sábado, 17 de setembro de 2011

A batalha contra a doutrina do pecado


Quando nasceu o pecado original? Com Adão e Eva, com a serpente e a maçã: essa seria a resposta quase unânime de uma pesquisa improvável, confortada por séculos de encantamento iconográfico nas telas de Masaccio, Tintoretto, Michelangelo, Rubens e milhares de outros.

Sobre como Adão chegou até nós, as respostas não estariam tão de acordo: por transmissão biológica, por descendência, pela metafísica do ser e da natureza. Até a explícita admissão do Catecismo da Igreja Católica, no parágrafo 404: "a transmissão do pecado original é um mistério que nós não podemos compreender plenamente".

A data exata do seu nascimento é 397 d.C., quando Agostinho de Hipona escreveu um livro intitulado De diversis quaestionibus ad Simplicianum, em que começa a definir aquela que será, nos séculos vindouros, a teoria bem-sucedida do pecado original, que, como se sabe, se entrelaçará profundamente com o pensamento ocidental. Os temas da queda, da culpa, do mal, da salvação e da redenção, da liberdade individual, do mal de viver, todos têm um apoio sobre a serpente, a maçã e, sobretudo, sobre a pérfida Eva, equilibrada pela perfeita Maria, imaculada, ou seja, sem pecado original.

"Teoria da verdadeira civilização. Não está no gás, nem no vapor, nem nas mesas giratórias. Está na diminuição dos vestígios do pecado original", escrevia Charles Baudelaire, um teólogo não de segunda linha. No seu tempo, no entanto, Kant já havia visto as suas óbvias contradições, e Paul Ricoeur, em 1969, em um ensaio que fez história, escreveu: "Jamais se dirá o suficiente quanto mal fez ao cristianismo a interpretação literal – se deveria dizer 'historicista' – do mito de Adão. Ela o fez cair na profissão de uma história absurda e em especulações pseudorracionais sobre a transmissão biológica de uma culpabilidade quase jurídica pelo erro de um outro homem, expulso para longe na noite dos tempos, não se sabe bem para onde, entre o Pithecanthropus e o homem de Neandertal. Ao mesmo tempo, o tesouro escondido do símbolo adâmico foi desperdiçado".

Pecado original ou bênção original? Essa pergunta é respondida, sem papas na língua, por Matthew Fox, um nome que não deve ser confundido com o intérprete principal da série de televisão de grande sucesso Lost. O nosso Matthew Fox é um ex-dominicano norte-americano, agora episcopaliano, ou melhor, "padre pós-denominações", como ele gosta de se definir, que, em 1983, escreveu um volumoso best-seller de 400 páginas intitulado Bênção Original, agora traduzido para o italiano como In principio era la gioia ("No princípio era a alegria"), em sua terceira edição (introdução de Vito Mancuso, tradução Gianluigi Gugliermetto, Ed. Fazi, 2011, 428 páginas).

O dominicano teve que enfrentar, em 1988, a Congregação para a Doutrina da Fé, presidida pelo prefeito cardeal Joseph Ratzinger, sobretudo pelas atividades e teorias elaboradas pelo Instituto de Espiritualidade da Criação, fundado por Fox. Em 1993, ele foi expulso da ordem.

No livro, Fox inverte o paradigma: "A religião no Ocidente deve abandonar o modelo exclusivista de queda e redenção […], modelo dualista e patriarcal, cuja teologia inicia com o pecado e com o pecado original, e termina normalmente com a redenção […] e não ensina nada sobre a Nova Criação ou sobre a criatividade, sobre a construção da justiça e da transformação social, ou sobre o eros, o prazer e o Deus da alegria. Ela não consegue ensinar o amor pela Terra ou o cuidado pelo Universo, e é assim assustada pela paixão que não consegue ouvir o grito dolorido dos anawim, dos pequenos da história humana".

Esse é, substancialmente, o interessante programa do livro, habilmente sintetizado, além disso, em um apêndice de quatro páginas, em que os dois paradigmas são contrapostos em uma tabela de duas colunas.

Fox consegue bem, embora de modo rapsódico, destacar a importância que a doutrina do pecado original teve na constituição da consciência ocidental: um ser humano marcado pelo pecado e pela vergonha e, por isso, incapaz de decidir o que é melhor para ele e para os outros, sempre à espera de uma autoridade que lho diga e que pratique o bem em seu lugar e, talvez, contra ele. Uma autoridade sacerdotal ou política, tanto faz.

Mas a estratégia da Fox não é exclusivamente centrada em demonstrar que o conceito de pecado original é um falso saber, como diria Ricoeur, mas é sobretudo voltada a elaborar uma summa de espiritualidade alternativa para a construção de um mundo pacificado, onde o pecado, original ou não, seja apenas um resíduo.

Os caminhos a serem percorridos por Fox são: Via positiva (alegria, hospitalidade cósmica, maravilha), Via negativa (deixar-se levar, silêncio, escuridão), Via criativa (criatividade, Deus como mãe), Via transformadora (justiça, compaixão, interdependência). Cada uma totalmente ilustrada e aprofundada em uma trama de iluminações estrepitosas e de banalidade desarmantes, a ponto de desorientarem assim que nos distanciamos um pouco do tom sempre cativante do texto.

A primeira impressão é que a Fox, apesar de todas as sacrossantas batalhas contra a Igreja faraônica, permaneceu enredado, no entanto, nas suas milenares práticas retóricas. O modo narrativo de In principio era la gioia é muito semelhante à tradicional, e antiquada, apologética católica, que, reunindo e liquefazendo citações da Bíblia, dos Padres da Igreja, dos santos e dos papas, pontificava sobre qualquer assunto.

A forma de fazer com o que leitor salte da citação de um psicanalista a uma do profeta Isaías, de uma feminista dos nossos dias a Francisco de Assis, passando por Gandhi, Pablo Casals e Tomás de Aquino, dá bem uma ideia de bricolagem que subjaz à escrita de Fox e que constitui ao seu código argumentativo.

Para fugir da rígida geometria da teologia "masculina", Fox parece cair um pouco demais na evocação indiferenciada e barroca das belas palavras deste ou daquela, como um pregador qualquer do século XVII. O que reforça essa perplexidade de leitura é o uso desenvolto que Fox faz de duas figuras eminentes da mística e do pensamento ocidental, Hildegard von Bingen e Meister Eckhart. O seu objetivo é mostrar uma outra genealogia de uma renovada espiritualidade contemporânea, revelando um pensamento cristão escondido, muitas vezes censurado, senão até abertamente condenado pelos letais tribunais eclesiásticos.

Na busca de fontes não esgotadas, Fox não é tão sutil. Ele toma dos dois aquilo que lhe serve, destoricizando tanto Hildegard quanto Eckhart. À primeira, ele também dedicou um livro, Illuminations of Hildegard, que diz muito sobre Matthew Fox, mas pouco de Hildegard abadessa de Rupertsberg, escritora, filósofa, naturalista, linguista, curandeira, poeta e compositora.

Ele faz de Eckhart um perfeito distribuidor automático de belas frases e de belos pensamentos, descontextualizado e avulso, seja das influências recebidas – são importantíssimas as islâmicas –, seja dos inquietantes influxos exercidos sobre o pensamento alemão posterior.

Um livro não de uma única cor; exuberante e vigoroso, para ser lido e discutido, não para ser adorado.

- Claudio Canal
Publicado originalmente no jornal Il Manifesto, 29-07-2011. Tradução de Moisés Sbardelotto, reproduzida via IHU.

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