até quando ele quiser. Tweet
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