sexta-feira, 18 de janeiro de 2013
Acentuem o lado positivo
Depoimento de um participante da Missa no Soho, em Londres
Os católicos gays estão se preparando para transferir suas atividades pastorais de uma igreja do centro de Londres para outra por ordem do arcebispo Vincent Nichols. Embora não tenham permissão de preparar a missa no novo local, um de seus organizadores diz que eles estão esperançosos em relação à mudança.
O artigo é de Mark Dowd, membro do Conselho Pastoral das Missas no Soho, e foi publicado na revista The Tablet, 12-01-2013. A tradução é de Luís Marcos Sander.
Eis o texto.
“Viver é mudar, e ser perfeito é ter mudado com frequência.” Esta famosa máxima do Cardeal Newman merece uma reflexão especial nesta época por parte dos membros da comunidade de Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgêneros (LGBT) das missas no Soho. No início na Quaresma, tudo será mudança na Igreja de Nossa Senhora da Assunção e São Gregório, no Soho. O arcebispo Vincent Nichols, que durante muito tempo tinha apoiado as missas do Soho, anunciou planos de incorporar a comunidade LGBT a meia milha de distância, em Mayfair, aos jesuítas da Farm Street, que é seu mais recente destino em uma breve e turbulenta história de 13 anos de duração. O espaço que ficou vago será passado aos ex-anglicanos do Ordinariato de Nossa Senhora de Walsingham.
As missas na Diocese de Westminster que acolhiam católicos LGBT, seus pais, famílias e amigos, começaram em abril de 1999, no domingo subsequente ao ataque a bomba contra o Admiral Duncan na Old Compton Street – um prédio público frequentado por membros da comunidade LGBT – que deixou três mortos e 70 feridos.
Essas primeiras liturgias foram celebradas no Convento dos Ajudantes das Santas Almas, a norte do Regent’s Park, e eu era um dos frequentadores regulares.
Durante muitos anos, meus amigos gays tinham me dito que eu odiava a mim mesmo e jamais seria aceito numa Igreja que ensinava que o próprio fato de ser gay era, nas palavras do Magistério, uma “desordem objetiva” (Homosexualitatis problema, 1986). Aqui havia uma prova de que o futuro poderia ser diferente. Dois anos mais tarde, quando o convento fechou, a florescente comunidade encontrou um outro “espaço seguro” de acolhida na Igreja Anglicana de Santa Ana, no Soho. Sacerdotes católicos romanos celebravam a missa lá, um fato que, às vezes, aborrecia o Cardeal Cormac Murphy-O’Connor, mas nenhuma medida foi tomada contra eles, apesar de, do ponto de vista técnico, estarem infringindo o direito canônico. À medida que o número de frequentadores aumentava, ele e seus assessores começaram a perceber o mérito de “regularizar” essa crescente comunidade eucarística. Por volta de 2006, iniciaram-se conversas sigilosas entre representantes das missas no Soho e da Arquidiocese de Westminster.
É instrutivo contrapor aquelas conversas, que implicavam negociações e consultas genuínas, à forma como foi feito o anúncio da semana passada. Elas duraram seis meses e incluíram alguns membros do mais alto escalão da Congregação para a Doutrina da Fé (CDF), que passaram um pente fino em muitos dos documentos que faziam parte do processo. Entretanto, por mais estranho que pareça agora, Roma efetivamente concordou com a providência referente à assistência pastoral prestada pelas missas do Soho.
A declaração de fevereiro de 2007 feita pela arquidiocese, que originou as liturgias da Warwick Street, continha uma grande ressalva, a saber, que “a celebração da missa não deve ser usada para fazer campanha em favor de qualquer mudança ou ambiguidade no ensino da Igreja”. Depois de frequentar durante quase seis anos as missas no Soho, posso ser sincero e garantir que isso foi observado o tempo todo. É ligeiramente inadequado que a liturgia tenha se tornado conhecida como “missa gay”, porque contei inúmeras ocasiões em que visitantes participaram dela absolutamente sem saber quem nós éramos e gostaram muitíssimo das nossas celebrações eucarísticas. Muitas vezes, era só depois, no andar de baixo, tomando uma xícara de chá com um biscoito, que a natureza do nosso grupo ficava clara para eles. E isso nunca teve qualquer importância. Muitas vezes, eles só comentavam sobre a qualidade da música e sobre o canto incomumente alto vindo de uma congregação católica.
Como é bem sabido agora, um número muito pequeno de católicos conservadores bombardearam a hierarquia com cartas. Eles tinham três queixas principais. Em primeiro lugar, que corríamos o perigo de estabelecer um gueto, quando nosso lugar era em nossas paróquias. A missa acontece duas vezes por mês, e a verdade é que muitos dos seus frequentadores também participam ativamente das suas paróquias locais, a tal ponto de que, às vezes, eles frequentavam a missa duas vezes nos domingos em que havia celebração no Soho. Uma segunda reclamação era que nós tínhamos um número muito pequeno de membros que tinham uma união civil, de modo que nós tínhamos nos tornado, nas palavras de um bloqueio ultramontano, uma “agência de marcação de encontros”.
A maioria dos católicos que conheço não têm o hábito de perguntar onde dormem seus irmãos e irmãs na fé. Nem em sonho eu perguntaria a um casal recém-casado, enquanto eles se encaminhavam para receber a comunhão, se praticavam controle da natalidade. O que tem incomodado a muitos de nós é que querem, de alguma forma, que prestemos contas especiais simplesmente porque, por acaso, temos uma orientação diferente. No verão de 2010, perguntei ao Arcebispo Nichols, num programa da Rádio BBC 4, a respeito da acusação de que muitos frequentadores das missas no Soho poderiam ser comungantes indignos. Sinceramente, fiquei surpreso com a veemência de sua resposta. Enfatizando a primazia da consciência, ele me disse que “qualquer pessoa de fora que esteja tentando emitir um juízo sobre as pessoas que vão à comunhão realmente deveriam aprender a se calar”.
Outras objeções se centraram em nossas orações de súplica ou intercessão, com alegações de que elas foram usadas como um instrumento para contestar o ensino da Igreja. Como leitor regular na missa, sei o que se passa lá e o que não. Num ambiente tão delicado, nós nunca correríamos riscos por dar um passo em falso. O que fizemos efetivamente foi rezar pelo fim da homofobia na Igreja e além dela, que é um objetivo inteiramente em consonância com o ensinamento da própria Igreja. Ouçamos mais uma vez Homosexualitatis problema (§ 10): “É de se deplorar firmemente que as pessoas homossexuais tenham sido e sejam ainda hoje objeto de expressões malévolas e de ações violentas. Semelhantes comportamentos merecem a condenação dos pastores da Igreja, onde quer que aconteçam.”
A admoestação do arcebispo acerca do “calar-se” incomodou muito os nossos oponentes, mas ele manteve seu apoio. Recentemente, ainda em fevereiro do ano passado, quando as missas passaram por um processo de revisão, ele disse: “Ao nos aproximarmos do 5º aniversário do estabelecimento de uma providência pastoral para os católicos de orientação dirigida a pessoas do mesmo sexo na Igreja de Nossa Senhora da Assunção, gostaria de reafirmar a intenção e finalidade dessa iniciativa missionária.”
Mas as cartas dos blogueiros ultraconservadores continuaram entrando, e, em outubro de 2012, eles acharam que tinham, na pessoa de Gerhard Ludwig Müller, um novo prefeito na CDF mais afinado com a visão de mundo deles.
Grande parte da cobertura da imprensa tem sugerido que Westminster agora capitulou a Roma, mas será que isso é tão simples assim? Talvez nunca venhamos a saber que palavras foram trocadas em privado no final do outono de 2012, mas vale a pena reafirmar o que o arcebispo não fez. Ele não aboliu o Conselho Pastoral das Missas no Soho que organizava as missas na Warwick Street. Não disse qualquer palavra condenatória sobre as missas ou nosso comportamento.
Além disso, em sua declaração da semana passada, ele reiterou que o Conselho deve continuar sendo o veículo diocesano de cura pastoral para os católicos LGBT. Essa necessidade agora é maior do que nunca, e é essencial que ela continue. O número de pessoas que vêm à nossa comunidade continua a aumentar (180 estiveram presentes na Festa da Epifania). De importância especial é a chegada de católicos gays ugandenses, que fugiram de um país em que há ameaças de punir a homossexualidade com a morte. Conosco eles encontraram calor humano e aceitação. Sem o nosso status público claro e inequívoco, será realmente provável que eles poderiam ter chegado a Londres e relatado seus mais profundos temores em sua primeira visita a uma paróquia típica? Podemos ter 100% de certeza de que eles teriam recebido uma acolhida marcada por simpatia?
Há mais, muito mais, dessa história para contar. Não se pode negar que diversos membros nossos se sentem magoados e traídos por perderem “seu lar”, e pode ser que percamos alguns deles. Realmente espero que isso não ocorra. Também estamos possivelmente sujeitos a perder parte de nossa autonomia litúrgica. Há muita coisa a ser negociada.
Mas, ao passarmos para a Farm Street, não haverá alguns aspectos positivos? Estaremos atuando sob os auspícios de jesuítas acolhedores, e não estaremos mais tão estreitamente vinculados ao esquema da arquidiocese, que se preocupa constantemente com a supervisão de Roma. Daremos a uma das mais famosas igrejas da Inglaterra um conjunto maravilhoso de leitores, ministros da Eucaristia e músicos (quatro organistas, pela última contagem). E o que talvez seja o mais importante é que a mudança irá desafiar nossa própria percepção do que é “igreja”. Será um apego a um simples prédio feito de tijolos e argamassa? Ou um chamado a testemunhar como corpo fisicamente presente de Cristo – um sinal profético de contradição integrado num contexto católico mais pleno?
Nós jamais sonharíamos em sancionar missas para católicos canhotos. Em um mundo futuro, em que a minha orientação não seja vista como “desordenada”, em que jovens homens e mulheres não sejam mais ameaçados e tirem sua própria vida por serem “diferentes”, gays e héteros se misturarão invisivelmente sem que sobrancelhas sejam franzidas. Será que os primeiros vislumbres desse mundo aparecerão em nosso novo lar jesuíta na missa das 18h15min? Será isso o que o astutamente pragmático arcebispo pretende?
Ele prometeu estar conosco no dia 3 de março quando de nossa primeira Eucaristia em Mayfair. Essa pode ser uma boa ocasião para perguntar a ele.
Fonte: UNISINOS
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