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Não acreditamos que, por ser gay, alguém será necessariamente, a priori, pior ou melhor do que os demais, sob qualquer aspecto. Do mesmo modo, não acreditamos que ser cristão, ou especificamente católico, necessariamente tornará alguém melhor do que os outros. Ser cristão (católico ou não) constitui, a nosso ver, antes de tudo um compromisso - um compromisso com uma determinada ética, com a busca de superar as dificuldades e limitações tão demasiadamente humanas e tentar, a cada dia mais, abrir-se para o outro, olhá-lo com os olhos de compaixão e coração misericordioso que só a graça de Cristo pode nos dar, quando caminhamos com Ele. Ser cristão é, para nós, ser plenamente humano, reconhecendo as limitações inerentes à nossa humanidade e buscando abrir-se e entregar-se à graça de Cristo para colocar nossas capacidades e talentos a serviço da construção de um mundo mais amoroso e fraterno, um mundo plural, onde haja espaço para o respeito às diferenças e onde cada um tenha lugar para ser tal como é.
Ser cristão, pois, a nosso ver não constitui garantia de salvação. Pelo contrário, é um compromisso com um permanente estado de conversão, que exige de nós atenção redobrada com as tentações do caminho, sobretudo a acomodação, a passividade, a soberba dos que se creem "certos", salvos e em segurança; um estado de conversão que nos mantenha vigilantes para os sinais de Deus Pai que zela por nós e Sua voz que fala no silêncio, no mais íntimo dos nossos corações, e nos mantenha a caminho, procurando sempre descobrir novas maneiras de em tudo amar e servir.
Daí o alerta de que é pelos frutos que se conhece a videira: não basta dizer "Senhor, Senhor", como advertem os evangelistas; é nas obras que se traduz o serviço a Cristo. Daí se entende que a Graça possa tocar a todos, crentes ou não crentes, filhos de Deus de todos os povos e nações - a Graça está com aqueles que amam, aqueles que se entregam à vida de coração aberto e inundado pela alegria e compaixão que são sinais inequívocos da presença de Cristo.
É sob essa ótica que reproduzimos o texto abaixo, de autoria do americano Philip Yancey, autor americano de vários best sellers cristãos que conhecemos através do ótimo blog Teologia Inclusiva, do Alexandre Feitosa.
Eu estava em Washington num dia em que 300 mil ativistas de direitos dos homossexuais se reuniram lá para uma manifestação. Era outubro, o dia estava muito frio, e nuvens cinzentas derramavam a chuva sobre os manifestantes que desfilavam pelas ruas da capital do país. Enquanto olhava a movimentação, na calçada bem em frente à Casa Branca, assisti a um confronto muito notável.
Aproximadamente quarenta policiais, muitos deles a cavalo, formaram um círculo para proteger um pequeno grupo de manifestantes cristãos. Graças aos enormes cartazes alaranjados com ameaças vívidas do fogo do inferno, o pequeno grupo de crentes conseguira atrair a maioria dos fotógrafos da imprensa. Apesar de ser um deles para cada 15 mil homossexuais, gritavam frases inflamadas contra os manifestantes.
O líder gritava ao microfone, mandando que as “bichas” fossem para casa, e os outros o seguiam, repetindo o mesmo grito. Quando se cansaram disto, passaram para “Que vergonha o que você faz!” No intervalo entre os gritos, o líder fazia sermões breves, carregados de enxofre, sobre falsos pastores, lobos em pele de cordeiro, e o fogo mais quente do inferno (que, para ele, estava reservado para os sodomitas e outros pervertidos).
O último insulto do repertório, gritado com mais entusiasmo, foi “Aids, Aids, ela espera por você.” Tanto eu quanto eles acabáramos de ver uma procissão com várias centenas de pessoas com Aids, algumas em cadeiras de rodas, outras com o rosto macilento e encovado como o dos sobreviventes dos campos de concentração e alguns cobertos de feridas vermelhas. Ouvindo os gritos, não conseguia compreender como alguém pudesse desejar esse destino para outro ser humano.
Os manifestantes responderam de formas diversas aos cristãos. Os mais briguentos jogavam beijos ou gritavam de volta: “Fanáticos! Que vergonha vocês são!” Um grupo de lésbicas fez com que membros da imprensa rissem, gritando em uníssono: “Queremos a esposa de vocês!”
Dentre os manifestantes gays, pelo menos 3 mil faziam parte de grupos religiosos: movimento Dignidade Católica, grupo Integridade Episcopal e, até mesmo, alguns mórmons e adventistas do sétimo dia. Mais de mil marchavam sob a bandeira da Igreja da Comunidade Metropolitana (ICM), denominação que professa uma teologia bem ortodoxa, exceto quanto à homossexualidade. Este último grupo respondeu de forma tocante aos cristãos cercados por eles: pararam bem firmes, voltaram o rosto para eles, e cantaram algo mais ou menos assim: “Jesus ama vocês, sabemos com certeza, porque a Bíblia assim o diz.”
As fortes ironias presentes naquela cena de confronto me acompanharam até muito tempo depois que saí de Washington. De um lado, os cristãos “justos”, defendendo a pura doutrina (nem mesmo o Conselho Nacional de Igrejas considera a ICM apta a ser aceita como membro). Do outro lado, os “pecadores”, muitos dos quais admitiam abertamente sua prática homossexual. Ainda assim, um lado destilou ódio e o outro cantou o amor de Jesus.
- Philip Yancey
Reproduzido via blog Teologia Inclusiva
In Perguntas que Precisam de Respostas, editora Textus, 2001 Tweet
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