Foto: Helga Kvam
A palavra do Senhor Jesus nos abre um verdadeiro e próprio caminho, chamado a tornar-se percurso de conversão de todos aqueles aspectos «mínimos» (Mt 5, 19) da e na nossa vida, para que sejam lugar e ocasião no qual se faça um espaço sempre «maior» ao Reino dos céus que habita em nós, e que se realiza através de nossa pequena, mas necessária contribuição. É cumprindo estes pequenos passos de vigilância e de consciência que conseguimos deixar-nos guiar pela Palavra do Senhor Deus que, no livro do Deuteronômio, acompanha e sustenta o caminho espiritual do povo de Israel, guiando-o, através de uma renovada memória dos tempos gloriosos do Êxodo, na direção de um êxodo espiritual, que faça passar da escravidão do esquecimento à memória da graça: «Cuida e guarda-te bem do esquecer as coisas que os teus olhos viram, não te escapem do coração, por todo o tempo de tua vida: as ensinarás a teus filhos e aos filhos de teus filhos» (Dt 4, 9). Assim, a Lei não somente não se opõe, mas garante e faz crescer a liberdade, como capacidade de discernimento e de escolha, que sabe captar, nos «mínimos» aspectos da relação com Deus e com o mundo, uma espécie de laboratório de autenticidade, sem ceder à idolatria legalista nem a estéreis fixações “devocionísticas”. Moisés sobre o monte Sinai e Jesus sobre o monte das bem aventuranças, revelam e continuam a revelar, progressivamente, o mesmo e nunca idêntico, Rosto de Deus, que deseja ardentemente a plenitude da alegria e de vida de seus filhos: «Escuta […] para que vivais e entreis em possessão da terra que o Senhor, Deus de vossos pais, está para dar-vos» (4,1). Na realidade, esta imagem de um Deus que é totalmente tomado pelo desejo de fazer-nos participar de seus dons e de si mesmo, como dom, não está ligada ao momento histórico do êxodo, mas é a atitude perene e contínua de Deus em relação a nós: « Não vim abolir a Lei, mas cumpri-la plenamente» (Mt 5,17).
A Lei, dada ao povo por meio de Moisés, tinha um papel de guiar a viagem interior para a liberdade; as bem aventuranças que o Senhor proclama sobre a montanha, diante da multidão que se senta ao redor dele, declara a realidade da liberdade na vida de cada homem e mulher, que se abre à relação com Deus, sempre menos prescritiva e sempre mais reconhecedora. Converter-se é sempre, de uma maneira ou outra, converte-se ao amor das Escrituras, porque comporta sempre o converter-se ao amor, através das Escrituras. Nas Escrituras – como em um rosto amado – cada «tracinho» é um pequeno tesouro, cada tracinho é como um fragmento de eucaristia que nutre e faz crescer em nós o discípulo que caminha e avança no caminho. O Senhor Jesus fala em nome próprio, e se faz, deste modo, intérprete autorizado, mas não autoritário, da Lei recebida através de Moisés sobre o Sinai, e o sinal que se coloca como «pleno cumprimento» relaciona-se àqueles «mínimos» que não são, antes de tudo, preceitos secundários, mas aquelas situações e pessoas que consideramos secundárias e que, ao contrário, no final do evangelho, representam o critério do discernimento final. Aqueles que, no evangelho de hoje, são indicados como «estes mínimos» (5,19), nós os encontraremos como «Estes meus irmãos mais pequeninos» (25,40).
Textos para oração:
Dt 4,1.5-9; Mt 5, 17-19
- Semeraro, M., La messa quotidiana, Bologna marzo 2011, 278-280 Tweet
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