Para entender que vídeo é este, veja, abaixo,
o segundo comentário de Conceição Lemes.
Esse caso do veto do Ministério da Saúde ao vídeo direcionado ao público gay da campanha de prevenção às DST-Aids para o Carnaval 2012 tem dado pano pra manga, e com razão. Em meio a boatos, equívocos, desmentidos e "mentidos" do Ministério da Saúde, fizemos um breve levantamento do que se está dizendo por aí.
E, por favor, não deixe de ler o comentário de Beto Volpe, que deixamos lá para o final.
"As campanhas do Ministério da Saúde procuram destacar as especificidades daqueles segmentos da população que se encontram mais expostos ao HIV e dar holofote à vulnerabilidade provocada pelo preconceito e pela negação de seus direitos. Assim, já estiveram em destaque as mulheres, a população negra, as pessoas idosas, as jovens, entre outros.
Como faz habitualmente, ainda no final de 2011, o Ministério constituiu um grupo de trabalho composto por especialistas em prevenção, técnicos em comunicação, representantes da sociedade civil, dos jovens e do movimento gay, que acertaram qual seria o segmento prioritário e as estratégias de comunicação.
Decidiu-se por uma campanha que fosse clara o bastante sem ser vulgar, em que os jovens gays se enxergassem sem estereótipos, que falasse de camisinha, da necessidade de portá-la e de não se esquecer de usá-la. Era importante tomar cuidado com os atores e sua interpretação para não haver dúvidas de que eram gays e que a relação deles chegaria à necessidade do preservativo.
Com essas orientações, abriu-se um processo de licitação em que 12 propostas criativas foram analisadas antes da escolha final. A partir daí, o Ministério realizou dez grupos focais com jovens, gays e heteros, onde se ajustaram detalhes da criação e se fizeram recomendações e alertas.
Não é a primeira vez que os jovens gays são alvos da campanha da Aids. O Ministério da Saúde já produziu filmes que contemplavam os gays em 2007 e 2010, sempre dividindo o foco principal com outros jovens.
Lamentavelmente, quase ninguém viu esses filmes, uma vez que a grade de programação era pequena e concentrava-se em horários de baixa audiência, ao contrário da versão heterossexual, destacada nos horários nobres.
A perplexidade diante da suspensão da divulgação do vídeo lançado pelo ministro Padilha, no último dia 2, revela que a homofobia institucional não escolhe ideologia e que o que orienta as decisões governamentais são acordos políticos e interesses eleitorais, mesmo que isso custe vidas e imploda toda uma política de saúde pública democrática, construída com base em evidências."
- Oswaldo Braga, em seu blog
"O que pega é a desculpa do Ministério da Saúde e de seu ministro Alexandre Padilha – o mesmo que teve enfrentamento em janeiro desse ano com as feministas que eram contra o cadastro das grávidas e Dilma (só depois de muita pressão e porque iria ficar bem mal para sua imagem de defensora das mulheres) voltou atrás e vetou - que decidiram retirar o vídeo no site do ministério e da publicidade em TV aberta.
Segundo a Folha, o ministério acredita que a postagem do vídeo no portal foi 'um equívoco'. Mas o grande equívoco é assistirmos a mais uma atitude hipócrita de um Governo em relação aos homossexuais desse país. Mais uma negligência de uma esquerda que diz ter compromisso com os Direitos Humanos, mas na verdade está muito mais comprometida com o que há de mais asqueroso no poder: a falta de fibra pra realmente mudar o estado de coisas de uma minoria que é agredida constantemente nas ruas."
- Vitor Angelo, no Blogay (Folha de S. Paulo)
"Tolerância é bom. Porém, legal mesmo não é apenas tolerar, mas acreditar que as diferenças tornam o mundo mais interessante e rico do que a monotonia monocromática da velha ditadura comportamental a que estamos subjugados pela religião, pela tradição, pelo preconceito.
Dizem que falta informação e, por isso, temos uma sociedade que pensa de forma tão tacanha. Que não temos contato com o 'outro' e, portanto, continuamos a temê-lo. Mas e quando a informação sobre o outro não flui por medo dos atores públicos que deveriam tornar isso possível? É difícil ser vanguarda na defesa dos direitos humanos, eu sei. Mas o governo pode se esforçar um pouco mais.
Afinal de contas, que mensagem o poder público quer passar barrando a divulgação em massa de campanhas de saúde destinadas aos gays que não se escondam atrás de nossa vergonha heterossexual e mostrem a realidade como ela é? Dois gays ficando em uma balada é uma cena que não difere de um homem e uma mulher na mesma situação – ao contrário do que os autores de novelas querem passar, com aquelas cenas platônicas ridículas, quando envolvem duas pessoas do mesmo sexo, feitas para não ofender os membros da TFP na sala de jantar."
- Leonardo Sakamoto, no Blog do Sakamoto, com grifos nossos
"Temos que nos posicionar enfaticamente, não contra o Departamento [de DST, Aids e Hepatites Virais] que tem suas limitações de decisão, mas contra o próprio Ministro que, de cara limpa, fez um discursos bonitinho para a mídia e plateia (...) e, como já vem se tornando uma marca da sua gestão, mudou de rumo mal apagaram os holofotes."
- CEDUS, via Tantas Notícias
"Os dois movimentos [militantes e ONGs LGBT e de Aids] vão caminhar juntos nessa questão. Inclusive no que diz respeito às denúncias que serão feitas tanto aqui – por exemplo, ao Ministério Público Federal — quanto internacionalmente, em órgãos de defesa dos direitos humanos.
Para quem desconhece os bastidores dos dois movimentos, saiba que essa associação é fato raro, pois, em geral, eles atuam separadamente. Mas a repercussão à proibição do filme foi tão grande entre os seus militantes que a campanha de prevenção à aids no Carnaval 2012 conseguiu a proeza de juntá-los numa mesma luta."
- Conceição Lemes, no Vi o Mundo - inclui a íntegra da nota da ABGLT
"Como repórter especializada na área de saúde há 30 anos, acompanho a epidemia de HIV/aids desde os anos 80. Já vi muitas campanhas de prevenção da transmissão sexual do HIV/aids e garanto: o novo filme [vídeo do início deste post] é medíocre, só pra cumprir tabela; é uma das piores campanhas de carnaval já vistas em toda a história do programa de aids brasileiro.
(...) 'Esse vídeo burocrático, sem criatividade, apenas com dados do boletim epidemiológico, feito de improviso, a toque de caixa, só comprova que houve censura e veto à campanha original', denuncia Mario Scheffer, ativista da luta contra a aids e presidente do da luta contra a aids e presidente do Grupo Pela Vidda-SP (ONG aids fundada em 1989). 'A censura imposta ao vídeo original é clara demonstração de discriminação e violação aos direitos dos homossexuais, população altamente vulnerável à infecção pelo HIV e que demanda, portanto, campanha de saúde pública de grande alcance. Essa discriminação imposta aos gays, dentro do próprio governo, é co- responsável pelo crescimento da epidemia nessa população.'
(...) 'O Ministério da Saúde se rendeu à patrulha religiosa dos fundamentalistas e aos conservadores de plantão da base aliada que tanto influenciam as decisões governo hoje', afirma Scheffer. 'No ano passado, aconteceu a mesma coisa. A campanha do Ministério da Saúde prevista para 1 de dezembro, Dia Mundial de Luta Contra a Aids, iria abordar os jovens gays. Mas o tema foi ‘abortado’, dando lugar a uma campanha genérica sobre preconceito.'
Mario Scheffer não fala apenas como ativista. Tem expertise em Saúde Pública e Comunicação; é sanitarista, pesquisador na área e pós-doutor em Ciências pela Faculdade de Medicina da USP .
'A abordagem não pode estar restrita a peças especificas para guetos, como quer o ministro Padilha ao veicular o vídeo só em locais de freqüência gay', argumenta. 'A divulgação em larga escala do filme abordando gays e prevenção do HIV é importantíssima, porque ele enfrenta um problema de saúde pública que estão jogando pra debaixo do tapete.'
Primeiro, porque jovem gay 'não existe' socialmente. Jamais uma pesquisa vai trazer quantos jovens se declaram homossexuais. Ao se referir à adolescência, os testemunhos de gays adultos quase sempre evocam sentimentos que eram marcados pelo silêncio e incertezas.
Segundo, porque no momento em que a sociedade toma conhecimento, via mensagem sensível mas realista da realidade homossexual, o jovem gay confronta-se com a construção íntima de sua identidade. A auto-estima é um passo importantíssimo para a prevenção eficaz.
(...) Em tempo: matéria publicada nesta terça-feira pela Folha de S. Paulo dá a versão de que o veto ao filme destinado aos jovens homossexuais seria da presidenta Dilma, que também teria barrado o do elefante. Diz que ela teria gostado apenas do vídeo na praia, destinado ao público heterossexual.
Independentemente de quem tenha vetado essa campanha, uma coisa é certa: o obscurantismo venceu a saúde pública."
- Conceição Lemes, em excelente análise no Vi o Mundo
"@marcofeliciano Pressão Nossa: Ministério da Saúde manda tirar do site vídeo com cena homossexual glo.bo/yG6KoF
Essa tuitada do pastor e deputado federal Marco Feliciano, do Partido Social Cristão por São Paulo, sacramenta o fim do estado laico no Brasil. O lobby religioso uma vez mais exigiu e neste carnaval a campanha de prevenção à AIDS não contará com a peça publicitária para o público homossexual, produzida justamente pelo preocupante recrudescimento da epidemia entre essa população. Esse fato vem logo após o governo vergonhosamente ceder a esse grupo conservador e suspender a distribuição dos kits anti-homofobia, perpetuando os casos de bullying físico e psicológico contra os jovens gays e lésbicas nas escolas.
Isso já havia sido anunciado na campanha eleitoral com a supressão de temas como aborto e união civil entre pessoas do mesmo sexo do programa de governo. Tudo em prol de uma coligação política que tende mais para uma inquisição moderna, que conseguiu unir os cristão das mais diversas religiões e é baseada no preconceito, preconizando a exclusão e o sofrimento para aqueles que não forem do povo de Deus.
Muito se faz neste mundo em nome do Pai. Em nome dEle são atirados aviões sobre vidas, são explodidas mulheres em meio a multidões, são executados homossexuais e outras pessoas que pensam ou agem de forma diferente das Escrituras. Em nome dEle o destino de 33 milhões de pessoas foi alterado, sendo que outros tantos o tiveram selado, pois não se pode usar ‘contraceptivos’. Em nome do Pai a eternidade no Paraíso pode ser garantida apenas mantendo em dia o carnê de mensalidades, não importando o quão execrável possa ser sua existência. Em nome dEle, homens ditos de Deus vociferam duras palavras contra os pederastas e sodomitas em pregações onde falta a única coisa que o Pai realmente quer que façamos nesse mundo: amar uns aos outros.
Quando se mistura Estado e religião não dá coisa boa. É só verificar ao redor do mundo e através da história e ver que os resultados são a rigidez da sociedade e um sistema político ditatorial, sempre em nome do Pai. Lembro de uma situação na clínica de fisioterapia onde faço meu tratamento, quando em conversa sobre esse tema com uma senhora evangélica ela posicionou-se, peremptoriamente:
- Quem assumir a presidência tem que governar com o ‘povo de Deus’ (evangélicos de forma geral).
Ao que eu rebati:
- E se um espírita assumir a presidência?
- …… (silêncio)
Ditadura é assim, só e boa para os poucos que estão por cima da carne seca, como se costuma dizer. Eles controlam a informação e decretam a censura de tudo que não lhes convém. E nós deveríamos estar escolados sobre isso, saímos de uma há menos de trinta anos."
- Beto Volpe, no Imprença, com grifos nossos.
* * *
Atualização em 23/02/2012:
Você encontra aqui um relato sobre a reunião de militantes com representante do Ministério da Saúde para esclarecimento do caso. Tweet
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